Balanço

Mato Grosso do Sul concentra assassinatos de indígenas

Relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) alerta para a situação dos Guarani Kaiowá, vítimas de mais da metade dos assassinatos em 2009, além de tentativas e ameaças. Violência guarda relação com conflitos fundiários
Por Bianca Pyl
 22/07/2010

Pelo quinto ano consecutivo, o estado do Mato Grosso do Sul concentrou a maioria dos assassinatos de indígenas no país. Dos 60 assassinatos registrados em 2009, 33 ocorreram no Mato Grosso do Sul.

Todas as vítimas são Guarani Kaiowá, como no ano passado. Além disso, todos os 19 casos de suicídio se deram no mesmo estado. Os dados fazem parte do Relatório de Violências Contra Povos Indígenas 2009, lançado este mês pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). 

O estudo destaca o alto índice de suicídio entre os Guarani Kaiowá. "O índice nacional de suicídio é 4.5, ou seja, para cada 100 mil pessoas há 4,5 casos de suicídio. Com 18 suicídios para uma população estimada em 40 mil Guarani Kaiowá, o índice é de 44, quase 10 vezes a média nacional e mais alto do que os mais altos índices nacionais no mundo".

Conflitos fundiários se destacam como causa central para o quadro de violência no Mato Grosso do Sul, avalia a antropóloga Lúcia Helena Rangel, que coordenou a elaboração do relatório. "Às vezes, não há relação direta entre o conflito e o episódio de violência. Mas analisando todas as situações que levantamos em todos os relatórios, vemos que o conflito é a base".

Segundo ela, as mortes de índios Guarani Kaiowá são um problema histórico. "O problema se inicia com a demarcação de oito áreas, lá no tempo do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), da década de 1950 pra cá, em que se pretendeu colocar toda a população dentro dessas áreas para abrir espaço para o desenvolvimento econômico", explica.

A antropóloga, que foi entrevistada para o programa de rádio Vozes da Liberdade, informa que a população Guarani é muito grande, por volta de 45 mil pessoas, e as áreas demarcadas são muito pequenas. "Algumas áreas indígenas estão dentro de fazendas e os índios não conseguem viver do seu modo. Isso gera muitas tensões e conflitos até entre os próprios índios".

De acordo com a coordenadora do estudo, existe uma reação contrária à qualquer trabalho que se vise a demarcação de Terras Indígenas (TIs) no estado – tanto por parte dos fazendeiros quanto por parte do próprio governo estadual. "Nos últimos dez anos, houve um aumento na área do agronegócio. Com a cana e a produção do etanol, há uma fome de produção do etanol que não admite respeitar os direitos dessas unidades sociais. Eles querem que os índios acabem, fiquem confinados. Nós consideramos que o caso do Mato Grosso do Sul é de genocídio", complementa.

As comunidades Guarani Kaiowá também foram as vítimas mais frequentes de tentativas de assassinato. Foram oito casos – mais da metade dos 16 casos contabilizados no Brasil todo. Em seis desses casos, há relação direta com a disputa pela terra ou pelos recursos naturais do local. "Exemplo disto é o caso na Terra Yanomami, onde houve dois confrontos entre indígenas e garimpeiros. Outro caso é o incidente ocorrido na T.I. Estação Pareci, no Mato Grosso, que deixou uma pessoa morta e outra ferida, quando uma família pescava dentro da área em litígio com uma fazenda", ilustra o relatório.

A maioria das ameaças de morte registradas (12 entre 19) também tem relação direta com conflitos . Em vários casos, são os caciques das comunidades que recebem as ameaças. Além disso, há casos de prisões arbitrárias de lideranças indígenas. Os estados mais problemáticos neste ponto são Pernambuco e Bahia, assim como Maranhão e Mato Grosso do Sul.

"As lideranças que estão na frente desta luta pela demarcação são perseguidas e incriminadas como se fossem bandidos. Quando recebem uma ameaça, viram os ameaçadores. Lá no Mato Grosso do Sul, quando uma aldeia é atacada por policiais à paisana, que entram atirando, e os índios se defendem, eles acabam presos e não os agressores", relata a antropóloga. 

Em número de assassinatos, a Bahia aparece em segundo lugar, com sete casos. Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Sul tiveram três casos cada. Dois assassinatos foram anotados no Paraná, em Santa Catarina e no Acre. Um indígena foi assassinado em cada um dos seguiintes estados: Mato Grosso, Rondônia, Roraima, São Paulo e Tocantins. Das vítimas, 52 eram do sexo masculino, sendo 11 jovens com menos de 18 anos. Há suspeitas, de acordo com o relatório, de que 17 assassinatos foram praticados por indígenas, 9 por não-indígenas. Em 34 casos, a autoria é desconhecida.

Território
Em relação à regularização de TIs, foram registrados, em 2009, 34 casos de omissão e morosidade no processo de demarcação de 62 áreas reivindicadas por comunidades. Só em São Paulo, 15 áreas em processo de identificação estão com atrasos na regularização e 13 ainda aguardam alguma providência dos órgãos competentes. O estudo contabilizou atrasos no Acre, em Alagoas, na Bahia, no Ceará, no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais, no Pará, no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

O processo de demarcação é lento e tem várias etapas. Nem a homologação, teoricamente o passo final, garante a posse da terra. A TI Dourados, no Mato Grosso do Sul, foi homologada em março de 2005, mas ocupantes da área recorreram da decisão e conseguiram uma liminar suspendendo os efeitos da homologação. "Desde então, as 700 pessoas da comunidade aguardam a decisão jurídica final, acampadas precariamente em 128 hectares de terra, sem condições dignas de sobrevivência", exemplifica o relatório.

Em 2009, ocorreram 43 casos de invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais em Terras Indígenas. O documento aponta que os responsáveis pelas invasões foram grileiros, agricultores e pecuaristas. E nos casos de exploração ilegal, madeireiros.

Andamento dos processo de regularização (de 1990 a 2009)*  989
 Terras sem providências  324
 Registradas  354
 Homologadas  44
 Declaradas  61
 Identificadas  22
 A identificar 146
 Reservadas  36
 Com restrição  02

*Fonte: Cimi

Saúde

Mais de 23 mil pessoas foram vítimas de desassistência na área da saúde, em 39 casos registrados, segundo balanço do Cimi. Só em Rondônia, foram 16 casos. "Os casos registrados denunciam remédios vencidos, infraestrutura precária e imperícia médica, além de falta de transporte para remoção hospitalar, atendimento e medicamentos". Ao todo, 41 indígenas morreram em consequência da falta de atendimento adequado.

Segundo Lúcia, há problemas estruturais em quase todo o país. Faltam profissionais, equipamentos, remédios e até transporte para doentes. "Existem situações mais complicadas de grande ameaça de epidemia, como no Vale do Javari (AM). Há grupos isolados, grupos de pouco contato. Há possibilidade de uma epidemias de malária, tuberculose. Há um descaso por parte do governo federal e dos funcionários da área de saúde".

Confira o documento na íntegra aqui

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