Poder Legislativo

Projetos sobre trabalho escravo empacam há anos no Congresso

Pelo menos 16 projetos de lei relacionados ao tema tramitam no Senado e na Câmara. A maioria está estacionada há mais de dois anos. Levantamento mostra falta de empenho tanto dos membros do Legislativo como do Executivo
Por Beatriz Camargo e Iberê Thenório
 04/03/2008

As fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) bateram recorde em número de pessoas libertadas da escravidão em 2007, com 5.877 trabalhadores em 197 fazendas. Trabalho escravo e degradante estão cada vez mais em destaque no noticiário nacional, principalmente pelos recentes flagrantes em fazendas do setor canavieiro – vedete em tempos de coroação dos biocombustíveis. Exemplos disso foram as ações em propriedades do Grupo Carlos Lyra, em fevereirro último no estado de Alagoas; na Usina Debrasa, da poderosa Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA), em novembro de 2007, no Mato Grosso do Sul; além do flagrante na fazenda e usina Pagrisa, no Pará, em junho do mesmo ano, que libertou 1.064 trabalhadores.

Enquanto isso, no Congresso Nacional, a maioria das 16 principais matérias ligadas ao combate à escravidão está há mais de dois anos sem dar um passo na tramitação, fora das pautas de plenários e comissões ou aguardando designação de relatores. Nove projetos estão na Câmara e sete no Senado. Apenas cinco deles já passaram da primeira "etapa" e mudaram de uma Casa à outra, dentro do Parlamento que reúne representantes de todo o país.

A PEC 438/2001, conhecida como "PEC do trabalho escravo" é um exemplo do que acontece com projetos de lei (PLs) nas instâncias parlamentares. Aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em agosto de 2004, ela aguarda desde então a votação em segundo turno no Plenário. Entre todos os projetos sobre o tema que aguardam o crivo de senadores e deputados, é o que tem o andamento mais avançado.

Órgãos governamentais e entidades da sociedade civil de combate à escravidão consideram a PEC 438 um dos projetos mais importantes no enfrentamento a esse crime. Ela propõe mudança na lei que determina a expropriação de terras onde houver cultivo de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. O trabalho escravo passaria a ser mais um motivo para o confisco, sem indenização.

Além dessa solução, outras propostas parlamentares sugerem aumento das multas e penas mais severas para o crime em questão, além de restrição a créditos financeiros e a contratos com estatais ou empresas mistas.

Projetos estacionados
Em levantamento anterior feito pela Repórter Brasil em junho de 2006, foram identificados 12 Projetos de Lei no Legislativo. De lá para cá, dois PLs foram arquivados, há projetos novos e, dos que já estavam listados, poucos avançaram.

A PEC 438/2001 está na lista de prioridades para este ano encaminhada pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), aos líderes dos partidos. "A aprovação da PEC 438 é uma prioridade dele [Chinaglia]. Mas a matéria é difícil levando-se em conta a mobilização de bancadas contra a PEC. A intenção é chegar a um acordo", informa a assessoria do presidente. Outro obstáculo citado pela assessoria é o excesso de Medidas Provisórias (MPs), que impedem o andamento das pautas da Casa. Segundo o gabinete do presidente da Câmara, são 19 MPs para serem votadas até abril.

A Repórter Brasil entrou em contato com o líder do governo na Câmara Federal, deputado Henrique Fontana (PT-RS), para obter uma avaliação dos planos governistas com relação à PEC 438/2001 e a outras matérias referentes ao tema, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.

A mais antiga das propostas em tramitação é de 1997, de autoria de Paulo Rocha (PT-PA). O PL inclui na definição de trabalho escravo – descrito no Art. 149 do Código Penal – a exploração de mão-de-obra infantil. Está parado desde 2003 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Outros três PLs que tratam do assunto também estão na mesma CCJ.

Segundo o gabinete do senador Marco Maciel (DEM-PE), presidente da CCJ do Senado, não há perspectivas de avanço dos quatro projetos que estão na comissão: dois aguardando designação de relator e dois esperando para entrar na pauta de votação. "Não existe pressão para que nenhuma matéria sobre esse assunto entre em votação e a Comissão está com um acúmulo de outros projetos para serem tratados", informa a chefia de gabinete.

