Desembargadores do Tribunal do Trabalho da 24ª região (TRT-24) determinaram que a remuneração pelo tempo de deslocamento dos funcionários das usinas sucroalcooleiras no Mato Grosso do Sul seja prefixada em 20 minutos por dia. Estimativa feita pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Estado calcula que o trajeto de ida e volta dos trabalhadores do setor leva em média 2h45min diários.
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A Federação dos Trabalhadores Rurais do Mato Gross do Sul (Fetagri/MS), que representa na Justiça os sindicatos de trabalhadores da região em mais de dez dissídios coletivos, reivindica a remuneração do tempo total de deslocamento (horas in itinere) e já entrou com recurso pedindo a reforma da decisão no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo a Fetagri/MS, o trajeto dos funcionários de casa até a usina e da usina para casa leva de 40 a 240 minutos por dia.
Canavial com usina sucroalcooleira em atividade ao fundo, no Mato Grosso do Sul (foto: Verena Glass) |
As usinas alegam que a dificuldade em se medir o tempo de deslocamento até o local de trabalho é justamente o que impede o pagamento integral. Na decisão, tomada no começo de agosto (2), o TRT-24 acolheu esse argumento e justificou que, não tendo uma forma objetiva de computar o deslocamento, seria “razoável”, portanto, fixar previamente as horas in itinere em 20 minutos por dia para preservar o direito dos trabalhadores.
Tanto as usinas quanto o TRT-24 não levam em conta que há, desde julho deste ano, uma determinação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) obrigando o cálculo do tempo de deslocamento por meio de um Registrador Eletrônico de Ponto (REP) — uma espécie de catraca acoplada a um computador nos veículos de transporte das empresas, que contabiliza o tempo de viagem dos funcionários.
“Embora tenham usado o critério da razoabilidade, a decisão foi completamente desarrazoada”, comenta para a Repórter Brasil o professor Marcus Orione, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ele classifica como “completamente sem sentido” a decisão do TRT-24 e, ciente do caso, diz ainda que “determinar somente 20 minutos é um delírio do Tribunal”. “Em qualquer meio rural, a gente sabe que deve haver critérios objetivos. Me parece que o melhor seria utilizar o próprio critério da determinação do MTE”, completa.
Os desembargadores do trabalho também argumentaram que a fixação da remuneração em apenas 20 minutos por dia foi viável porque os trabalhadores não fizeram uma contraproposta aos usineiros na fase de conciliação do processo. Segundo os magistrados, a Fetagri/MS não enviou representantes a três audiências de conciliação. “Não havendo acordo, o Tribunal julgou os dissídios”, disse à reportagem Francisco das Chagas Lima Filho, desembargador do TRT-24 e relator do processo.
A representação dos trabalhadores, por sua vez, baseou-se na lei 10.243 de 2001 e no 2º parágrafo do artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para insistir na remuneração integral do tempo in itinere e romper a negociação. “Não fomos a nenhuma reunião para mostrar que não era nosso interesse negociar porque não estamos de acordo”, explica Marisa Lima, advogada da Federação.
Remuneração será quase dez vezes menor
Com a determinação do TRT-24, os empregados do setor sucroalcooleiro devem receber o pagamento correspondente ao total de 20 minutos trabalhados, mais um acréscimo de 50%.
No salário de alguém que trabalha oito horas diárias e recebe R$ 800,00 por mês deve haver, a partir de agora, um valor adicional em torno de R$ 45 pelos 20 minutos de deslocamento. Se a remuneração fosse pelo tempo integral, tomando por base o cálculo do MPT de um trajeto de em média 2h45min, o mesmo trabalhador teria direito a um acréscimo de R$ 422,18 mensais.
No cálculo feito pela Procuradoria do Trabalho da 24ª região (PRT-24), os mais de 25 mil empregados do setor sucroalcooleiro da região deixam de receber mais R$ 350 milhões anuais devido ao não-pagamento das horas de percurso.
Campo de colheita de cana-de-açúcar para a produção de álcool (foto: Verena Glass) |
Até esta decisão da Justiça, os usineiros do Mato Grosso do Sul costumavam trocar o pagamento do tempo in itinere por outros benefícios. Mesmo assim, de acordo com a PRT-24, a permuta quase nunca corresponde à quantia que os trabalhadores deveriam receber.
Em vídeo (abaixo) gravado durante uma assembleia de trabalhadores do setor sucroalcooleiro, o procurador do trabalho Paulo Douglas Almeida de Morais demonstra a discrepância entre esses valores. “Na jornada in itinere, você recebe o seu salário-hora, mais 50%. Tem incidência de férias, 13º, fundo de garantia e descanso semanal remunerado”, explica.
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