Fazendeiro intensifica uso de máquinas por medo de fiscalização

 06/06/2008

Após testar uma nova plantadeira americana, Paulo Mizote, presidente do grupo que leva seu sobrenome, encomendou uma máquina dessas para suas fazendas. Por R$ 350 mil terá um equipamento com mais linhas de plantio, capaz de alcançar uma largura de 23 metros, mais do que o dobro dos 11 metros da plantadeira que utiliza hoje. Além do maior alcance, ela exige apenas um trator para ser puxada. A antiga exige três. Com isso, pelo menos quatro postos de trabalho temporário serão eliminados no plantio do algodão.

Mizote não é um caso isolado no Oeste Baiano. Nos últimos dois anos, outro fazendeiro, Walter Horita, sócio do grupo Horita, reduziu pela metade o número de trabalhadores contratados para o trabalho temporário. Mesmo sendo uma opção mais cara, passou a usar herbicidas para retirar ervas daninhas que antes eram arrancadas com as mãos.

A substituição desses trabalhadores seja pela mecanização, seja pelo uso de produtos químicos, tem se intensificado nessa região da Bahia. O motivo, segundo os fazendeiros, não é apenas acentuar a produtividade no campo, mas também o medo de receber multas e responder a processos originados de fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério Público do Trabalho.

Os ministérios, junto com a Polícia Federal, combatem a exploração do trabalho escravo e precário. As fiscalizações têm encontrado pessoas trabalhando fora das normas legais estabelecidas e algumas em condições degradantes. Dados do Ministério do Trabalho mostram que, no ano passado, sete fazendas foram incluídas no cadastro de empresas autuadas pela exploração do trabalho escravo, que conta agora com 179 nomes. Deste total, uma está na Bahia, a Fazenda Planalto, localizada em Barreiras.

Em 2007, o número de operações de fiscalização e autuações em fazendas baianas foi reduzido, em trajetória oposta à verificada no Brasil. Segundo o Ministério do Trabalho, as ações da unidade móvel são feitas com base em denúncias. O menor número de ações na Bahia não significa necessariamente um arrefecimento do trabalho degradante, mas sim redução no número de denúncias. O ministério conta com sete equipes e a maior parte das reclamações acontece no Pará. O trabalho é complementado pelas fiscalizações das gerências regionais.

Na Bahia, em 2007, foram cinco operações, em cinco fazendas, que resultaram em autuações no valor de R$ 173,6 mil. No ano anterior, haviam sido 12 operações e 15 fazendas fiscalizadas, em um total de R$ 938,9 mil em multas. Já no total do país, 115 operações, em 205 fazendas resultaram, em 2007, em autuações de R$ 9,9 bilhões. Em 2006, o número de ações no país todo foi menor: 109 visitas em 209 fazendas, com multas totais de R$ 6,3 bilhões.

A grande maioria das irregularidades encontradas pelo Ministério do Trabalho acontece nas relações com o trabalho temporário, muito usado no plantio e na colheita das lavouras. Esses agricultores quase sempre fazem atividades braçais, como a capina do solo e a retirada de raízes e ervas daninhas. É comum também que permaneçam nas fazendas todo o período de trabalho (cerca de três meses) em alojamentos fornecidos pelo empregador e só voltem para casa no fim da "empreitada".

É nesse tipo de trabalho que se pode ver agricultores capinando sem equipamentos de proteção, sem banheiro próximo e sem alojamento em condições mínimas de higiene e segurança. Muitas vezes, como conta Luciano Leivas, procurador do Trabalho de Barreiras, maior cidade do Oeste Baiano, os trabalhadores não usam nada nos pés, dormem debaixo de lonas e não têm acesso à água potável.

Leivas mostrou ao Valor processos nos quais estão anexadas fotos de agricultores resgatados de fazendas da região. Muitos aparecem com os pés feridos e os rostos queimados de sol. O local onde dormem é uma tenda de lona, na qual lixo e barro misturam-se a comida e roupas.

