Malta, a ilha dos imigrantes perdidos

 13/06/2007

Por Elise Vincent

Eles foram orientados a seguir em frente, sempre em linha reta. "Sempre em frente". Ganharam até mesmo uma bússola de presente. Estavam indo embora da Líbia, sonhavam com a Europa, e escolheram como alvo a Itália. Mas o mar estava agitado, a água potável e a gasolina acabaram. Hoje, eles vagueiam pelos 316 km2 do calhau maltês. Isso porque, fora dos portos, nunca se atraca, em Malta. Não há outra maneira de se chegar à terra firme, a não ser encalhando. Muitos foram aqueles que viveram essa aventura de uns tempos para cá. Eles já são cerca de 3.000 "encalhados", vindos da Somália, do Sudão e da Eritréia. Foram resgatados num dia de azar, numa embarcação que corria perigo. Três mil que estão agora amarrados a um país que eles não alvejavam. E que não queria a sua presença. Malta foi forçada a aplicar as regras de salvamento no mar. Agora, eles estão aqui, mas a ilha não sabe o que fazer com eles.

Nas coquetes ruazinhas ocres desta pequena ilha do Mediterrâneo, todo mundo se recorda das primeiras chegadas, durante a temporada de calor de 2002. Até então, os malteses se limitavam a acompanhar as aventuras desses migrantes nos telejornais da noite, acreditando que eles só "atormentariam" as áreas costeiras espanholas. Então, eles começaram a desembarcar em Malta. No final do ano, havia quase 1.700 deles. Este número se tornou uma média anual. Um número irrisório se comparado com os 31.000 clandestinos que desembarcaram em 2006 nas Canárias (Espanha), e com os 20.000 que chegaram à Itália passando pela Sicília e Lampedusa. Numa ilha como Malta, que não conta mais do que 400.000 habitantes, a segunda maior densidade de população no mundo, o fluxo é difícil de gerir.

As autoridades estipularam uma proporção: "É como se 150 imigrantes chegassem de uma vez à Itália, ou 200 à Espanha", comenta, alarmado, Tonio Borg, o ministro da justiça e das questões interiores. Para fazer frente à "invasão", o número dos policiais foi multiplicado por três. Todo ano, o exército obtém a quase-duplicação do seu orçamento de funcionamento. Para o governo maltês, apesar das ajudas que a ilha recebe da União Européia, o custo da gestão desta imigração representa 1% do PIB – produto interno bruto.

Este número tornou-se um dos principais argumentos para restringir a acolhida apenas às pessoas que são encontradas na zona de busca marítima maltesa. Malta está pedindo para que no futuro os próximos imigrantes sejam distribuídos pelos países da União Européia. No final de maio, em várias oportunidades, as autoridades maltesas recusaram o desembarque na ilha de migrantes que estavam agarrados em redes para atuns nas águas líbias e que foram resgatados por navios estrangeiros. A opinião pública internacional denunciou esta "não-assistência a pessoas em perigo".

Sem dúvida ela não sabia que em Malta, tão logo eles chegam, os clandestinos são enviados para campos onde as condições, sórdidas, têm sido denunciadas por todas as organizações não-governamentais (ONG) – e onde eles permanecem até 18 meses em certos casos. Todos eles são então transferidos para centros conhecidos como "abertos", onde as perspectivas de integração são extremamente incertas.

As condições de vida nos quatro campos de retenção malteses só são conhecidas a partir dos relatos daqueles que deles saíram: desde a sua criação, o seu acesso sempre foi proibido para a imprensa. Apenas algumas ONGs selecionadas a dedo são autorizadas a visitá-los. Em 2006, uma delegação do Parlamento europeu pôde efetuar uma visita. A partir do que eles viram, os eurodeputados produziram um relatório alarmante, no qual eles recomendavam o seu fechamento. Em vão.

Um ano mais tarde, os barracos esburacados, os terrenos baldios e as altas cercas de arame-farpado ainda estão lá. No interior dos campos, mais de mil clandestinos seguem amontoados. Neles, a superpopulação, a má nutrição e a insalubridade causam danos cotidianos. As celas são coletivas, separadas umas das outras apenas por divisórias sem teto, e em todas elas predomina o zumbido dos rádios e das televisões ligados. Para poder aproveitar a luz do dia, é preciso aguardar: os detentos têm direito a um passeio de uma hora, duas vezes por semana.

A duração da retenção é amplamente superior aos prazos que foram instaurados em outros lugares: sessenta dias para os italianos, quarenta para os espanhóis. Nesses dois países, os candidatos à imigração são rapidamente evacuados das Canárias ou de Lampedusa rumo ao continente. Com isso, assim que eles conseguem sair, aqueles que se viram recusar o asilo podem tentar se virar, tentar a sorte no mercado do trabalho paralelo ou se arriscar a atravessar outras fronteiras.

Nada disso acontece em Malta. O mar é uma fortaleza inexpugnável e o mercado nacional do trabalho está reduzido a 145.000 pessoas. As condições de saída da retenção constituem um dos momentos os mais delicados para os novos imigrantes. "Você está livre!", "No detention", explica repetidas vezes e em vão Mickael Quinn, um antigo pára-quedista inglês de 57 anos, responsável do centro "aberto" de Halfare, a um jovem nigeriano de 18 anos, que já está livre há uma semana e está com lágrimas nos olhos.

