Transação irregular envolve 9 milhões de hectares no município
paraense de São Felix
Um megalatifúndio de nove milhões de hectares em São Félix do Xingu –
maior que o tamanho do próprio município – foi todo fatiado e vendido
a centenas de fazendeiros por procuradores do suposto dono das
terras, Jovelino Nunes Batista. Apurando o caso, a Corregedoria-
geral das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça (TJE) descobriu
a maior fraude fundiária do país.
A multiplicação no cartório extrajudicial do único ofício de São
Félix da mesma matrícula da área já suspeita de fraude fez com que o
tamanho da suposta propriedade pulasse de 3,8 milhões para nove
milhões de hectares. Tudo foi registrado, assinado e carimbado no
cartório. Dentro das áreas estão18 aldeias onde vivem mais de seis
mil índios da tribo kaiapó.
Em 1999, um golpe semelhante foi aplicado em Nova York e São Paulo em
nome do tal Jovelino Nunes Batista, que seria o dono das maiores e
mais produtivas terras do planeta. Investigação feita em cartórios
de registro de nascimento e óbitos do Pará revelou que Batista nunca
existiu.
Assustada com a ousadia dos grileiros e a desfaçatez do cartório, a
corregedora-geral das comarcas do interior em exercício,
desembargadora Maria Helena Ferreira, decretou ontem a intervenção no
cartório, afastou do cargo a tabeliã Maria do Socorro Souza, abriu
inquérito administrativo para apurar a responsabilidade dela no caso,
nomeando um interventor, Adhemar Torres, que atuava no cartório de
Xinguara.
'O cartório transformou o sr. Jovelino Batista certamente no maior
proprietário de terras do planeta, se é que tal pessoa efetivamente
existe, pois nos atos de transmissão praticados ele aparece sempre
representado por procurador', afirma a desembargadora Maria Helena em
sua decisão. O que contém os autos do processo, segundo ela, é um
retrato de como um cartório pode, 'com atos fraudulentos, apropriar
em nome de particulares milhares de hectares de terras públicas'.
Clonagem
Por fatos criminosos dessa natureza, salienta a corregedora, é que a
titular da corregedoria, desembargadora Osmarina Nery, editou o
Provimento 013/2006, de 21 de junho passado, bloqueando de maneira
geral todas as áreas rurais registradas acima dos limites
constitucionais numa tentativa de por ordem na grave questão
fundiária do Estado.
Quem descobriu a fraude, durante correição no cartório, foi o juiz-
corregedor, José Torquato de Araújo Alencar. 'A matrícula 971, com
uma área absurda de 3.882.980 hectares, com indícios de evidente
fraude no seu título originário, foi criminosamente duplicada na
matrícula 1.498, com mais 3.882.980 hectares, e desta matrícula
fraudulenta, como por encanto e a título de 'áreas remanescentes',
ainda foram abertas outras duas matrículas, as 1.708 e 1.709, com
887.709 e 335.775 hectares', conta Araújo Alencar.
O diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará
(Iterpa), procurador Carlos Lamarão, informou que o poder de
imaginação dos grileiros em criar novas artimanhas para se apossarem
de terras públicas parece não ter limites. 'Eles agora estão
clonando a própria fraude que já vinham praticando em cartórios',
disse Lamarão. Segundo ele, quantas vezes os grileiros
restabelecerem as fraudes contra o Estado, tantas vezes elas serão
novamente canceladas. 'Desde 98 abrimos um processo judicial para
cancelar a matrícula original dessas terras que nunca foram
privadas', completou o procurador.