Numa sala abafada e lotada, adolescentes amontoam-se pelo chão e senhoras de meia-idade tentam refrescar-se com leques, que não dão conta do calor de verão. Diante deles estão quatro crianças negras e pobres, constrangidas por não saberem bem o que fazem ali. “Essas crianças são do Movimento de Meninos de Rua. Vamos fazer aqui uma dinâmica de grupo”, apresenta-as um senhor atrapalhado. O que segue são depoimentos de passados tristes de crianças de rua órfãs, e futuros esperançosos, marcados pelo clássico discurso brasileiro de um dia ser doutor. Salvas de palmas, muita comoção, mas pouco debate.
Essa foi a tônica da oficina “Um futuro sem trabalho infantil”, parte de uma rodada de debates sobre o trabalho apresentada no 3º Fórum Social Mundial. Na discussão, prevaleceu a repetição do senso comum e o apelo emocional, com frases de efeito, em detrimento a discussões em busca de respostas para o tema.
O trabalho infantil se concentra predominantemente em países de terceiro mundo, no setor agrícola, responsável por 70% dos casos. A Ásia representa 60% da mão-de-obra infantil mundial, mas é na África, com 41% das crianças trabalhando, que se apresenta a maior proporção. Esses foram alguns dados expostos por Pedro Américo Oliveira, coordenador brasileiro da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo ele, as razões para essa situação não é apenas a pobreza. Também contribuem, por um lado, questões culturais e uma educação inacessível e, por outro, uma alta demanda por tal serviço, devido a seu baixo custo, a habilidade insubstituível em atividades específicas e a “docilidade” das crianças, que questionam menos a condição de exploradas do que os adultos.
O palestrante reforçou que o emprego infantil representa um ciclo vicioso. Ele toma vagas de adultos que, por sua vez, incapazes de garantir uma renda familiar, acabam incentivando seus filhos a trabalhar. “Uma criança empregada hoje é um adulto desempregado amanhã”, enfatizou. Ele afirmou também haver uma relação direta entre globalização e trabalho infantil.
Segundo Daniel de Bonis, coordenador do programa Empresa Amiga da Criança, o trabalho infantil no Brasil cresceu como parte de sua cultura. Ao longo da história brasileira, por exemplo, filhos de escravos eram presos a trabalhos domésticos. Embora a prática esteja em declínio, com queda de 9,7 em 1992 para 7,7 milhões de crianças em 1998, certos discursos continuam a fazer com que as próprias famílias a legitimem. Entre eles, está a idéia de que o trabalho enobreceria, pois seria melhor trabalhar do que roubar, e de que a criança que labuta aprenderia a lutar pela vida e teria mais condições de vencer profissionalmente quando adulta. “Isso é falso. As estatísticas mostram que os adultos que começaram a trabalhar quando criança têm renda e escolaridade menores. Exemplos de empresários bem sucedidos que começaram desde pequenos são exceções”, argumentou Bonis.
Propostas
O acesso escolar foi apresentado como a principal solução. “A razão para mães levarem as crianças ao trabalho deve-se mais à falta de creches e escolas, e não por motivos econômicos”, afirmou Daniel de Bonis, coordenador do programa Empresa Amiga da Criança.
No entanto, a simples matrícula escolar não garante nada. Cerca de 77% de crianças brasileiras que trabalham também freqüentam a escola. Seu aproveitamento escolar é baixo, resultando em defasagem escolar. As notas baixas e a privação do convívio com pessoas da mesma idade trazem problemas de auto-estima.
Outra grande barreira para o combate ao trabalho infantil é a precariedade da fiscalização e da aplicação de leis. Além da insuficiência de fiscais para cobrir as empresas, o caráter informal e doméstico da exploração infantil impossibilitariam uma coleta confiável de dados. Um dos palestrantes, membro da Central Única dos Trabalhadores (CUT), defendeu fortemente o concurso público para contratação de novos fiscais. Para ele, também seria necessário que mais pessoas se beneficiassem com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), além de se destinarem mais verbas para o programa. O PETI é direcionado para famílias com renda per capita abaixo de meio salário mínimo e com crianças entre sete e 14 anos.
O sindicalista também afirmou ser contra a Jornada Ampliada, programa do PETI que oferece atividades extra-curriculares para crianças. Segundo denúncia de uma das palestrantes, a Jornada Ampliada teria, em alguns municípios, mascarado o trabalho infantil.
Apesar da coerência de certas propostas, alguns palestrantes sustentaram discursos retóricos e outros saíram do eixo temático. Pouco foi o espaço destinado à resposta das questões feitas pelo público. A mesa justificou que o tempo de uso da sala era determinado pela organização do FSM e, portanto, não poderia estender a oficina para debates – uma contradição para a proposta do Fórum Social.
Maurício Horta, colaborou Denise Galvani