Na Câmara, há cinco projetos atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Três deles estão empacados desde 2004. O presidente da comissão em 2007 foi o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), sócio da empresa Agrovás, que já esteve na "lista suja" do trabalho escravo. Na semana passada, a CCJC escolheu um novo presidente: Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Na opinião do presidente da subcomissão do Trabalho Escravo do Senado e autor de um dos projetos que tramitam sobre o tema, José Nery (PSol-PA), as matérias têm tramitação lenta porque em alguma medida contrariam o interesse dos parlamentares. "É verdade que tem uma parcela [do Congresso] comprometida com a mudança da legislação para beneficiar os trabalhadores. Mas também é verdade que a maioria está muito distante dessa luta para instituir instrumentos legais para a erradicação do trabalho escravo. Essa postura revela os interesses de classe, do latifúndio", critica.

Para o deputado Eduardo Valverde (PT-RO), que também tem um projeto sobre trabalho escravo, esse assunto é um tabu na Câmara, já que a bancada ruralista, que costuma fazer oposição a essas proposições, é muito bem articulada. Poucos são os que têm coragem de se colocar publicamente contra propostas que combatem o crime, avalia o parlamentar. "Há matérias que são polêmicas, que dão desgastes políticos. Muitos fazem corpo mole, que também é uma forma de negação".

Dando exemplo
Enquanto o Congresso Nacional demora para aprovar propostas que contribuem para o combate ao trabalho escravo, alguns estados saíram na frente. Rio de Janeiro, Piauí, Maranhão e Mato Grosso já sancionaram uma lei estadual que proíbe que órgãos públicos façam contratos diretos ou indiretos com empresas ou pessoas que utilizaram trabalho escravo. Na Câmara, o Projeto de Lei que trata do assunto, de 1996, tramita apensado, com outros 101 projetos, a um projeto de lei que modifica as regras para contratações da administração p&
uacute;blica. Não há previsões de andamento dessa proposta.

Veja, no quadro abaixo, quais são os 16 projetos de lei relacionados ao trabalho escravo que tramitam no Parlamento: 

PL-2636/2007
Deputado Eduardo Valverde (PT-RO)
Permite que a Justiça do Trabalho tenha competência nos casos de crimes relacionados ao trabalho, como o trabalho escravo e o aliciamento de trabalhadores. Tramita apensado a esse projeto a proposição 2684/2007, do deputado Valtenir Pereira (PSB-MT), que permite ao Ministério Público Federal levar o processo para a Justiça Federal quando houver grave violação aos direitos humanos
A questão é polêmica mesmo dentro da Justiça do Trabalho. Muitos juízes e procuradores avaliam que a possibilidade de julgar crimes traria mais rapidez para condenar casos de trabalho escravo ou aliciamento. Outra parcela considera, porém, que a questão deve continuar nos Foros comum e Federal, pois esse não seria o foco da Justiça trabalhista. O projeto está na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara

PLS 571/2007
Senador José Nery (PSOL-PA)
Propõe a criação de um dia e uma semana nacionais de combate ao trabalho escravo
Em novembro de 2007, teve parecer favorável do senado Paulo Paim (PT-RS) e está pronto para entrar em pauta da Comissao de Educação, Cultura e Esporte da Casa. Ele tem caráter terminativo, ou seja, se aprovado na Comissão vai diretamente para a Câmara. Nery vai conversar com Cristóvam para que o PL seja votado nas próximas semanas

PLS 283/2006
Senadora Serys Slhessarenko (PT-MT)
Muda o Art. 149 do Código Penal, aumentando a pena para quem comete o crime de trabalho escravo, de um mínimo de dois e um máximo de oito anos de prisão para quatro a dez anos, além de multa

Está nas mãos do senador Valter Pereira (PMDB-MS), que é relator da proposta na CCJ do Senado, desde outubro de 2007. O senador ainda não examinou o resumo do projeto para determinar o sentido do parecer, mas já adiantou que tende a ser favorável à matéria

