O Ministério Público Federal em São Mateus (ES) propôs ação civil pública contra a Fibria S/A (antiga Aracruz Celulose), o Estado do Espírito Santo e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para que sejam anulados os títulos de domínio de terras devolutas concedidas pelo governo à Aracruz Celulose, uma vez que o processo ocorreu de forma fraudulenta.
Além da devolução ao patrimônio público das terras obtidas por grilagem, o MPF/ES quer que, uma vez demonstrada a ocupação tradicional quilombola sobre essas terras, seja feita a titulação em favor das comunidades de São Mateus e Conceição da Barra. Por conta da privação do direito de ocupação dessas terras por quilombolas, o MPF/ES pede a condenação da Fibria a reparar os danos morais coletivos dessas comunidades no valor de R$ 1 milhão.
Liminarmente, a ação busca também a suspensão, no prazo de 30 dias, de qualquer tipo de financiamento bancário do BNDES à Fibria destinado à aplicação no plantio de eucalipto e na produção de celulose em Conceição da Barra e São Mateus. Ainda pede que os cartórios de registros de imóveis da região tornem indisponíveis as propriedades que fizeram parte da negociação fraudulenta.
Investigação – A fraude foi descoberta pela Comissão Parlamentar de Inquérito – “CPI da Aracruz”, criada em 2002 pela Assembleia Legislativa do Espirito Santo (Ales). A CPI constatou um acordo entre a Aracruz Celulose e vários funcionários para que estes requeressem a legitimação da posse de terras públicas estaduais, nos anos 70, a fim de transferi-las à empresa. Eles foram usados como “laranjas”, ao prestarem declaração falsa de que preenchiam os requisitos necessários estabelecidos na Lei Delegada nº 16/67: qualificavam-se falsamente como agricultores, indicavam a área de terra e manifestavam a intenção de desenvolver atividades agrícolas na propriedade.
Após obterem a titulação das propriedades rurais, os funcionários da empresa transferiram imediatamente à Aracruz Celulose o título da propriedade. Na maioria dos casos, o período em que permaneciam no patrimônio jurídico do funcionário da empresa não excedia nem mesmo uma semana.
Para o MPF/ES, está claro que a Aracruz Celulose fraudou a lei vigente à época. Por essa razão, os títulos conferidos aos funcionários da empresa e, posteriormente, transferidos à Aracruz são nulos de pleno direito. A Procuradoria ressalta, ainda, que não há o que se falar em prescrição, pois se tratam de “atos nulos de transferência de domínio de terras públicas praticados de má-fé por particulares, não podendo ser convalidados pelo decurso do tempo”.
Financiamentos – Desde o início das atividades de produção e celulose de eucalipto, o grupo Aracruz recebeu apoio financeiro do BNDES. Tais recursos públicos federais, cujo valor ultrapassa R$ 1 bilhão, foram e continuam sendo destinados ao fomento de atividade em terra pública que, não fosse a titulação fraudulenta operada, seria destinada à concretização de direitos fundamentais dos quilombolas. Por isso, o MPF/ES entende que, caso mantenha o apoio financeiro a essas atividades, o BNDES estará, de forma consciente e deliberada, contribuindo com a violação de direitos ambientais culturais e humanos das comunidades quilombolas.
A ação, assinada pela procuradora da República em São Mateus, Walquiria Imamura Picoli, no dia 20 de novembro, pode ser acompanhada pelo site da Justiça Federal pelo número 0000693-61.2013.4.02.5003.
Texto originalmente publicado no site do Ministério Público Federal.