O "Le Monde" é um dos raros veículos de comunicação internacionais a ter tido acesso a este "centro aberto", de fato uma quinta que foi construída numa espécie de terreno baldio à proximidade do aeroporto, dentro da qual estão alinhadas mais de trinta grandes barracas militares, cercadas por altas grades sobre as quais pairam emaranhados de arame-farpado. Cerca de 800 pessoas, dentre as quais umas trinta mulheres, nelas estão amontoadas em volta de uma vintena de toaletes de canteiro de obra, da mesma quantidade de chuveiros, e de uma dezena de lavabos. Alguns desses "retidos" ali estão há vários anos.

Os três quartos dos migrantes que desembarcam em Malta pedem o asilo. Uma ínfima minoria apenas consegue obter o estatuto de refugiado político que permite, principalmente, seguir viagem. A maior parte, aliás, tira proveito desta condição para deixar a ilha. Os outros acabam ficando prisioneiros do solo maltês: ou eles são "rejeitados", ou eles obtêm um estatuto "humanitário". Este último proíbe ao migrante de trazer membros da sua família, mas dá acesso a uma autorização de trabalho e a um seguro de saúde. Os "rejeitados", por sua vez, se encontram teoricamente em "espera de repatriação". Na prática, uma vez que o Estado maltês reluta a financiar os retornos, muit
os podem seguir pacientando até mesmo por vários anos.

Nem todos os "centros abertos" da ilha são iguais àquele de Halfare. Alguns deles, destinados a acolher menores, mulheres grávidas, famílias e demais pessoas vulneráveis, são antes mais cuidados. Mas, para esses imigrantes, essencialmente homens solteiros de 18 a 35 anos, o destino é Halfare ou Marsa, o outro grande centro da ilha, onde a sua "integração" deve supostamente começar.

O centro de Marsa é uma antiga escola técnica situada na periferia da capital, La Valette. Ele oferece um prédio de concreto, mais confortável do que Halfare, de uma capacidade de 500 pessoas, mas onde as condições de higiene permanecem extremamente difíceis: paredes úmidas, vidros de janelas quebrados, ladrilhos estourados e remendados, sanitários detonados. Nas antigas salas de classe que foram reorganizadas para servir de dormitórios, até 40 pessoas vivem no cotidiano, sobre camas sobrepostas. A intimidade se resume a alguns pedaços de lençóis estendidos entre duas grades.

Então, não seria melhor trabalhar, para não ficar ali o dia inteiro, aguardando a possibilidade, um dia, de ocupar um apartamento? Não é a vontade que lhes falta, a esses migrantes, oriundos em muitos casos da classe média. Alguns deles até conseguem, mas, uma vez que os seus diplomas não são reconhecidos localmente, as ofertas de trabalho permanecem raras e precárias (a construção civil, a segurança de casas e de prédios, as atividades em bares e restaurantes).

"Nós temos até mesmo um ginecologista que lava a louça num restaurante", lamenta Terry Gosden, o responsável do centro Marsa. Ainda assim, para encontrar algum "bico", é preciso se levantar na primeira hora do dia, se dispor a ficar enfileirado junto com muitos outros candidatos à beira da estrada e aguardar durante horas até que os caminhões da construção civil parem para que a sua mão-de-obra de um dia possa embarcar. "A gente bate os pés até meio-dia, e, se nada acontece, volta para o quarto e fica deitado", explica, esgotado, Madou Zampou, um marfinense de 18 anos que chegou aqui na primavera de 2005. "Isso aqui se parece um pouco com Soweto há vinte anos", deplora ainda Terry Gosden, referindo-se a famoso gueto sul-africano na época do apartheid.

Cinco anos depois das primeiras chegadas, o governo maltês segue enfrentando dificuldades para conter a xenofobia da população. Na ilha, as ondas de novos migrantes não engendraram nem um aumento da criminalidade, nem uma queda da indústria turística. Diversos grupos de extrema-direita e um partido político, no entanto, foram criados em torno de uma temática de rejeição. No final de maio, os meios de comunicação malteses reagiram com preocupação diante da recusa de um motorista de ônibus a deixar subirem imigrantes, "porque ele estava muito irritado com os 'ilegais'".

Nos centros abertos, muitos são os que ficam deprimidos com a perspectiva de que eles nunca conseguirão construir para eles um projeto de vida decente. Em Marsa, os mais motivados até que tentaram reinventar para eles um semblante de existência. O antigo ginásio da escola tornou-se um "restaurante sudanês"; um antigo depósito para vassouras foi transformado num salão de beleza com cabeleireira, num cybercafé e até mesmo numa mesquita.

Mas a depressão continua sendo uma das patologias diagnosticadas com maior freqüência pelos médicos. "O que fazer num país que não quer, e mesmo que quisesse, não pode receber você?", se pergunta Aldryus Hasan, o filho de um alto-funcionário somali que desembarcou aqui há um ano. Este grandalhão desnorteado de 20 anos, com os seus olhos tristes, transmite a impressão de estar "perdendo o bonde" da sua vida: uma das suas obsessões é de nunca mais conseguir casar-se. Ele conheceu até mesmo uma jovem maltesa, mas a pressão da família da moça foi forte demais. "Aqui, você não consegue fazer amizade a valer com ninguém, pois todo mundo só pensa em ir embora".

Algumas rotas de imigração clandestinas, principalmente rumo à Sicília, situada a 93 km apenas, foram criadas. Mas, na sua maioria, aqueles que as utilizam com sucesso são enviados de volta imediatamente para Malta, traídos pelas suas impressões digitais, que, conformemente à legislação européia, foram registradas assim que eles chegaram à ilha. Essas rotas "cultivam as esperanças", estima, contudo, Terry Gosden. "Se você retirar deles esta esperança, no dia seguinte todos esses homens morrerão".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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