Nas fazendas visitadas pela reportagem a situação era diferente. Os alojamentos são construções simples, mas com cama, colchão e banheiro. Nenhum deles, no entanto, estava ocupado, já que a colheita ainda estava por começar. Além disso, as visitas foram acompanhadas pelos fazendeiros. O Valor solicitou autorização para acompanhar a ação do grupo móvel de fiscalização, mas o pedido não foi atendido pelo ministério.

Os fazendeiros argumentam que a ação desse grupo – composto por auditores fiscais, policiais federais, delegado da PF e, eventualmente, um procurador da República e um do Ministério Público do Trabalho -, é truculenta, aponta falhas, mas "multa de cara" e não dá chance para que eles se enquadrem nas leis. "Não cabe a nenhum cidadão o desconhecimento da lei. Ainda mais no caso de empreendedores econômicos. Eles devem saber as regras que garantem o funcionamento legal do seu estabelecimento", diz Marcelo Campos, coordenador nacional da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego.

Sergio Pitt, sócio da fazenda Agropar, próxima a Luís Eduardo Magalhães, e vice-presidente da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), diz que os fiscais "se apegam a pequenas irregularidades".

Pitt conta que durante uma visita do ministério, os fiscais lhe disseram que e ele não deveria mais utilizar um dos alojamentos para trabalhadores temporários. Na ocasião, ele estava vazio, porque não era época de colheita nem de plantio. Por ficar a 2 quilômetros da sede da fazenda e próximo a um rio, os fiscais alegaram que os trabalhadores não poderiam ficar isolados e avaliaram que, daquela maneira, poderiam tomar banho no rio, em condições precárias, em vez de usar banheiros, relata Pitt.

"Eles tinham um rio limpo à disposição e é claro que tomavam banho aqui. Era uma forma de lazer e, estando a sede distante do alojamento, não haveria como impedir isso. E também havia banheiros à disposição no local", argumenta.

"Há normas que não são possíveis de atender", diz Mizote. Segundo ele, não existe , por exemplo, beliche à venda no mercado com 1,10 metro de distância entre o colchão de cima e o debaixo, como é exigido. "A distância padrão é de 90 centímetros. Então tenho de fazer beliches especiais para os alojamentos dos temporários?", pergunta. Outra regra considerada exagerada pelos fazendeiros é a que exige banheiros químicos nas plantações. Segundo eles, a cada momento os trabalhadores estão capinando local diferente.

Para evitar problemas com a fiscalização, a ordem nas fazendas é reduzir o quadro de funcionários temporários. Em 2006, entre temporários e fixos, o grupo Mizote empregava 500 pessoas. Hoje, n
ão tem mais do que 250. "Vou reduzir o quadro cada vez mais. Não quero correr o risco de ser autuado sem critério, ficar sem trabalhadores e pagar multa", diz Paulo Mizote. Devido ao uso mais intensivo de herbicidas, Walter Horita contratou apenas 250 trabalhadores temporários. Em 2006, esse número foi de cerca de 500.

Em Barreiras, até abril de 2007 o setor agropecuário abriu 575 vagas com carteira assinada. Neste ano, para o mesmo período, o saldo está positivo em apenas 83 vagas. Essa redução combina tanto uma menor fiscalização como uma redução efetiva nas contratações de pessoal.

Os dados mais recentes sobre o estoque de trabalhadores mostram uma redução significativa da mão-de-obra formal na agropecuária na região de Barreiras. Entre 2005 e 2006, houve uma redução de 9,9% nos postos de trabalho. Em 2006, eram 2.999 pessoas trabalhando no campo com carteira. No ano anterior, eram 2.703.

Devido à redução do número de empregos, a fiscalização do Ministério do Trabalho não conta com o apoio da representação local dos trabalhadores. Os sindicalistas acreditam que é preciso punir quem não cumpre as condições mínimas de trabalho, mas dizem que a forma como os fiscais agem deixa muitos agricultores desempregados. "Eles visitam fazendas, multam, libertam trabalhadores que estavam em condições degradantes e depois eles ficam desempregados", diz Reinildo dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Luís Eduardo Magalhães.

Raquel Salgado
6/6/2008

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM