A DEMANDA POR MINERAIS CRÍTICOS deve disparar nas próximas décadas, com investimentos estimados na casa do trilhão de dólares. Contudo, governos e empresas ainda não firmaram compromissos robustos para limitar os impactos da mineração sobre comunidades e florestas. Para especialistas, não há transição energética “justa” se as consequências negativas dessa corrida forem ignoradas.
Minerais como lítio e terras raras são considerados peças-chave da transição energética por seus usos na produção de baterias e ímãs de alta potência. Se por um lado são fundamentais para uma economia menos dependente de combustíveis fósseis, por outro a exploração intensiva pode provocar novos impactos ao meio ambiente e aos direitos humanos.
“Há uma narrativa sendo construída em torno do setor mineral, para vendê-lo como o motor da transição energética. As tecnologias são mais limpas, mas não são limpas em todos os sentidos”, alerta Melissa Marengo, do NRGI (Natural Resource Governance Institute), organização que acompanhou as discussões sobre o assunto na COP30, em Belém.
Durante a Conferência anual da ONU sobre Mudanças Climáticas, alguns países se esforçaram para que as preocupações socioambientais fossem contempladas na declaração final do evento. No entanto, o tema “lamentavelmente” não apareceu no documento, critica Marengo.
“Para que uma transição seja chamada de justa, é fundamental discutir como esses minerais são extraídos, em que condições e quais serão os resultados desse aproveitamento. Não podemos falar de transição justa se as consequências negativas são invisibilizadas”, afirma a representante do NRGI.
ASSINE NOSSA NEWSLETTER
Painel da ONU pede mineração responsável, mas recomendações seguem ignoradas
A Agência Internacional de Energia projeta um crescimento vultoso da demanda pelos chamados “minerais estratégicos”. A procura por lítio, por exemplo, deve aumentar cinco vezes até 2040. Já a demanda por grafite e níquel deve dobrar no mesmo período.
Em razão desse boom, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, convocou no passado um painel de alto nível de especialistas para discutir os minerais críticos para a transição energética. “Um mundo movido a energias renováveis é um mundo ávido por minerais críticos”, disse ele no lançamento, em abril de 2024.
“Para os países em desenvolvimento, os minerais críticos representam uma oportunidade crucial — para criar empregos, diversificar as economias e aumentar drasticamente as receitas. Mas somente se forem geridos adequadamente. A corrida para emissões líquidas zero não pode atropelar os pobres”, afirmou na ocasião.
Em setembro de 2024, o grupo apresentou um relatório, elaborado com a participação do setor industrial, propondo sete princípios para a extração mineral voltada à transição energética, incluindo: mais transparência na cadeia de suprimentos; medidas de mitigação de impactos; e reconhecimento dos direitos de povos indígenas.
Durante a COP em Belém, foi feita uma articulação para garantir que os impactos fossem considerados pelos países. Uma proposta dos Emirados Árabes Unidos sugeriu reconhecer no texto final da conferência “os riscos sociais e ambientais associados à ampliação das cadeias de suprimento de tecnologias de energia limpa, inclusive os riscos decorrentes da extração e do processamento de minerais críticos”. Contudo, não houve consenso entre os diplomatas e o trecho caiu.
Para Bruno Milanez, pesquisador da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), a exclusão enfraquece o debate sobre transição energética justa. “Entre os compromissos para uma transição energética justa, a mineração e seus impactos têm que entrar juntos”. Incorporar o tema da mineração no texto final “exigiria uma preocupação maior com os impactos ambientais e sociais da extração mineral”, explica.

Setor privado admite necessidade de mais compromissos
Na COP30, o setor privado enviou um representante que concorda que as mineradoras deveriam assumir mais compromissos socioambientais. “[A mineração] precisa ser responsável, ou não pode ser feita”, disse à Repórter Brasil John Lindberg, gerente sênior de Políticas Públicas e Relações Governamentais do ICMM (International Council on Mining and Metals).
O ICMM reúne algumas das maiores mineradoras do mundo, como a Vale, BHP, Alcoa e Anglo Gold Ashanti, compondo “um terço da indústria global de metais e mineração”, segundo o site da organização. A instituição foi a voz do setor privado no painel da ONU sobre minerais críticos para a transição energética.
Lindberg alerta que a corrida global por minerais essenciais à transição energética não pode servir de justificativa para avançar sobre territórios sem garantias de responsabilidade socioambiental. Para ele, a criação de um padrão global de mineração responsável é a única forma de assegurar que o aumento da demanda por cobre, níquel, lítio e outros minerais críticos não venha acompanhado de violações ambientais e conflitos com comunidades. “Precisa ser assim, senão não podemos falar sobre uma transição justa”, disse. Contudo, ainda não há um padrão acordado entre governos e empresas.
:: Leia mais: Inspiradas no ‘agro é pop’, Vale e Hydro promovem ‘mineração é top’
Brasil se firma como ‘estrela’ dos minerais críticos, mas corre riscos pela falta de compromissos
No Brasil, a corrida pelos minerais críticos ganha força. Levantamento da Repórter Brasil identificou mais de 7.700 requerimentos de exploração de minerais críticos na Amazônia Legal. Uma parte deles está muito próxima ou mesmo dentro de áreas de preservação ou ocupadas por comunidades tradicionais.
“Viemos do outro lado do mundo. Fomos atraídos para o Brasil, que tem uma jurisdição mineral e recursos incríveis”, disse Dale Henderson, diretor da empresa australiana PLS, que atua na mineração de lítio em Minas Gerais. Ele esteve ao lado de representantes do IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração), em uma mesa sobre compromissos do setor mineral na Zona Azul.
“Não vejo a transição [energética] ocorrendo sem a mineração”, disse Anderson Baranov, CEO da Norsk Hydro, em outra atividade no espaço oficial de negociações da COP.
“Na próxima década, precisamos multiplicar por cinco o tamanho total dos investimentos em minerais. O Brasil é uma potência industrial”, afirmou Demetrios Papathanasiou, diretor global do Departamento de Energia e Extrativismo do Banco Mundial, em uma mesa sobre minerais críticos e cooperação internacional, realizada no Pavilhão do Brasil na Zona Azul.
A expectativa é grande e vem acompanhada de planos bilionários. Segundo a Agência Internacional de Energia, serão necessários cerca de 800 bilhões de dólares (R$ 4,5 trilhões na cotação atual) em mineração até 2040 para manter o mundo em um cenário compatível com a meta de 1,5 ºC.
Um representante do setor financeiro apresentou números mais otimistas na COP. Marcelo Marangon, presidente do banco Citi Brasil, fez coro ao representante do Banco Mundial e disse que “a mineração vai demandar 1,7 trilhão de dólares (R$ 9,69 trilhões)” nos próximos dez anos. “A mineração em geral, e especialmente a de minerais críticos, exige investimentos enormes. É importante que os bancos apoiem esses projetos”, acrescentou.
Marengo, do NRGI, teme que esse cenário tenda a aumentar a pressão sobre territórios e populações vulneráveis. “O aumento da demanda resultará em uma pressão cada vez mais forte e, quanto mais forte a pressão, menor será a capacidade dos países de proteger e salvaguardar adequadamente sua população”, alerta.
Leia também