As fiscalizações de combate ao trabalho escravo urbano e rural no Estado de São Paulo já estão sendo acompanhadas presencialmente pelo Poder Judiciário, por meio de vara itinerante. Aplicada desde o início de agosto, a medida é resultado do ato do Gabinete do Presidente nº 09/2012 do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), que define e dá prioridade às ações institucionais da Justiça do Trabalho paulista para erradicar a escravidão contemporânea.
“A partir de reuniões que fizemos com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU), surgiu a idéia de criar essa justiça itinerante de combate ao trabalho escravo”, coloca Ivani Contini Bramante, desembargadora do TRT-2.
Segundo ela, que também coordena o Comitê para Monitoramento e Resolução de Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o objetivo é organizar “uma atuação conjunta, quase completa” que combata a escravidão desde o aliciamento até a reinserção das vítimas.
Reunião da Coetrae-SP discute situação de bolivianos em escravidão contemporâna; já foram 44 libertados, este ano, em São Paulo (foto: Secr. de Justiça / Flickr) |
De acordo com Sueko Uski, auditora-fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), a presença de magistrados nas fiscalizações vai facilitar o procedimento de autuação e ajudar nos julgamentos dos responsáveis. “É uma forma bem rápida para acionar a Justiça, no caso de bloqueio de bens dos empregadores, quando precisamos, e para pagar as verbas rescisórias aos trabalhadores”.
Além disso, a participação de juízes nas fiscalizações deve agilizar a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com empregadores irregulares. Para Carolina Mercante, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região (PRT-2), a situação trabalhista de algum empregador, quando há infrações, pode se regularizar mais rapidamente com a presença do Judiciário. “O fato de ter um juiz de plantão disponível acelera os procedimentos que devem ser feitos por outros órgãos”.
Na visão da procuradora Carolina, a participação do Judiciário em fiscalizações é interessante para que os juízes possam ter oportunidade de "sentir de perto" a realidade e os problemas sociais. Para ela, é crucial, contudo, que não haja desencontros acerca das atribuições de cada órgão participante.
Sueko lembra que há uma reunião prévia antes de cada ação. “Na verdade, os participantes das fiscalizações têm o objetivo comum de combater o trabalho escravo. Se tudo seguir assim, acreditamos que a presença da Justiça itinerante será de grande importância para o nosso trabalho”.
Início
A primeira fiscalização com a presença dos magistrados do TRT-2 aconteceu na quarta-feira (8) da semana passada, em duas oficinas têxteis no bairro da Vila Maria, zona norte da capital paulista. “Foi uma vistoria pequena, em que havia algumas irregularidades trabalhistas mas não foi encontrado trabalho análogo ao de escravo”, explica a auditora Sueko, que coordenou a inspeção.
Em uma das manufaturas, o prédio foi interditado pela condição precária do ambiente de trabalho, que tinha dormitórios próximos às máquinas de costura e uma série de problemas de infra-estrutura, como fios elétricos expostos. “Por isso, lacramos as máquinas até que a empresa regularize a situação”, adiciona Sueko. Na outra, a fiscalização encontrou funcionários trabalhando sem carteira assinada e determinou que a empresa os registrasse.
“Recebemos duas denúncias por parte de trabalhadores bolivianos no site do MPT”, complementa a procuradora do trabalho Carolina. A possibilidade de flagrante da exploração de trabalho infantil motivou a presença de titulares do Conselho Tutelar, além de membros do Ministério Público Estadual (MPE), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), da Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (Sejudc), além do próprio MTE, do MPT e da DPU.
Em nota no site do TRT-2, a juíza do trabalho Patrícia Therezinha de Toledo, que participou da fiscalização, afirma que "foi uma experiência gratificante". "Verificamos que apenas com a ação conjunta conseguiremos alcançar objetivos concretos do combate ao trabalho escravo”, comenta.
Em outras ocasiões, os magistrados – que seguem participando das reuniões da Comissão para Erradicação do Trabalho Escravo em São Paulo (Coetrae-SP), instância que reúne a Sejudc, órgãos estaduais e federais, bem como entidades da sociedade civil – chegaram a acompanhar inspeções como observadores. Agora, as fiscalizações devem contar com a presença de pelo menos um juiz ou juiza do trabalho em regime de plantão.