Localizada no Sudeste do Pará, uma das regiões que apresentam os maiores índices de ocorrência de trabalho escravo no país, Marabá (PA) recebeu semana passada um seminário sobre o tema que reuniu representantes do poder público e da sociedade civil. Durante o evento, os participantes defenderam o aperfeiçoamento das ações de repressão ao crime e o incentivo a adoção de novos esforços e iniciativas voltadas tanto à prevenção da escravidão contemporânea como à reinserção das vítimas libertadas.
Uma das propostas surgidas durante o encontro foi a constituição e aperfeiçoamento de um banco de dados pessoais de todos os libertados (com informações como nome completo, endereço, números de documentos e nome da mãe, além do registro de indicações relativas a parentes) com o objetivo de facilitar a localização das vítimas e a inclusão das mesmas em programas sociais que possam evitar a reprodução do ciclo de escravidão.
"Desassistidos, trabalhadores que já foram vítimas de trabalho escravo acabam se sujeitando novamente a empreitadas de risco", coloca o procurador Tiago Rabelo, do Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA). Juntamente com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), o MPF/PA organizou o seminário "Efetividade da Tutela Preventiva e Representativa no Enfrentamento ao Trabalho Escravo Contemporâneo", ocorrido no município de Marabá (PA), em 16 e 17 de novembro.
O acesso ao banco de dados, especifica a Carta de Marabá, seria restrito às entidades parceiras que atuam no combate ao trabalho escravo contemporâneo e contaria com a colaboração do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e de entidades que mantém contato direto com famílias e comunidades, como a CPT.
Os dados ajudariam inclusive a encontrar as vítimas para fins de oitiva no âmbito do Judiciário, no bojo de ações cíveis, trabalhistas e penais em curso. Para viabilizar a iniciativa, a Carta de Marabá sugere ainda que os resgatados sejam encaminhados aos serviços de atendimento ao cidadão para que os respectivos documentos pessoais das vítimas de trabalho escravo sejam providenciados. Hoje, o principal cadastro com dados dos libertados é o do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, mantido pelo MTE.
No campo da prevenção, os participantes recomendaram esforços no sentido de elevar o conhecimento dos direitos trabalhistas, bem como "apoiar formas de organização dos trabalhadores com vistas a estimular o seu protagonismo para a conquista dos seus direitos e de sua plena cidadania".
A Carta de Marabá cita a necessidade de garantir financiamento público para atividades de prevenção ao trabalho escravo. Para os proponentes, é preciso também "mobilizar a sociedade civil para cobrar a implementação das políticas públicas de prevenção e repressão ao trabalho escravo, sobretudo as que incidem nas causas estruturais do problema".
Para aperfeiçoar as ações de combate e repressão, o documento pede uma atuação institucional mais articulada (inclusive com maior integração de órgãos ambientais), o incremento de multas, a prisão dos responsáveis, o acompanhamento de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e o envolvimento mais decisivo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), seja para a desapropriação de áreas flagradas como para verificar a cadeia dominial das fazendas da "lista suja".
Medidas complementares como a normatização da própria "lista suja", o julgamento de casos na esfera federal, a imprescritibilidade do crime, o envolvimento das cadeias produtivas e a priorização do trâmite processual de ações criminais relativas ao trabalho escravo também constam das sugestões.
O documento-síntese contribui, segundo o procurador federal Tiago, para "sensibilizar e mobilizar" os órgãos responsáveis e a sociedade civil no que se refere ao problema, além de incentivar ações práticas e úteis no combate ao crime. "A Carta foi importante para o reconhecimento de deficiências e para o debate sobre uma integração mais efetiva entre os órgãos".
Confira a íntegra da Carta de Marabá