PLS 25/2005
Senador Pedro Simon (PMDB-RS)
Prevê a criação de uma lei para a já existente "lista suja" do trabalho escravo, sem modificar seu funcionamento
A relatoria está sob responsabilidade com o senador Delcídio Amaral (PT-MS) desde 04/10/2007, pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Depois dessa comissão, o PL será enviado ao Plenário. Segundo o gabinete de Delcídio, em cerca de uma semana este parecer estará pronto. O senador Pedro Simon tem a expectativa de que, já na próxima semana, o projeto possa ser colocado em pauta na Comissão. Segundo seu gabinete, ele espera que o parecer do senador Delcídio seja favorável

PEC 52 / 2005
Senador Cristóvam Buarque (PDT-DF)
Assim como a PEC 438, pede nova redação para a lei que expropria imóveis onde for encontrado plantações psicotrópicas, incluindo a expropriação também no caso de trabalho escravo ou infantil.
A matéria está pronta para a pauta na CCJ desde novembro de 2007, quando o relator da matéria, Arthur Virgílio (PSDB-AM), aprovou a proposta com a adição de uma emenda. Para assessores do senador, a PEC tem muita chance de entrar logo na pauta em função da importância do assunto. Eles apostam, ainda, que ela será aprovada sem problemas na Comissão, pois a discussão maior será no Plenário da Casa

PLS 9/2004
Senador Marcelo Crivella (PRB-RJ)
Acrescenta na Lei de Crimes Hediondos (nº 8072/1940) o crime de trabalho escravo
Está parado desde maio de 2005 na CCJ do Senado Federal e aguarda a designação de um relator

PEC 265/2004
Deputado Anselmo (PT-RO)
Assim como a PEC 438/2001, prevê expropriação de terras onde houver trabalho escravo. Além disso, a emenda muda o termo "gleba", utilizado hoje nas leis de terra, para "imóvel rural". Gleba é um terreno para cultura, enquanto imóvel rural compreende barracões, e outras instalações da fazenda. Assim, a desapropriação não fica restrita apenas ao trecho em que foram encontradas as irregularidades, mas a toda propriedade
De acordo com a assessoria do deputado Anselmo, o projeto teve dificuldades para tramitar na Câmara, inclusive por causa do desinteresse do presidente da CCJC durante 2007, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), sócio da empresa Agrovás, que já esteve na lista suja do trabalho escravo

PLP-203/2004
Deputado Chico Alencar (PT-RJ)
Coloca entre os motivos de inelegibilidade para qualquer cargo político a condenação, em primeira instância, pelo crime de trabalho escravo, entr
e outros delitos

O projeto está na CCJC da Câmara e aguarda relator. O último andamento foi em março de 2005, quando a relatoria foi designada ao deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), que não apresentou parecer. Como a matéria foi arquivada em janeiro de 2007 e desarquivada em fevereiro do mesmo ano, é necessária a nomeação de um novo relator

PL-2108/2003
Deputado Walter Pinheiro (PT-BA)
Proíbe que entidades ou empresas brasileiras ou sediadas no Brasil tenham contrato com empresas que exploram formas degradantes de trabalho, como o trabalho escravo ou infantil, em outros países. Em caso de descumprimento, a entidade ou empresa é impedida de firmar contratos com qualquer órgão público, participar de licitações ou se beneficiar de recursos públicos, por um período de cinco anos
Em novembro de 2006, teve parecer favorável do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Desde então, aguarda para entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara

PL-1985/2003
Deputado Eduardo Valverde (PT-RO)
Altera a lei do trabalho rural (5889/1976), estabelecendo uma multa de R$ 2.500,00 para o empregador que utilizar trabalho escravo. Em caso de reincidência, embaraço ou resistência à fiscalização, emprego de artifício ou simulação com o objetivo de fraudar a lei, a multa será aplicada em dobro. A quantia pode cair pela metade caso o empregador providencie, em no máximo cinco dias, o pagamento dos valores devidos aos empregados, conforme apurar a fiscalização
Está na CCJC da Câmara desde 2004. De acordo com Eduardo Valverde (PT-RO), a proposta tem dificuldades de caminhar porque não há interesse dos deputados, que fazem corpo mole para proposições contra o trabalho escravo

