Governo Lula descumpre decisão judicial e ajuda JBS em caso de escravidão

Governo não cumpre ordem do Poder Judiciário para inserir JBS Aves no cadastro de empregadores responsabilizados por trabalho escravo, a chamada Lista Suja
Por Leonardo Sakamoto

“JUSTIÇA decidiu, tá decidido.” O presidente Lula sempre repete em seus discursos que decisões judiciais devem ser cumpridas, mesmo quando se discorda delas. Contudo, a máxima não valeu, pelo menos até agora, para uma ordem do Poder Judiciário que mandou o seu governo inserir no prazo de cinco dias a empresa JBS Aves no cadastro de empregadores responsabilizados por trabalho escravo, a chamada Lista Suja.

O Ministério Público do Trabalho peticionou a Justiça do Trabalho, na última sexta (19), informando o descumprimento. O governo nega que tenha desobedecido a Justiça.

A juíza Katarina Roberta Mousinho de Matos, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, determinou, em 2 de dezembro, que o governo federal incluísse a empresa JBS Aves na Lista Suja. A gigante internacional havia tido sua entrada na relação suspensa por decisão do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, contrariando a área técnica.

Marinho avocou (chamou para a sua decisão) processos administrativos já concluídos pela fiscalização, impedindo a publicação dos nomes desta e de outras duas empresas no cadastro por discordar da fiscalização. O movimento foi classificado pela magistrada como “desvio de finalidade” e “regime de exceção para grandes empresas”.

O prazo para inserção da JBS Aves venceu na última quinta (18), segundo o MPT.

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O proprietário da empresa, Joesley Batista, recentemente ajudou o governo brasileiro nas articulações para a suspensão das sanções econômicas impostas pelo governo Donald Trump.

Questionado a razão pela qual a empresa ainda não estar no cadastro, o ministério informou que “a decisão judicial não determinou a inclusão imediata”.

E informou que “a União, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), já apresentou manifestação no processo e também recorreu ao Tribunal Regional Federal, com pedido de efeito suspensivo”. Segundo a pasta, “esse recurso está sendo analisado pelo plantão judicial”.

“Dessa forma, não existe, até o momento, decisão judicial definitiva que determine a inclusão ou exclusão da empresa no cadastro”, apontou o ministério.

A JBS Aves teve sua entrada na “lista suja” suspensa por decisão do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, contrariando a área técnica (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
A JBS Aves teve sua entrada na Lista Suja suspensa por decisão do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, contrariando a área técnica (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Contudo, a decisão judicial determinou à União “que proceda, no prazo de cinco dias, à inclusão das empresas”, e que “comunique a este Juízo, no mesmo prazo, o cumprimento integral desta decisão, juntando comprovação da publicação atualizada do Cadastro”. E fixou multa diária de R$ 20 mil a ser paga pelo erário público em caso de descumprimento. Ou seja, cumprimento imediato.

Além disso, o fato de a AGU ter recorrido não dá ao governo federal a possibilidade de desrespeitar uma decisão judicial de primeira instância. Pois, como o próprio ministério afirma, um recurso foi apresentado pedindo efeito suspensivo e ainda “está sendo analisado pelo plantão judicial”.

O governo federal disse também que a Lista Suja é atualizada duas vezes por ano e a próxima atualização está prevista para maio. “Assim, qualquer eventual inclusão só pode ser analisada nessa próxima atualização, caso sejam cumpridos todos os requisitos legais.”

O Ministério do Trabalho está correto ao afirmar que ela é atualizada de forma regular duas vezes por ano. Contudo, desde a sua criação, em novembro de 2003, dezenas de nomes foram incluídos e excluídos em qualquer época do ano devido a decisões judiciais sobre o tema, não tendo sido necessário esperar o mês de atualização regular desse cadastro.

A coluna consultou três juristas que afirmaram, reservadamente, que as justificativas dadas pelo governo não fazem sentido e visam apenas a ganhar tempo enquanto ele busca uma decisão favorável.

A Lista Suja é considerada uma das principais políticas públicas de combate ao trabalho escravo no Brasil e já foi validada pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar de a portaria que a regulamenta não impor bloqueio comercial ou financeiro, a relação tem sido usada por bancos e empresas para gerenciamento de risco, dentro e fora do Brasil. Por essa razão, as Nações Unidas consideram o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo.

Entenda o caso

A controvérsia veio a público após esta reportagem revelar, em setembro de 2025, que o ministro do Trabalho havia adiado a entrada da JBS Aves na Lista Suja, contrariando decisões técnicas da auditoria fiscal do trabalho. O caso envolvia trabalhadores submetidos a falsas promessas, tráfico de pessoas, endividamento e condições degradantes. O adiamento gerou reação do MPT, que já questionava judicialmente intervenções políticas no cadastro.

A magistrada determinou que o governo federal não volte a usar o poder de avocação ou qualquer outro expediente administrativo para suspender ou retardar a inclusão de empregadores autuados na Lista Suja.

E advertiu que novas interferências podem configurar crime de desobediência, improbidade administrativa e afronta ao Estado Democrático de Direito, uma vez que há decisão judicial transitada em julgado, datada de 2017, sob o governo Michel Temer, obrigando o governo federal a publicizar a Lista Suja.

Segundo a decisão judicial, documentos anexados aos autos mostram que a própria Advocacia-Geral da União (AGU) reconheceu “indícios robustos” de escravidão envolvendo trabalhadores da JBS Aves, mas ainda assim recomendou nova análise por causa da “repercussão econômica” do caso.

Trabalhador da MRJ em granja: caso em empresa terceirizada levou JBS Aves a ser autuada por trabalho escravo (Foto: MTE)
Trabalhador da MRJ em granja: caso em empresa terceirizada levou JBS Aves a ser autuada por trabalho escravo (Foto: MTE)

Em nota enviada, a JBS havia afirmado que a Seara, empresa do grupo, “imediatamente encerrou o contrato e bloqueou o prestador assim que tomou conhecimento das denúncias”. E contratado uma auditoria externa para checagem da documentação dos trabalhadores de empresas terceiras, além de intensificar a auditoria interna, com análise e verificação diária de todas as condições da prestação de serviços de apanha realizada por terceiros.

Também disse que tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos. E que todos os fornecedores estão submetidos ao Código de Conduta de Parceiros e à Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia.

A Santa Colomba Agropecuária S.A. e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal (Apaeb) também foram beneficiadas pelas avocações de Marinho. Porém, a segunda já estava no cadastro e não foi retirada após decisão judicial e a primeira conseguiu uma liminar judicial para questionar os autos de infração, então, continuou fora da lista.

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