Uma operação conjunta envolvendo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) libertou 16 trabalhadores em condições análogas às de escravos. O resgate aconteceu em 12 de outubro, no Rio de Janeiro, em obra sob responsabilidade da Brookfield e Emccamp, construtoras que estão entre as maiores do país. Além de trabalhadores do Rio de Janeiro, entre os libertados estavam migrantes de Minas Gerais e do Maranhão. Todos faziam o reboco de casas do programa federal de moradias populares “Minha Casa Minha Vida”, erguidas pelas empreiteiras.
Tanto a Brookfield quanto a Emccamp estão em posições de destaque no ranking elaborado pela ITC, empresa de consultoria especializada em construção civil. Em 2012, a Brookfield ficou em terceiro lugar na lista, com 4,4 milhões de metros quadrados em área construída, divididos entre 111 obras. Já a Emccamp fechou o ano com 1,1 milhão de metros quadrados divididos em 40 obras, o que a deixou na vigésima colocação. É a segunda denúncia grave recente envolvendo a Brookfield. Em outubro, a empresa foi envolvida em escândalo de corrupção no município de São Paulo, que ficou conhecido como a “máfia do ISS”. Ela chegou a admitir o pagamento de R$ 4,1 milhões em propinas.
Após o resgate, as verbas rescisórias de todos os empregados foram pagas pelas empreiteiras. De acordo com os procuradores Marcelo José Fernandes da Silva e Juliane Monbelli, que acompanharam a operação, o MPT ainda vai propor às construtoras um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) prevendo penalidades e multas caso a exploração se repita, além do pagamento de indenizações por dano moral coletivo.
Procurados pela Repórter Brasil, as empresas confirmaram o pagamento das indenizações, mas procuraram responsabilizar a Construsilva, empresa terceirizada que subcontratou os trabalhadores, pela situação encontrada. Em nota, a Brookfield ressaltou que “cumpre as leis trabalhistas e as diretrizes estabelecidas pelas normas de medicina e segurança do trabalho e que busca promover constantes melhorias no ambiente de suas obras, envolvendo tanto seus colaboradores como seus fornecedores”. A Emccamp, por sua vez, negou que operários resgatados estavam trabalhando para ela, como apontaram MTE e MPT, e declarou que rescindiu com o grupo antes de a fiscalização acontecer, sendo “o contrato de subempreitada paralisado no segundo dia de prestação de serviços, quando da constatação de irregularidades nos documentos trabalhistas obrigatórios”. A reportagem entrou em contato com uma das sócias da Construsilva, mas ela não quis falar sobre o caso.
Terceirização ilegal
Dos 16 resgatados subcontratados pela Construsilva, 13 trabalhavam para a Brookfield e três para a Emccamp quando o flagrante aconteceu. Segundo o MTE e o MPT, apesar da subcontratação, a responsabilidade pela situação é das duas empresas. A terceirização foi considerada ilegal neste caso porque os trabalhadores foram contratados para a mesma atividade-fim das empresas, o que contraria a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Além disso, os auditores fiscais que participaram da operação – Cláudio Secchin, Márcia Albernaz de Miranda e Leonardo Soares Bello – apuraram que todos os equipamentos e meios necessários para o trabalho eram fornecidos pela Brookfield e Emccamp, restando à Construsilva somente a locação da mão de obra, o que também é proibido.
A terceirização ilegal foi utilizada para baratear os custos, mas contribuiu para a degradação em que o grupo foi encontrado. De acordo com a fiscalização, a Brookfield pagava R$ 28 mil por mês à terceirizada Construsilva, para que esta arcasse com os salários e um adicional por produtividade. Levantamento feito pela equipe que participou da ação indica, no entanto, que seriam necessários ao menos R$ 40 mil mensais só para pagar o grupo. Insolvente, a Construsilva atrasou sistematicamente o pagamento dos salários, o que restringiu a locomoção dos trabalhadores e gerou dívidas.
Das 16 vítimas, três eram do Rio de Janeiro e moravam em casas alugadas com suas famílias, e 13 eram migrantes de Minas Gerais e do Maranhão, que viviam em alojamentos. Os que viviam em casas tiveram a liberdade de locomoção restringida por meio da restrição de documentos. Eles entregaram a carteira de trabalho em 30 de julho, quando começaram a trabalhar na obra, e só obtiveram o documento de volta quase três meses depois, em 18 de outubro, após a fiscalização ocorrer. De acordo com a legislação trabalhista, depois de receber a carteira de trabalho para fazer anotações, o empregador tem 48 horas para devolver o documento.
Nos dois alojamentos onde os demais 13 trabalhadores ficavam, as condições eram de degradação humana segundo a fiscalização. Em um deles não havia nenhum móvel ou eletrodoméstico, nem portas ou janelas. Os colchões ficavam diretamente no chão. Já os móveis e eletrodomésticos da segunda casa estavam todos em mau estado de conservação ou quebrados. O fogão e as duas geladeiras não funcionavam. Uma delas tinha um de seus compartimentos cheio de água suja com larvas de mosquitos dentro. O armário do quarto tinha as portas empenadas, que não fechavam. Dois dos seis trabalhadores abrigados no local tinham que dormir em colchão no chão, porque não havia camas para todos.
Transporte e alimentação
Para trabalhar na obra, quatro dos migrantes viajaram juntos do Maranhão ao Rio de Janeiro em um ônibus em condições precárias, que quebrou oito vezes no trajeto e pegou fogo em uma delas. Além de não pagar pelas viagens, conforme determina a legislação, as empresas também não declararam ao governo o transporte de nenhum dos trabalhadores, contrariando a Instrução Normativa 90/2011 do MTE.
No dia a dia, sem equipamentos de proteção individual adequados para o trabalho, o grupo teve contato direto com produtos químicos que fazem mal a saúde. Um dos resgatados sofreu com uma alergia por encostar no cimento utilizado para o reboco.
Sem dinheiro por conta dos atrasos, eles dependiam da empresa para sobreviver. Só o almoço era fornecido e o grupo tinha que comer no canteiro de obras. As vítimas trabalhavam aos sábados para não pagar pela comida. A fiscalização registrou carga horária de mais de 44 horas semanais, o que configurou a submissão a jornadas exaustivas, mais um dos elementos que caracterizam escravidão contemporânea, conforme o artigo 149 do Código Penal.
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