PLS 487/2003
Senador Paulo Paim (PT-RS)
O projeto proíbe órgãos públicos de contratar, conceder incentivos fiscais ou permitir a participação em licitações de empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços
Desde março de 2007, está pronto para entrar na pauta da CCJ do Senado. José Maranhão (PMDB-PB), o relator na comissão, já apresentou relatório com voto favorável à aprovação da matéria

PLS 208/2003 (Senado) ou PL-5016/2005 (Câmara)
Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Aumenta as penas para trabalho escravo e aliciamento. No trabalho escravo, a pena passa de um mínimo de dois e um máximo de oito anos para um mínimo de cinco e um máximo de dez anos de prisão. Para o aliciamento, a pena mínima passa de um até quatro anos e a pena máxima chega a oito anos de detenção. Além disso, o escravizador perde o direito a benefícios e créditos governamentais. E também não pode participar de licitações. Equipamentos da propriedade, bem como os bens produzidos com mão-de-obra escrava serão levados à leilão e o recurso gerado será utilizado preferencialmente para fiscalização. Prevê também uma multa de dez salários mínimos por trabalhador flagrado. Em uma das emendas, foi apensado ao projeto uma proposta que transforma o crime do trabalho escravo e aliciamento em crimes hediondos (Apensos: PL 2667/2003 que, por sua vez, tem o apenso PL 3283/2004. Ambos colocam trabalho escravo na lista de crimes hediondos; PL 3500/2004, que proíbe que órgãos públicos e de economia mista destinem recursos a empresas ou pessoas condenadas por trabalho escravo)
Já passou pelo Senado, mas na Câmara está parada na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP). O último andamento foi um parecer favorável de Vicentinho (PT-SP), em outubro de 2005

PL-5487/2001
Senador Ademir Andrade (PSB-PA)
Assim como a PEC 438, propõe o confisco de terra onde for constatado trabalho escravo. A diferença é que ela modifica a lei que regulamenta a Constituição. Está apensado a esse projeto o PL-828/2007, do deputado Marcelo Serafim (PSB-AM), que trata do mesmo tema
O projeto está desde maio de 2004 na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara, pronto para entrar na pauta, depois de parecer pela rejeição assinado pelo deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) – membro da bancada ruralista e abertamente contra a aprovação da PEC 438

PEC 438/2001
Senador Ademir Andrade (PSB-PA)
Prevê o confisco de terras, sem direito à indenização, em fazendas que se comprove o uso de mão-de-obra análoga à escravidão. As propriedades serão destinadas ao assentamento de famílias para a reforma agrária. Imóveis urbanos em que se flagrem essas atividades também serão desapropriados
Já foi aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara, em agosto de 2004. Precisa ser colocada em pauta para a votação em segundo turno. Requer três quintos ou mais dos votos dos 513 deputados para ser aprovada

PL-3757/1997 (Câmara) ou PLC 97/2003 (Senado)
Paulo Rocha (PT-PA)
Altera a tipificação do crime do trabalho escravo (Art. 149 do Código Penal), incluindo nela o uso de mão-de-obra de menores de 14 anos para fins econômicos, salvo o auxílio em âmbito familiar, fora do horário escolar e que não prejudique a formação educacional
O Projeto não tem andamento nenhum desde dezembro de 2003. Atualmente, espera designação do relator na CCJ do senado.

PL-1292/1995
Senador Lauro Campos (PT-DF)
Altera a lei 8.666/93, que trata de contratos feitos pela administração pública. Está apensado a esse projeto o PL-2022/1996, que proíbe a administração pública de sela contrato com quem, direta ou indiretamente, utilizar mão-de-obra escrava
O andamento do projeto é lento porque há 102 propostas apensadas a ele, que tramitam em conjunto. Desde novembro de 2004, está estacionada na CCJC da Câmara

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM