O estranho mundo dos esportes – parte 3: o trabalho escravo

 06/02/2008

Quando idealizamos abordar a temática dos esportes, pensamos numa trilogia, mas sobre um aspecto em comum: a exploração do talento por terceiros.

Inicialmente, abordamos a ganância dos dirigentes esportivos em tentarem se perpetrar no poder à custa do talento alheio.

Na segunda parte, o enfoque foi a atuação dos agentes no mundo dos esportes. Como essas pessoas ingressam prematuramente na vida dos atletas, tudo em defesa do próprio bolso.

Nessa terceira parte, o enfoque será a exploração dos atletas com o talento ainda não-descoberto, como se fossem uns carvões, antes de se tornarem um diamante bruto e, por fim, uma verdadeira jóia. De que forma isso acontece? Nas denominadas categorias inferiores do esporte, também conhecidas como de base.

Algumas crianças têm o sonho de serem bem-sucedidos como atletas e, por isso, freqüentam agremiações esportivas na esperança de terem o apoio do técnico e a chance de se sobressair e, por conseguinte, abandonar o anonimato.

É sabido que, desses milhares de jovens, apenas alguns poucos alcançarão o estrelato, embora a imagem marcante seja a do sucesso e não o fracasso.

E qual a realidade da maioria desses jovens? A resposta varia da agremiação escolhida. Uma criança certamente preferiria treinar num grande clube, mas a distância, a falta de recursos e o esporte como atividade paralela pode propiciar a escolha numa agremiação de proporções modestas.

O fato de não possuírem grandes recursos suscitam falta de condições a serem oferecidas aos freqüentadores. Até aí não temos grandes problemas, porque freqüenta quem quer.

As dificuldades devem ser analisadas quando se misturam condições ruins com exploração. Existe uma acentuada diferença e merece uma análise mais profunda sobre o assunto.

Com a escusa de não terem condições financeiras de remunerar os jovens, alguns clubes valem-se da mão-de-obra em troca de um espaço para treinamento.

Quando alguma agremiação de maior monta descobre o talento do jovem, o clube que o abriga sempre negocia para ter um quinhão por ser o "formador".

Entretanto, será justo não pagar nada a uma pessoa? Oferecer condições precárias de trabalho e quando uma oportunidade melhor surge, então é chegada a hora de ser recompensado por tratar tão bem da mão-de-obra?

Que a sociedade humana não tem escrúpulos essa noticia não chega a ser nenhum furo de reportagem, mas daí a explorar crianças que nutrem uma ilusão, um sonho, já é um pouco demais.

As autoridades brasileiras devem estar atentas a esses verdadeiros usurpadores. E a questão não é o não-pagamento de remuneração, porque o pensamento seria o mesmo se a quantia ofertada em contraprestação fosse risível.

Uma coisa é ser um clube modesto, com poucas pretensões e oferecer um espaço para as crianças treinarem e ocuparem seu tempo livre e, assim, se afastarem do caminho da marginalidade. Podemos citar o exemplo de creches, escolas públicas, etc.

Já realidade outra é agir imbuída de má-fé. Explorar as crianças como forma de obter lucro.

É apenas mais um capítulo do retrato da exploração das pessoas na realidade dos esportes. Ao invés dos administradores se preocuparem em trabalhar e investir em infra-estrutura, para assim, ter mais chance de descobrir talentos no garimpo do dia-a-dia, a opção é fazer dinheiro fácil.

Essas pessoas se esquecem que o talento não surge diariamente, aparece vez por outra, o que denota uma mentalidade equivocada, porque ao invés de torcer pelo aparecimento de um fora-de-série, a melhor estratégia é lutar para que todos os atletas melhorem seu nível, pois se não houver uma grande negociação, ao menos as várias pequenas podem garantir a sobrevida da agremiação.

Não, o escopo do dirigente é faturar e, melhor ele do que um empresário. Mentalidade tacanha, pobre, tal como o resultado da investida. Até quando essa exploração irá coexistir com a conivência das autoridades?

Nessa exploração sem fim, os mais prejudicados são os próprios atletas. Sempre existe um oportunista de plantão de prontidão para usufruir o talento alheio.

As pessoas podem pensar que isso faz parte do mundo moderno, todavia, não é correto uns poucos engordarem suas contas bancárias a custo de um atleta que prosperou. Seja um empresário, um dirigente, um presidente de clube, enfim, todos focam no caixa do sucesso.

No entanto, nenhuma dessas pessoas fornece um simples centavo quando sua antiga fonte de renda encontra a penúria. E não são poucos os casos de ex-atletas que não sabem conviver com uma vida simples, sem tantos holofotes.

Por isso, encontros prolongados com a bebida, com a depressão e até com as drogas consomem o dinheiro que deveria ser a fonte de seu prazer, mas se tornou a razão de seu sofrimento.

Nesses casos, quantas notícias temos de que um empresário ajudou, ou melhor, retribuiu o apoio que recebeu de um ex-atleta?

Isso apenas remonta a uma triste realidade: quando os holofotes se acendem, todos querem aparecer nas fotos, já no apagar das luzes, os tapinhas nas costas desaparecem, os amigos fáceis não estão mais lá.

Portanto, devemos cuidar dos jovens antes de se tornarem atletas, os formando, preparando e lapidando a pessoa, para que depois de amanhã não tenham de ser reféns de outra exploração, ou seja, pagar para tentarem se manter em evidência.

Resultado: outra forma de aproveitamento. Não é essa a função primeira do esporte. O entretenimento deve gerar prazer tanto para quem assiste como para quem faz o espetáculo.

É chegada a hora de combater esses oportunistas, pelo bem do próprio esporte.

Antonio Baptista Gonçalves
Sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

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