Mato Grosso

Carro de equipe que resgatou 16 pessoas é apedrejado

Depois de ameaça anônima, veículo do Ministério Público do Trabalho (MPT) utilizado por fiscalização que encontrou trabalho degradante em São José do Xingu (MT) acaba danificado. Há suspeita de represália. Polícia investiga caso
Por Beatriz Camargo
 23/06/2008
Carro do MPT foi apedrejado enquanto parte da equipe estava na Faz. Reunidas (Foto: SRTE-MT)

A equipe de fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE-MT) resgatou 16 pessoas de condições degradantes de trabalho no município de São José do Xingu (MT), próximo à divisa com o Pará. A operação realizada na terça-feira passada (17) se deu na Agropecuária São José Ltda., conhecida como Fazenda Reunidas.

Na quarta-feira (18), enquanto parte do grupo de fiscalização voltou à Reunidas, um dos veículos utilizados na ação teve o pára-brisa frontal quebrado e a capota amassada por pedras. A caminhonete do Ministério Público do Trabalho (MPT) estava estacionada em frente ao hotel em que o grupo se hospedou, em Confresa (MT).

No mesmo dia, a Polícia Militar (PM) local recebeu uma ligação anônima de um homem que ameaçou danificar os carros da fiscalização e tirar a vida da presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Confresa. Segundo os auditores fiscais, a PM recebeu outra ligação anônima na sexta-feira (19) de um homem que assumiu a autoria da pedrada que danificou o veículo do MPT. Esse mesmo indivíduo afirmou que havia recebido uma oferta de R$ 1 mil para executar o "serviço" e que não conseguira obter o dinheiro pelo que fez. Os policiais ainda não encontraram o autor da pedrada.

"A gente não pode dizer com certeza, mas parece represália", testemunha o procurador do MPT que fez parte da equipe de fiscalização, Raulino Maracajá Filho. O caso está sob investigação da Polícia Civil.

Contraste
A Fazenda Reunidas tem cerca de nove mil hectares. Segundo relato da coordenadoria da operação, "trata-se de uma propriedade de grande porte, possuidora de um numeroso rebanho". O proprietário da área, José Carlos Ramos Rodrigues, mora em Araçatuba (SP). Segundo Ronan de Oliveira Souza, advogado da empresa de José Carlos (a Agropecuária São José), há oito meses o dono não se desloca até a propriedade. "Essa contratação foi feita sem a autorização dele", sublinha o advogado Ronan.

A maioria das 16 pessoas resgatadas estava encarregada de cortar pedaços de madeira – chamados de "lascas" – para a montagem de cercas. Os trabalhadores não tinham carteira de trabalho assinada e tampouco utilizavam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Dormiam em diversos barracos de lona e madeira montados no meio da mata. A água para beber vinha do córrego, utilizado também pelo gado espalhado pela propriedade.

Lonas rasgadas cobriam trabalhadores; na sede, avião, piscina e até mordomo (Foto:SRTE-MT)

A situação dos trabalhadores contrastava com a infra-estrutura da sede da propriedade. No momento da fiscalização, um avião foi encontrado pelos fiscais. A casa com piscina também dispunha de um mordomo. "O contraste entre as realidades causou um grande espanto em toda a equipe", descreve a auditora fiscal e coordenadora da ação, Renata Vieira. "Foi um choque ver a sede e depois encontrar as pessoas no barraco de lona no mato", reforça o procurador Raulino. "Até a lona [do barraco] estava rasgada. Há muito tempo não via situação tão humilhante".

Havia um casal (um pedreiro que trabalhava na construção de alojamento e sua esposa) dormindo separadamente no galinheiro da fazenda. Apesar de não terem sido resgatados junto com os outros que estavam no meio do mato, a equipe exigiu que os dois fossem acomodados em outro local.

De acordo com o advogado que presponde pela propriedade, não houve tempo para a assinatura de carteira e os EPIs eram distribuídos. "Os trabalhadores é que não usavam", justifica. Para ele, o único problema foi o alojamento, que considera uma questão de costume da região. "Lá no Xingu, eles têm a seguinte prática: em razão do costume e de serem pessoas muito simples, quando você contrata trabalhadores para fazer uma cerca, eles montam uma barraquinha perto do serviço. Não gostam de ficar perto da sede. Isso não é uma determinação do empregador".

Ronan ressalta que havia espaço para abrigar todos os trabalhadores temporários próximos à sede, onde estão alojados oito vaqueiros da fazenda. "Temos 23 cômodos", diz Ronan. Segundo Renata, no entanto, a equipe não viu esses alojamentos, que não foram vistoriados durante a fiscalização.

Escondidos
Quando os fiscais chegaram à propriedade no dia 17, os responsáveis negaram a presença trabalhadores alojados irregularmente, mas sete pessoas foram encontradas em dois barracos de lona preta e madeira, no meio do mato. No mesmo dia, a equipe descobriu dois outros trabalhadores na fazenda, que haviam sido levados para a cidade um dia antes.

Em conversas com os resgatados, os integrantes do grupo de fiscalização rural souberam que haveria ainda outras pessoas trabalhando na fazenda. A suspeita foi confirmada no dia seguinte, quando sete trabalhadores foram encontrados em outros barracos no meio do matagal, em condições similares aos demais resgatados. Renata Vieira sublinha que o fazendeiro foi autuado não só pelas condições, mas também por "embaraço à fiscalização".

"Quem estava na propriedade [na chegada da fiscalização] era o gerente, um senhor trabalhador, muito simples. Ele não tem a mínima noção do que seja um auditor fiscal do trabalho", argumenta Ronan Souza. "Ele ficou perdido, com medo de perder o emprego, não soube responder às perguntas. Eu até pedi desculpas para a fiscalização quando cheguei".

A ação terminou quinta-feira (19). Ao todo, José Carlos Ramos Rodrigues desembolsou cerca de R$ 80 mil, entre verbas rescisórias e danos morais individuais – cada trabalhador recebeu R$ 2,5 mil.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto ao proprietário pelo MPT prevê, além do compromisso com a regularização das condições ofercidas aos trabalhadores, a doação de três caminhonetes L-200 para o combate ao trabalho escravo na região – orçado em cerca de R$ 300 mil. Raulino Maracajá Filho também informou que fotos da propriedade foram tiradas e devem ser encaminhadas ao Ibama, "para verificar se existe crime ambiental".

O fazendeiro ganhou dez dias para se pronunciar sobre o TAC, mas o advogado Ronan Souza garante que o compromisso será assinado. "Agora nós vamos ter que organizar lá para cumprir isso. Vam
os passar instruções mais adequadas aos funcionários, para evitar esse tipo de comportamento".

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