Semana Especial 3

"Estreantes" pregam empenho por PEC do Trabalho Escravo

Reunião da Frente Parlamentar e da Frente Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, no Senado Federal, reuniu atores políticos e administrativos em início de jornada que exercem função estratégica no combate ao crime
Por Maurício Hashizume
 07/02/2011

Brasília (DF) – Tema de embates desde o Brasil Colônia, o combate à exploração de pessoas em condições de escravidão atraiu, na última quinta-feira (3), atores do campo político e administrativo que estão fazendo suas "estreias" em cargos chaves para o combate ao crime.

Além da nova ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), Maria do Rosário, e da recém-empossada titular da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vera Albuquerque, vários congressistas em início de mandato marcaram presença na reunião conjunta da Frente Parlamentar Mista e da Frente Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.

Reunião no Senado atraiu parlamentares e representantes da sociedade civil (Foto:MH)

Em sua participação no encontro, a ministra Maria do Rosário prometeu apoio e engajamento imediato para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 – que prevê o confisco de terras onde houver comprovada exploração de mão de obra escrava. Apresentada originalmente há 16 anos (1995), a matéria foi apensada à proposta do então senador Ademir Andrade (PSB-PA) para que pudesse ser aprovada no Senado. Enviada à Câmara, foi votada em primeiro turno no plenário da Casa em agosto de 2004. Desde então, a PEC 438/2001 permanece parada à espera de apreciação.

De acordo com a ministra da SEDH/PR, a aprovação da chamada "PEC do Trabalho Escravo" deve ser entendida como "aspecto fundamental", "passo importante" e "símbolo" do enfrentamento à escravidão contemporânea. Na prática, a proposta altera o Art. 243 da Constituição Federal, que trata da expropriação de terras em que houver cultivo ilegal de plantas psicotrópicas, estendendo o mesmo tipo de penalidade para casos de escravidão.

"Existe um consenso de que a droga é destrói lares, famílias, vidas. O trabalho escravo também destrói", pregou a ministra. Para ela, as operações promovidas pelo grupo móvel de fiscalização e pelas Superintendências Regionais de Trabalho e Emprego (SRTEs) nos Estados não libertam apenas os trabalhadores explorados em fazendas, mas "o Brasil como um todo".

Na visão de Maria do Rosário, o setor do agronegócio, que apresenta uma série de indicadores positivos para a economia, também deve ter interesse na "agenda contemporânea" do combate ao trabalho escravo. "O PIB [Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas econômicas geradas no país] não pode ter ligação com a exploração de mão de obra escrava". 

Assim como as drogas, trabalho escravo também destrói, declara a ministra Maria do Rosário (MH)

A resistência da bancada ruralista à PEC do Trabalho Escravo não minimiza a crença da ministra na possibilidade de envolvimento dos produtores primários da agropecuária. "Não há quem seja a favor [da escravidão]", emendou. Representante ruralista, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que atuou como jornalista do Grupo RBS por mais de 30 anos e mantinha programa de TV no Canal Rural, esteve na reunião para ouvir as palavras da ministra.

O cruzamento das ações de combate ao trabalho escravo com a priorização do combate à miséria, propalada pela presidente Dilma Rousseff, foi enfatizado pela comandante da SEDH/PR, bem como as metas definidas no II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, de 2008, e no III Plano Nacional de Direitos Humanos, de 2010. A conexão do problema com as questões de gênero, de tráfico de pessoas, de migrações, de exploração sexual e do trabalho infantil também foram ressaltadas. "O trabalho escravo não se inicia apenas quando se completa 18 anos de idade", comentou Maria do Rosário, que advertiu para o drama da exploração perpetuada de pais para filhos.

A ministra ainda convocou uma ação conjunta dos órgãos estatais com a sociedade civil contra a impunidade. A disparidade entre o número de libertações e o número residual de condenações foi trazida novamente à tona. Ainda que o Legislativo aprove a PEC do Trabalho Escravo e o Executivo atue com políticas, o Judiciário, segundo a chefe da pasta, precisa fazer a sua parte. "Quem pratica esse tipo de crime já deveria ter sido punido", declarou. O crime de trabalho escravo está previsto no Código Penal (Art. 149).

O Brasil assumiu o compromisso de enfrentamento e da superação do trabalho escravo e não aceitará qualquer forma de "esmaecimento" ou "naturalização" diante da desumanidade imposta às vítimas, pontuou Maria do Rosário. Mas apesar dos avanços, é preciso reconhecer que o trabalho escravo ainda existe e continua sendo explorado em diversas regiões e distintos setores. "E, se [a escravidão] existe, ainda temos muito a fazer para que não exista mais".

Nova Secretária de Inspeção do Trabalho, Vera
Albuquerque reitera prioridade às ações (MH)

À frente da SIT/MTE, Vera Albuquerque afirmou na reunião no Senado que o combate ao trabalho escravo continuará sendo uma meta prioritária da fiscalização trabalhista. "Podemos ser orgulhosos. Aqui no Brasil, nós temos coragem de assumir a existência do problema e agimos para combatê-lo", realçou a substituta de Ruth Vilela, que permaneceu oito anos no cargo.

