Em um auditório na Assembleia Legislativa de São Paulo no final de junho, mais de uma centena de indígenas, quilombolas e caiçaras discutiam o Projeto de Lei que privatiza os parques estaduais naquele estado. Como alguns parques estão sobrepostos às terras de populações tradicionais, a sua administração afeta diretamente o modo de vida dessas comunidades.
Com a presença de somente um deputado estadual, aquela discussão durante uma tarde foi todo o espaço que eles tiveram na elaboração do projeto, que virou lei no mês seguinte. Os indígenas e outras comunidades tradicionais que terão suas vidas alteradas pelo projeto deveriam ter sido consultados ainda antes de esse processo iniciar, de acordo com a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, assinada pelo Brasil há mais de dez anos. A consulta às comunidades tradicionais, prevista na convenção, deve acontecer toda vez que o legislativo ou o executivo tomarem medidas que afetem essas comunidades.
Saiba mais sobre a consulta prévia lendo a reportagem:
Eles esperam há dez anos para serem ouvidos pelo governo. Agora, cansaram
O Brasil tem dado passos tímidos para que a consulta seja realizada nos casos de obras que possam impactar a vida dessas comunidades, mas a discussão da sua aplicação no legislativo está ainda mais atrasada, segundo a subprocuradora geral da República, Deborah Duprat. “O executivo ainda trabalha mais perto das demandas, ele sabe que tem que fazer [a consulta], ainda que faça mal feito. Mas o legislativo entende que ele é o representante de todos e todas, então não tem que consultar ninguém,” diz a procuradora.
Sem cadeiras no Congresso Nacional, os indígenas participam somente de reuniões protocolares, mesmo quando se trata de assuntos que vão alterar completamente a sua vida. Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), seria necessário ao menos um processo que “obrigasse os parlamentares a responder questões objetivas e justificar minimamente suas ações.”
Enquanto isso, o Congresso Nacional se prepara para votar propostas que afetam diretamente os direitos de populações tradicionais. Uma delas é a PEC 215, proposta de emenda à Constituição que tira do executivo e passa ao legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas. Na prática, a proposta dificulta a delimitação de novas terras.
Outras propostas diminuem ainda mais participação dos indígenas e demais populações nas decisões do governo. Entre elas estão a PEC 65 e o projeto de lei do senado 654, que, na prática, acabam com o processo de licenciamento ambiental. Elaborados sem a consulta aos indígenas, esses dois projetos deixam a aplicação da convenção 169 ainda mais distante.