O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia suspendeu a censura de informações sobre um resgate de trabalhadores em condições análogas às de escravo divulgado pela Repórter Brasil que havia sido imposta pela 2a Vara Cível e Comercial da Comarca de Salvador.
A operação, que resultou no resgate de 23 trabalhadores da fazenda Graciosa, em Xinguara (PA), em janeiro de 2014, contou com a participação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal. A propriedade atua no criação de gado para corte.
A empresa Morro Verde Participações, responsável pela área, havia obtido uma cautelar do juiz Argemiro de Azevedo Dutra, que obrigou a excluir o seu nome sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A Repórter Brasil recorreu da decisão por considerar que é de interesse público garantir a transparência sobre atos do Estado brasileiro.
A ação principal ainda deve ser julgada mas, por enquanto, a informação pública continuará pública.
De acordo com o relator do caso, o desembargador Gesivaldo Nascimento Britto, da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, a Repórter Brasil “ao divulgar a relação de empresas fiscalizadas pelos órgãos públicos com a intenção de coibir o trabalho escravo, de forma imparcial, exerce o direito de informação consagrado na Constituição Federal”. Segundo ele, “a violação ao inciso XIV, do art. 5ª e art. 220 da Constituição Federal conduz a presença dos elementos concretos para justificar o deferimento do pedido suspensivo”.
Para não ser citada como palco de uma ação de resgate de trabalhadores em situação análoga à de escravos, a Morro Verde usou como justificativa um acordo com o Ministério Público do Trabalho, em 2014, como prova de que inexistiria qualquer “registro negativo” contra ela. Afirmou, dessa forma, que essa publicização afrontava princípios constitucionais, como a presunção da inocência.
Contudo, de acordo com o desembargador que suspendeu a censura, o acordo não apaga o que foi encontrado na fazenda. Pelo contrário, é um reconhecimento pela própria empresa. “O TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a Agravada [Morro Verde] representa um termo de compromisso, onde esta se obrigou à determinadas condicionantes, de forma a solucionar por meio de diversas medidas às violações constatadas na legislação trabalhista, bem como compensar danos e prejuízos já causados, sendo assim, um instrumento de reconhecimento pela própria Agravada das condutas praticadas”, afirmou em sua decisão.
Essa é a mesma opinião da procuradora do Trabalho Melina de Sousa Fiorini e Schulze, que acompanhou o resgate de trabalhadores na operação, em 2014 e depois foi responsável pelo acordo citado na decisão judicial, afirma que “o Termo de Ajuste de Conduta firmado com o Grupo Morro Verde Participações visou à adequação da conduta da empresa ao disposto em lei, imputando-lhe obrigações de fazer, não fazer e pagar indenização pelo dano moral coletivo em razão de fato ilícito apurado, haja vista a constatação, in loco, da submissão de trabalhadores a condições análogas a de escravo”.
Lei de Acesso à Informação – O nome da empresa consta de uma relação com dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisões administrativas de primeira e segunda instâncias confirmando a autuação. A lista foi solicitada pela Repórter Brasil ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012), que obriga qualquer órgão de governo a fornecedor dados públicos, e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
No final do ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo, cadastro mantido pelo MTE que garantia transparência ao nome dos flagrados com esse tipo de mão de obra. Criado em 2003, ele era considerado um exemplo global no combate à escravidão pelas Nações Unidas.
Até agora, a Repórter Brasil, entre outras instituições e profissionais de imprensa, solicitou duas vezes essa relação, obtendo-a e divulgando-a em março e setembro deste ano. Esta última, engloba casos em que houve confirmação da autuação entre maio de 2013 e maio de 2015, e contém 421 nomes de pessoas físicas e jurídicas.
O Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), que solicitou e divulgou a lista de empregadores, também foi intimado a retirar a informação da referida empresa de seus registros. O processo corre com o número 0559474-02.2015.8.05.0001 e o número do agravo de instrumento é 0022415-40.2015.8.05.0000. A defesa ficou por conta de Eloisa Machado, André Ferreira e o Coletivo de Advogados de Direitos Humanos (Cadhu), grupo de advogados que têm realizado um trabalho fundamental na defesa da dignidade no Brasil.