Além das ações repressivas, a secretária citou experiências nas áreas de prevenção e de reinserção de libertados como formas de romper o ciclo vicioso. Ela disse estar confiante na disposição dos membros do Parlamento em aprovar a PEC ainda este ano, para que 2011 fique para a história como "ano da libertação
dos escravos contemporâneos".

Adesões
Ficou deliberado que a Frente Parlamentar atuará para marcar reuniões com a presidente da República, Dilma Rousseff, e com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Novos integrantes do Congresso aproveitaram a ocasião neste início de legislatura para assinar sua filiação ao grupo. Um deles foi o senador e ex-procurador federal Pedro Taques (PDT-MT), para quem a aprovação da PEC 438/2001 é "absolutamente necessária".

O senador adverte, porém, que a mudança na legislação, mesmo que concluída, ainda ficará sujeita à interpretação do Judiciário. Como parte do Ministério Público Federal do Mato Grosso (MPF/MT), ele anunciou ter apresentado mais de 100 denúncias contra empregadores que exploraram mão de obra escrava, sem que houvesse uma única efetiva condenação. Ele criticou ainda a morosidade do sistema: em média, um processo judicial no Brasil demora 12 anos para ser concluído; no Chile, são apenas oito meses.

Lentidão e postura do Poder Judiciário foram alvos
de críticas do senador Pedro Taques, do MT (MH) 

"O Código Penal tem que sair da senzala e ir para a casa grande", alfinetou o senador. Diante desse tratamento desigual oferecido pela Justiça, Pedro vê a formação de dois grupos genéricos: o dos imunizados, formados pelas classes dominantes, nas quais estão incluídos inclusive políticos envolvidos em casos de escravidão; e o dos invisíveis, que estão na base vulnerável da pirâmide social e ficam à mercê de riscos como o aliciamento. Para tentar superar essa lógica, ele propõe um diálogo entre Legislativo e Judiciário, especialmente com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Outro que aderiu à Frente Parlamentar foi o senador Wellington Dias (PT-PI), que foi governador do Estado do Piauí de 2003 a 2010. De acordo com ele, a análise de dados sobre os pontos de ocorrência do crime e os locais de origem das vítimas aponta uma relação estreita entre trabalho escravo e analfabetismo. Por isso, a consolidação de instâncias como as Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) precisam vir acompanhadas de investimentos complementares na Educação de Jovens e Adultos (EJA), no ensino profissionalizante e no empreendedorismo para geração de emprego e renda.

Os dois representantes do PSol no Senado também se somaram à iniciativa. Marinor Brito (PSol-PA), chamou atenção para os impactos sociais e ambientais da migração de trabalhadores atraídos por grandes obras na Amazônia, como a da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no Pará. Já Randolph Rodrigues (PSol-AP) – que concorreu à presidência da Casa, mas foi derrotado por José Sarney (PMDB-AP) – clamou por ações estruturais imediatas para impedir a reprodução permanente da "vergonha" do trabalho escravo no Brasil.

Também "estreante", a senadora Ana Rita (PT-ES) assumiu compromisso não só de fazer parte e apoiar a Frente Parlamentar, como também de trabalhar para garantir orçamento – na elaboração do Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) – às políticas públicas relacionadas com o tema. Ana assumiu como suplente do ex-senador Renato Casagrande (PSB), que renunciou para assumir a posição de governador do Espírito Santo, e se comprometeu a intervir, nas instâncias possíveis, pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo.

Trâmite da Lei Áurea de 1888 no Congresso foi de
apenas dez dias, observa Cristovam Buarque (MH)

"É inacreditável que, depois de tantos anos, essa PEC ainda não tenha sido aprovada", salientou o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), vice-presidente da Frente Parlamentar que esteve na direção da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado antes da transição de legislaturas. Cristovam distribuiu uma publicação aos participantes na qual recorda que a Lei Áurea tramitou no Parlamento, no ano de 1888, em apenas dez dias.

Segundo ele, o conteúdo da PEC 438/2001 é até moderado. O empregador flagrado explorando mão de obra escrava deveria, na avaliação de Cristovam, ser completamente banido e impedido para sempre de possuir terras.

CPI
Entre palavras de ordem e diversas manifestações de repúdio à escravidão, o deputado federal Cláudio Puty (PT-PA), eleito para seu primeiro mandato, lançou a proposição, ainda em gestação, de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo.

Ex-chefe da Casa Civil do governo (2005-2010) de Ana Júlia Carepa (PT) no Pará, Cláudio admitiu que houve "dificuldades de integração entre instâncias decisórias" para o desenvolvimento de atividades de enfrentamento ao crime em nível estadual. Determinado a atuar na seara da questão agrária e do combate ao trabalho escravo, ele revelou que já compartilhou a ideia de criar a CPI com o líder do partido na Câmara, Paulo Teixeira (PT-SP), e deve, assim que possível, sair em busca de assinaturas de apoio.

