Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em maio deste ano, aponta que a eliminação das formas de trabalho forçado no Brasil poderiam resultar numa renda adicional anual de US$ 21 bilhões, a ser destinada, por exemplo, à base social de menor poder aquisitivo. A entidade reconhece os esforços e articulação crescentes entre governos e a sociedade civil no sentido de reverter esse quadro, mas, ainda assim, o diagnóstico não é bom.
As últimas estatísticas da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam, no relatório Conflitos no Campo Brasil 2008, que, no ano passado, mais de 5,2 mil pessoas que trabalhavam em situação de escravidão foram libertadas no País. O setor sucroenergético mantém a liderança no ranking do número de libertados, com mais de 2,5 mil casos, ou 49% do total, seguido do setor pecuário. O estado do Pará é o que registra o maior número de denúncias no período. Em seguida, estão Mato Grosso e Maranhão.
No entendimento da procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT) Denise Andrade, a legislação brasileira é adequada para tratar a questão. "A exploração de trabalho sempre existiu e sempre em grande escala. O que ocorre é que hoje há um maior número de ações para repressão, o que pode levar a pensar que o número aumentou", esclarece.
A partir de 2003, informa a procuradora, modificações importantes no Código Penal incluíram condições degradantes de trabalho como caracterizadoras de crime. Ela observa, porém, que as penalidades criminais hoje previstas na lei – reclusão de dois a oito anos e multa – poderiam ser mais austeras. "Sem dúvida, penas pecuniárias e privativas de liberdade mais rígidas, bem como o confisco de terras previsto na Proposta de Emenda Constitucional 438, seriam formas mais efetivas de combate", afirma.
Lista suja
Desde a publicação da Portaria 540, que determinou a criação do Cadastro de Empregadores Infratores flagrados explorando trabalhadores na condição análoga à de escravos, em outubro de 2004, foi registrada a libertação de mais de 7.600 trabalhadores. Esse número refere-se apenas às 199 operações realizadas pelo Ministério do Trabalho no período.
Em apenas uma fazenda na Bahia, em dezembro de 2004, foram encontrados 745 trabalhadores em condições de servidão. Em julho do ano passado, outros 498 trabalhadores foram libertados, desta vez em uma propriedade no Mato Grosso do Sul. Mais conhecida como "Lista Suja", a relação, atualizada em junho deste ano, deixa claro que nem todos os esforços públicos e privados ainda foram capazes de banir dos registros brasileiros essas tristes estatísticas.
Esforços reconhecidos
A produção de diagnósticos sobre o trabalho escravo no País, assim como a documentação de casos e o acompanhamento de cadeias produtivas, além de campanhas de conscientização, têm crescido, segundo avaliação da OIT. O Instituto Ethos, que lançou em 2005 o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, é um exemplo.
O pacto tem a assinatura de 129 empresas, 16 entidades de classe e 20 organizações da sociedade civil. "Não nos preocupamos com a quantidade de empresas, mas, sim, com as empresas que apresentam grande concentração de produto", informa o assessor de Políticas Públicas do Ethos, Caio Magri.
Ele informa que, em São Paulo 70% do mercado varejista está comprometido com a proposta. E dá um recado: "Acho que o assunto é de extrema importância e o núcleo de RH das empresas deveria discutir isso com seus colaboradores, mesmo que o trabalho escravo esteja longe".
Outra iniciativa que merece registro é o Programa Cafés Sustentáveis do Brasil (PSC), realizado pela Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic). Segundo a consultora do Instituto Totum, Celina Almeida, todas as empresas que solicitam o selo de sustentabilidade passam por um processo de certificação, que leva em conta a condição dos trabalhadores de cada fazenda produtiva.
"O símbolo PSC garante ao consumidor que a marca não fomenta trabalho escravo nem degrada o meio ambiente e varejistas e consumidores dão destaque a produtos sustentáveis", diz. Desde 2006, 28 marcas de café estão certificadas.
Para a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), que reúne empresas e fazendas produtoras, a recomendação permanente é no sentido de respeito às determinações legais. A Unica nega ter, entre suas associadas, empresas que fazem uso de trabalho escravo, mas numa pesquisa na Lista Suja e em reportagens sobre o assunto, a afirmação não se sustenta. A entidade questiona o que considera "critérios subjetivos" para a caracterização do crime e diz que a situação provoca insegurança jurídica para as empresas.
por Daniela Iacobucci e Valéria Ignácio