Estudo diz que Norte importa `escravos`

 23/08/2008

Nordeste é o principal "exportador" de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão, segundo Ministério do Trabalho

De 14.329 trabalhadores da pesquisa, 56% nasceram no Nordeste, mas 45% foram resgatados na região Norte; o Pará lidera a estatística

Mapeamento recém-concluído pelo Ministério do Trabalho revela a trajetória de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão entre 2003 e 2007 e aponta o Nordeste como o maior exportador e o Norte como o principal importador dessa mão-de-obra.

De 21.874 trabalhadores resgatados pelo grupo móvel de fiscalização da pasta nesses quatro anos, a Secretaria de Inspeção do Trabalho tabulou os locais de nascimento, de residência e de escravidão de 14.329 deles. Com os dados lançados em mapas, identificou que esses trabalhadores são recrutados longe das áreas nas quais são colocados em situação degradante de trabalho.
Dos 14,3 mil trabalhadores do levantamento, 55,69% (7.980) nasceram no Nordeste, sendo a maioria no Maranhão (4.479), seguido de Bahia e Piauí.

"Eles são extremamente vulneráveis à qualquer promessa de emprego, de algum benefício. Eles não têm muita opção", afirma Ela Wiecko Volkmer de Castilho, professora de direito da UnB (Universidade de Brasília) e ex-procuradora federal. "A falta de oportunidade leva essas pessoas a aceitarem esse tipo de trabalho", completa Edgar Brandão, chefe de fiscalização para erradicação do trabalho escravo do ministério.

Já em relação aos locais de resgate, a liderança disparada é do Norte (45%), com 6.458 pessoas flagradas nessa situação, contra 18% do Nordeste. Entre os Estados, o Pará comanda a estatística, com 5.242 trabalhadores resgatados (36%). "Em todas as civilizações, o escravo tem sido aquele de fora. Não se escraviza pessoa de dentro, geralmente, porque o escravo é a figura antinômica do cidadão", diz frei Xavier Plassat, coordenador da campanha nacional contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra.

Obtidos pela Folha, os três mapas montados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (nascimento, residência e resgate) revelam uma migração no sentido leste-oeste do país, com concentração dos flagrantes no leste paraense (carvoarias e pecuária), noroeste mato-grossense (cana-de-açúcar e pecuária) e oeste baiano (extração de raízes pós-desmate para cultivo de soja e algodão).
Mato Grosso do Sul aparece com destaque por conta de duas grandes operações feitas no ano passado em usinas de álcool. Nelas, 1.509 trabalhadores foram resgatados, sendo a maioria deles de indígenas.

No modelo contemporâneo de escravidão, os trabalhadores são submetidos à chamada "servidão por dívida", ou seja, são forçados a ficar nas propriedades até saldarem dívidas contraídas com os empregadores na "compra" de alimentos, roupas e equipamentos de trabalho. Como não têm como pagar esses débitos, permanecem escravizados até serem "resgatados" por auditores do Trabalho, procuradores e policiais.

Entre esses trabalhadores está o "peão de trecho", aquele que não tem família nem residência fixa. Eles vivem em pequenos hotéis à beira de estradas que viram pontos de referência aos "gatos" (aliciadores de mão-de-obra). O "gato" quita o débito no hotel e leva o trabalhador para a propriedade. Esse trabalhador já segue com o débito da hospedagem e, após resgatado, volta ao hotel.

Os mapas mostram que o escravo é aliciado num município e levado outro, muitas vezes noutro Estado. "Os dados mostram que ele [trabalhador] tem uma referência. Existe uma quantidade que é peão de trecho sim, mas isso não é significativo. Ainda existe muita migração para ir trabalhar", diz Edgar Brandão. O local de residência é na prática o local do aliciamento. Dos 14,3 mil pesquisados, 5.816 disseram residir no Nordeste (40,59%) e 4.256 (29,70%) no Norte.

EDUARDO SCOLESE
23/8/2008

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