Para continuar sendo modelo, Brasil precisa aprovar PEC 438/2001, aponta Luiz Machado (MH)

Agregaram-se também à Frente Nacional outros três parlamentares "estreantes" da bancada do PT, a maior da Câmara dos Deputados. Ex-deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Alessandro Molón (PT-RJ) participou de toda a reunião, lamentou os casos de escravidão em território fluminense e reiterou a importância das audiências com a presidente Dilma e com Marco Maia (PT-RS) neste início de novo mandato. Erika Kokay (PT-DF), por sua vez, julgou fundamental que sejam feitas análises detalhadas e cobranças no que diz respeito às metas do II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Auditor fiscal de carreira da Receita Federal, Amauri Teixeira (PT-BA) pediu empenho máximo do Executivo
na eliminação do trabalho escravo no país que "tem histórico de negar, e não garantir direitos". Em seu terceiro mandato, o "experiente" Domingos Dutra (PT-MA) adotou linha similar e convocou o Executivo a jogar todo o peso para aprovar a PEC 438/2001.

As apresentações de participantes da Frente Nacional, composta por entidades públicas e organizações civis, pintaram um panorama geral no qual o crime está inserido. Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil, expôs contornos da escravidão contemporânea no Brasil, com ênfase nas interfaces do trabalho escravo com o desmatamento ilegal (em regiões de fronteira agropecuária), com a pobreza e exclusão (sem acesso a políticas públicas sociais de educação e saúde) e com a economia (investigações de cadeias produtivas).

Congresso deve dar oportunidade para fim da escravidão, diz Luís Antônio Camargo (MH)

Já Luiz Machado, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), salientou conquistas, como o estabelecimento da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), a publicação da "lista suja" do trabalho escravo e a formação do Pacto Nacional com companhias privadas. Números como os quase 40 mil resgatados de 1995 a 2010 não são encontrados em outros países, continuou Luiz. Para continuar cada vez mais como modelo para o mundo, o Brasil precisa, segundo ele, aprovar a "PEC do Trabalho Escravo", conforme recomendou oficialmente a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para as Formas Contemporâneas de Escravidão, Gulnara Shahinian.

A aprovação da PEC 438/2001, completou o subprocurador-geral do trabalho Luís Antônio Camargo, é uma tarefa democrática do Parlamento. "Queremos que o Congresso dê a oportunidade para a sociedade erradicar o trabalho escravo", colocou. A despeito dos esforços, adicionou subprocurador, falta estrutura para atender as várias denúncias que pipocam pelo país.

O pronunciamento da presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosângela Rassy, foi justamente no sentido de propagar as ameaças sobre a categoria e de exigir o fortalecimento do corpo de funcionários dedicados ao ofício. Pouco mais de 3 mil funcionários do MTE têm a responsabilidade de inspecionar a totalidade dos empreendimentos do país. No dia 17 de janeiro, a atividade completou 120 anos.

Há exatos 500 anos (em 1511), o frei dominicano Antônio de Montesinos contestava, diante da realidade encontrada no continente americano, a forma como os colonizadores subjugavam os povos nativos. O padrão de crueldade que estimulou aquele grito não foi superado até hoje, concluiu Xavier Plassat (CPT), que também é frei dominicano e coordena a Campanha Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contra o Trabalho Escravo. A propriedade, emendou, não pode valer mais do que a dignidade. "Se o instrumento do crime foi a terra, essa mesma terra tem que ser confiscada".

Ex-senador José Nery defende conversão da "lista suja" do trabalho escravo do MTE em lei (MH)

Aclamado como presidente de honra da Frente Parlamentar, José Nery (PSol-PA), que deixa a cadeira de senador que ocupou nos últimos quatro anos e retorna para Abaetetuba (PA), foi homenageado durante a sessão. Emocionado, José Ney exaltou o esforço conjunto de representantes do poder público e da sociedade civil e elegeu alguns desafios para o grupo.

Um deles é fazer com que a Portaria 540/2004 do MTE, que instituiu a "lista suja" do trabalho escravo, seja convertida em lei. Também recomendou a convocação de congressistas para atos em prol da aprovação da "PEC do Trabalho Escravo" em todos os Estados da nação, a fim de que o eleitorado conheça as posições daqueles que o representam no Congresso acerca da questão. O Atlas Político Jurídico-Político do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão, elaborado pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) de Açailândia (MA) foi mencionado pelo político como prova das injustiças e da impunidade ligadas à questão.

A organização de uma conferência internacional para a erradicação de todas as formas contemporâneas de trabalho forçado, impulsionada pelo sistema ONU, seria outro meio para dar mais consistência à articulação entre os países contra esses tipos de violações que alcançam escala global.

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