Enquanto o Brasil promete zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2040, boa parte da indústria da moda segue sem divulgar informações sobre seu impacto climático. Um relatório do Fashion Revolution Brasil mostra que 27 das 60 maiores marcas do país não publicam dados sobre emissões, metas de descarbonização ou medidas de adaptação frente à crise do clima.
O Índice de Transparência da Moda Brasil — edição Clima, lançado em novembro, aponta que a média de transparência das empresas avaliadas é de apenas 24%. Segundo o estudo, a falta de informações impede o acompanhamento público das ações do setor para reduzir emissões e aumentar a eficiência energética.
“A opacidade revelada pelo índice evidencia que o setor ainda se esquiva de suas responsabilidades diante da emergência climática”, afirma Isabella Luglio, coordenadora de pesquisa do Fashion Revolution Brasil. “Ignorar o papel da moda na transição climática seria deixar de fora uma parte importante da cadeia de valor do país”, acrescenta.
Descompasso social
A baixa adesão a medidas ambientais se repete na dimensão social. O critério Transição Justa, que avalia ações com foco em trabalhadores e grupos vulneráveis, teve média de 9%. Cerca de 65% das marcas não apresentaram nenhuma iniciativa voltada à inclusão social em estratégias climáticas.
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Somente 27% informaram mecanismos de compensação financeira para empregados afetados por eventos extremos, e nenhuma marca descreveu investimentos em adaptação para fornecedores. O relatório aponta que o modelo de produção terceirizada repassa riscos e custos a segmentos mais frágeis da cadeia produtiva.
A Lojas Renner S.A., uma das seis empresas com pontuação acima de 60%, informou manter auditorias periódicas para verificar o cumprimento da legislação trabalhista e normas de saúde e segurança. Leia a manifestação completa da empresa aqui.
Segundo o Fashion Revolution, no entanto, essas medidas ainda não permitem avaliar as condições de trabalho diante do aumento de eventos climáticos como ondas de calor.
Energia e emissões
De acordo com o estudo Brazil Net-Zero by 2040, do Instituto Amazônia 4.0, atingir a neutralidade climática do país até 2040 exigirá mudanças profundas no uso da terra e na matriz energética, com eliminação quase total de combustíveis fósseis.
No setor têxtil, 28% do consumo energético ainda depende de gás natural e biomassa, fontes que o relatório classifica como soluções de transição, mas não compatíveis com as metas de longo prazo. A pesquisa destaca que o setor tem potencial para eletrificação, já que seus processos industriais demandam calor de baixa temperatura. “O setor pode se eletrificar rapidamente, aproveitando a matriz elétrica majoritariamente renovável do Brasil”, avalia Luglio.
Falta de dados e risco de desmatamento
Mais de 60% das marcas analisadas não divulgam inventários completos de emissões. Apenas 37% informam o chamado Escopo 3 — que inclui a pegada de carbono da cadeia de fornecedores e representa 96% das emissões totais da moda.
O relatório também indica que 80% das empresas não têm compromissos públicos de desmatamento zero em matérias-primas como algodão e couro. Só 23% identificam seus fornecedores de insumos, dificultando a rastreabilidade em biomas como Cerrado e Amazônia.
“O Brasil é o maior exportador de algodão e um dos três principais de couro cru. A ausência de metas claras para zerar o desmatamento nessas cadeias pode comprometer os compromissos do país”, afirma Luglio.
Apenas 7% das marcas informaram apoio financeiro a ações de mitigação climática. A C&A, que apresentou aumento nas emissões do Escopo 3, foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
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