Exploração de crianças na mineração põe em debate a relação entre multinacionais e fornecedores
Marques Casara
Repercutiu em diversos países a denúncia de existência trabalho infantil na cadeia produtiva do minério de talco, usado em aplicações que vão da tinta de parede à química fina, passando pelo artesanato e pela fabricação de giz de cera. O caso foi veiculado na edição 9 da revista do Observatório Social, em fevereiro de 2006.
A reportagem mostrou que as multinacionais Basf (Suvinil), Faber-Castell e ICI Paints (Tintas Coral) compravam o produto de empresa que explorava mão-de-obra infantil em jazidas localizadas na cidade histórica de Ouro Preto (MG).
O minério era explorado e processado ilegalmente pelas empresas Minas Talco e Minas Serpentinito, controladas por uma empresa de fachada, a WB Mattos Transportes, que foi criada para esconder a participação de dois alemães clandestinos no país.
Além de trabalho infantil e mineração clandestina, também foi identificada a existência de crimes ambientais e tributários. A íntegra da reportagem e os desdobramentos do caso podem ser acompanhados aqui.
Iceberg
Após o caso vir à tona, Faber Castell e Tintas Coral suspenderam imediatamente a compra do produto. A Basf ficou ao lado da Minas Talco, sua fornecedora. A multinacional defende a tese de que não existe trabalho infantil na região.
Menos de dois meses depois da denúncia, a Faber-Castell desenvolveu uma ação social que atingiu dez escolas da região, para minimizar eventuais danos causados por sua participação na compra do talco. A Coral informou que vai aguardar o posicionamento do Ministério Publico do Trabalho.
Em março, a Câmara Municipal de Ouro Preto promoveu uma audiência pública com o intuito de aprofundar as investigações. "O trabalho infantil é a ponta do problema", explicou o presidente da Câmara, Wanderley Kuruzu (PT/MG). "Empresas de fachada, exploração clandestina, crimes fiscais e ambientais precisam ser investigados".
Durante a audiência pública, diversos depoentes, inclusive pais de crianças exploradas pelas empresas, afirmaram que a reportagem tinha sido forjada. Um locutor da rádio local, em seu programa, disse que tudo não passava de uma farsa e que as fotos tinham sido montadas. A Basf solicitou uma cópia do programa e distribuiu para meios de comunicação e organizações não governamentais em diversos pontos do país.
Diante disso, o Observatório Social colocou à disposição do Ministério Público todas as matrizes das mais de 100 imagens produzidas pelo fotógrafo Sérgio Vignes. O Observatório Social acredita que, em caso de dúvida, as fotos devem ser periciadas.
A sub-delegada regional do Trabalho, Maria Isabel Dacall, declarou que as denúncias de trabalho infantil na região chegaram ao seu conhecimento há pelo menos 10 anos. De acordo com a sub-delegada, desde 1996, vistorias recorrentes foram feitas na região e constataram a existência do problema. "É importante que se crie meios legais de trabalho para que os pais não sintam a necessidade de colocar as crianças para trabalhar", disse.
Punição
A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Adriana Augusta de Moura Souza, afirmou o seguinte na audiência pública: "A realidade é gritante e as crianças não podem continuar sendo expostas desta maneira. Não estamos aqui contra a ninguém, mas isso não pode continuar a acontecer. Vamos investigar e os culpados serão punidos".
Ela instaurou um procedimento investigatório que deverá ser concluído nas próximas semanas. Empresas, pais de crianças e os autores da reportagem prestaram depoimento.
Relatório produzido pelo coordenador de Saúde e Segurança do DNPM, José Carlos do Vale, enviado ao Observatório Social em dezembro de 2005, confirma a existência do trabalho de crianças na cadeia produtiva das mineradoras de talco.
Conforme a promotora Paula Ayres Lima, da 4º Promotoria de Justiça da Comarca de Ouro Preto, as mineradoras não têm a permissão da lavra e, por isso, compram a rocha dos moradores, que são os superficiários das terras: "As empresas, então, exportam o material de forma ilegal. O que sobra, os moradores utilizam no artesanato".
Em abril, a Cooperativa de Aproveitamento dos Resíduos da Pedra Sabão de Mata dos Palmitos (Ouro Preto-MG) divulgou um documento no qual pede providências das autoridades em relação ao trabalho infantil existente na região. A cooperativa é formada por mulheres artesãs que sofrem o impacto da exploração predatória do minério de talco por parte de empresas que operam na clandestinidade, sem autorização do Ministério de Minas e Energia e sem nenhum tipo de controle sobre os danos ambientais.
E agora?
Meios de comunicação da Alemanha e do Reino Unido repercutiram o caso e procuraram as matrizes da empresa para ouvir explicações sobre as denúncias. Na Alemanha, a matriz da Basf também sustenta que não existe trabalho infantil na cadeia produtiva do talco.
Em sua edição de maio de 2006, a revista Exame, publicação de ampla penetração no meio empresarial, fez a seguinte avaliação sobre o caso: "As três empresas (Basf, Faber Castell e ICI) envolvidas com a denúncia em Minas Gerais usavam radares de precisão diferentes para monitorar os riscos relacionados à operação de seus fornecedores. Todos, porém, falharam na ocasião".
O presidente da Tintas Coral, Alaor Gonçalves, fez a seguinte avaliação sobre o problema: "O episódio foi lamentável, mas serviu para expor uma fraqueza. Tivemos a exata noção de que qualquer parceiro, independente do tamanho, pode fazer um estrago grande à nossa marca".
A Basf, dona da marca Suvinil, afirma que seu processo de seleção de fornecedores é adequado e que não fará nenhuma mudança. A postura da multinacional foi duramente criticada pela Rede de Trabalhadores na Basf América do Sul, que divulgou uma nota pública criticando a empresa:
"Discordamos dos argumentos utilizados pela empresa de que não havia provas suficientes, e avaliamos que a BASF perdeu uma boa oportunidade para mostrar que suas normas de conduta e de Responsabilidade Social são muito mais do que meras letras no papel, tal qual fizeram as demais empresas envolvidas no caso".