Entre patriotas ufanistas e neoliberais ortodoxos, ganhou corpo a discussão acerca da penetração do capital estrangeiro nos meios de comunicação do Brasil, regulada pela 36° emenda à Constituição de 1988. A medida reiterou as tendências em voga de abertura do mercado a investimentos internacionais, para desespero daqueles que creditam às mídias um ponto fundamental no processo de formação cultural do país. Na contramão do discurso nacionalista, estão as empresas de comunicação brasileiras, sufocadas por uma estrutura administrativa familiar, obsoleta e incapaz de contornar os desafios impostos pela concorrência global.
A verdade é que a captação de recursos para a modernização e crescimento dessas empresas ficou tolhida pelas disposições legais até a aprovação da referida emenda. Todas as constituições da história do país sacramentaram o direito de exploração dessa área unicamente a brasileiros, impedindo a entrada do capital estrangeiro. Temia-se comprometer a soberania nacional ao se vincular interesses econômicos de grupos não brasileiros a um conteúdo editorial que pudesse descaracterizar a nossa cultura. Justificativa mais do que justa. Por outro lado, as mesmas leis que “garantiram” essa soberania restringiram a participação democrática na produção midiática. O resultado foi a concentração, através de concessões e apoios dos governos federais, dos meios de comunicação nas mãos de famílias que formaram verdadeiros impérios da informação. Hoje, com a moda do intervencionismo estatal praticamente em extinção, não restou alternativa a não ser a permissão da entrada do dinheiro de fora do país, limitado, pela emenda, a 30% do capital votante das entidades. Além disso, pessoas jurídicas brasileiras poderão assumir total controle sobre uma empresa de comunicação, cuja propriedade era restrita a pessoas físicas. A mudança é inovadora, pois permite, por exemplo, que investimentos sejam angariados nas bolsas de valores.
Com os exemplos da abertura do mercado brasileiro automobilístico e de telefonia, pode-se esperar uma modernização do setor em um curto espaço de tempo. Entretanto, também são previsíveis algumas conseqüências dessa “evolução”. O enxugamento de gastos poderá trazer demissões dos profissionais na área… Apesar de salutares para a vida das empresas, essas mudanças instigam o senso crítico de um bom observador. Será possível separar interesses econômicos da linha editorial a ser seguida? Se a Shell assumisse os 30% a que tem direito de uma emissora de televisão, a cobertura de uma guerra entre os EUA e o Iraque (hipótese, aliás, bem palpável) seria digna de confiança dos seus espectadores? Vai ficar cada vez mais difícil saber a serviço de quem estarão os meios de comunicação. Antes, era fácil ligar o conteúdo dos Diários Associados à megalomania de Assis Chateaubriand…
A pulverização de ações e a pluralidade de donos podem criar uma crise de identidade não só na cabeça dos brasileiros, mas na própria estrutura organizacional dessas empresas. Porém, ecoa o alerta: a emenda constitucional pode representar um golpe de misericórdia no sonho de se democratizar a mídia no Brasil. Está dado o aval para que a produção jornalística assuma a subserviência perante o lucro e se torne refém de grandes grupos econômicos, deixando de lado o seu compromisso social.
Carlos Juliano Barros é jornalista.