Carro do MPT foi apedrejado enquanto parte da equipe estava na Faz. Reunidas (Foto: SRTE-MT) |
A equipe de fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE-MT) resgatou 16 pessoas de condições degradantes de trabalho no município de São José do Xingu (MT), próximo à divisa com o Pará. A operação realizada na terça-feira passada (17) se deu na Agropecuária São José Ltda., conhecida como Fazenda Reunidas.
Na quarta-feira (18), enquanto parte do grupo de fiscalização voltou à Reunidas, um dos veículos utilizados na ação teve o pára-brisa frontal quebrado e a capota amassada por pedras. A caminhonete do Ministério Público do Trabalho (MPT) estava estacionada em frente ao hotel em que o grupo se hospedou, em Confresa (MT).
No mesmo dia, a Polícia Militar (PM) local recebeu uma ligação anônima de um homem que ameaçou danificar os carros da fiscalização e tirar a vida da presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Confresa. Segundo os auditores fiscais, a PM recebeu outra ligação anônima na sexta-feira (19) de um homem que assumiu a autoria da pedrada que danificou o veículo do MPT. Esse mesmo indivíduo afirmou que havia recebido uma oferta de R$ 1 mil para executar o "serviço" e que não conseguira obter o dinheiro pelo que fez. Os policiais ainda não encontraram o autor da pedrada.
"A gente não pode dizer com certeza, mas parece represália", testemunha o procurador do MPT que fez parte da equipe de fiscalização, Raulino Maracajá Filho. O caso está sob investigação da Polícia Civil.
Contraste
A Fazenda Reunidas tem cerca de nove mil hectares. Segundo relato da coordenadoria da operação, "trata-se de uma propriedade de grande porte, possuidora de um numeroso rebanho". O proprietário da área, José Carlos Ramos Rodrigues, mora em Araçatuba (SP). Segundo Ronan de Oliveira Souza, advogado da empresa de José Carlos (a Agropecuária São José), há oito meses o dono não se desloca até a propriedade. "Essa contratação foi feita sem a autorização dele", sublinha o advogado Ronan.
A maioria das 16 pessoas resgatadas estava encarregada de cortar pedaços de madeira – chamados de "lascas" – para a montagem de cercas. Os trabalhadores não tinham carteira de trabalho assinada e tampouco utilizavam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Dormiam em diversos barracos de lona e madeira montados no meio da mata. A água para beber vinha do córrego, utilizado também pelo gado espalhado pela propriedade.
Lonas rasgadas cobriam trabalhadores; na sede, avião, piscina e até mordomo (Foto:SRTE-MT) |
A situação dos trabalhadores contrastava com a infra-estrutura da sede da propriedade. No momento da fiscalização, um avião foi encontrado pelos fiscais. A casa com piscina também dispunha de um mordomo. "O contraste entre as realidades causou um grande espanto em toda a equipe", descreve a auditora fiscal e coordenadora da ação, Renata Vieira. "Foi um choque ver a sede e depois encontrar as pessoas no barraco de lona no mato", reforça o procurador Raulino. "Até a lona [do barraco] estava rasgada. Há muito tempo não via situação tão humilhante".
Havia um casal (um pedreiro que trabalhava na construção de alojamento e sua esposa) dormindo separadamente no galinheiro da fazenda. Apesar de não terem sido resgatados junto com os outros que estavam no meio do mato, a equipe exigiu que os dois fossem acomodados em outro local.
De acordo com o advogado que presponde pela propriedade, não houve tempo para a assinatura de carteira e os EPIs eram distribuídos. "Os trabalhadores é que não usavam", justifica. Para ele, o único problema foi o alojamento, que considera uma questão de costume da região. "Lá no Xingu, eles têm a seguinte prática: em razão do costume e de serem pessoas muito simples, quando você contrata trabalhadores para fazer uma cerca, eles montam uma barraquinha perto do serviço. Não gostam de ficar perto da sede. Isso não é uma determinação do empregador".
Ronan ressalta que havia espaço para abrigar todos os trabalhadores temporários próximos à sede, onde estão alojados oito vaqueiros da fazenda. "Temos 23 cômodos", diz Ronan. Segundo Renata, no entanto, a equipe não viu esses alojamentos, que não foram vistoriados durante a fiscalização.
Escondidos
Quando os fiscais chegaram à propriedade no dia 17, os responsáveis negaram a presença trabalhadores alojados irregularmente, mas sete pessoas foram encontradas em dois barracos de lona preta e madeira, no meio do mato. No mesmo dia, a equipe descobriu dois outros trabalhadores na fazenda, que haviam sido levados para a cidade um dia antes.
Em conversas com os resgatados, os integrantes do grupo de fiscalização rural souberam que haveria ainda outras pessoas trabalhando na fazenda. A suspeita foi confirmada no dia seguinte, quando sete trabalhadores foram encontrados em outros barracos no meio do matagal, em condições similares aos demais resgatados. Renata Vieira sublinha que o fazendeiro foi autuado não só pelas condições, mas também por "embaraço à fiscalização".
"Quem estava na propriedade [na chegada da fiscalização] era o gerente, um senhor trabalhador, muito simples. Ele não tem a mínima noção do que seja um auditor fiscal do trabalho", argumenta Ronan Souza. "Ele ficou perdido, com medo de perder o emprego, não soube responder às perguntas. Eu até pedi desculpas para a fiscalização quando cheguei".
A ação terminou quinta-feira (19). Ao todo, José Carlos Ramos Rodrigues desembolsou cerca de R$ 80 mil, entre verbas rescisórias e danos morais individuais – cada trabalhador recebeu R$ 2,5 mil.
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto ao proprietário pelo MPT prevê, além do compromisso com a regularização das condições ofercidas aos trabalhadores, a doação de três caminhonetes L-200 para o combate ao trabalho escravo na região – orçado em cerca de R$ 300 mil. Raulino Maracajá Filho também informou que fotos da propriedade foram tiradas e devem ser encaminhadas ao Ibama, "para verificar se existe crime ambiental".
O fazendeiro ganhou dez dias para se pronunciar sobre o TAC, mas o advogado Ronan Souza garante que o compromisso será assinado. "Agora nós vamos ter que organizar lá para cumprir isso. Vam
os passar instruções mais adequadas aos funcionários, para evitar esse tipo de comportamento".