Entrevista: Lei de controle da carne bovina é positiva, mas falta regulamentação

 26/01/2010

A lei 15.120/2010, que estabelece os procedimentos de controle ambiental e social para a compra de carne bovina, foi publicada no dia 15 no Diário Oficial da Cidade de São Paulo. Fica estabelecido que no momento de cada entrega de carne bovina, deverá ser exigida a apresentação do histórico da procedência do respectivo lote, desde a origem da cadeia produtiva.

De autoria do vereador Roberto Trípoli (PV), a lei determina que "toda a carne a ser fornecida não será oriunda de gado criado em áreas onde tenha ocorrido desmatamento irregular, inclusive aquelas já embargadas pelos órgãos ambientais; nem de terras indígenas invadidas; e não conterá, em sua cadeia produtiva, desde a origem, a utilização de trabalho infantil e/ou escravo".

Caio Magri, assessor de políticas públicas do Instituto Ethos, afirma que a medida é positiva, mas que "houve certa demora, porque a prefeitura havia se comprometido a controlar a carne bovina, a madeira e a soja" durante a campanha eleitoral de 2008, quando assinou um termo de compromisso para desenvolver políticas públicas que ajudassem a construir uma Amazônia sustentável.

O compromisso faz parte da Iniciativa Conexões Sustentáveis: São Paulo – Amazônia, que busca mobilizar as cadeias de valor dos setores da pecuária, da madeira e da soja por meio de pactos setoriais para a preservação da floresta amazônica e de seus povos.

Confira a entrevista:

Amazônia.org.br – Gostaria de saber sua opinião sobre o decreto assinado pelo prefeito Gilberto Kassab.

Caio Magri – Na verdade, houve até certa demora, porque a prefeitura havia se comprometido a controlar a carne bovina, a madeira legal e a soja, durante o processo de compromisso com o Conexões Sustentáveis, em 2008.

Acho que é importante, sem dúvida, mas além da promulgação da lei a gente precisa ter imediatamente a regulamentação. Como é que isso vai ser feito? Porque esse processo de definir o embargo, definir que a carne bovina que esteja comprometida com qualquer tipo de ilegalidade, seja elas áreas embargadas, seja ela trabalho escravo ou trabalho infantil, é muito importante.

Acho que é uma inovação do processo da Câmara. Entretanto, é necessário que faça isso ouvindo a sociedade, quer dizer, que regularmente de forma a ouvir como é que de fato isso poderá ser feito e que tipo de compromisso vai haver dos órgãos públicos em todos os níveis para que essa lei seja respeitada na cidade de São Paulo.

Amazônia.org.br – Trabalho escravo é ilegal. Comprar carne de áreas que foram desmatadas além do permitido é ilegal, e produzir carne nessas circunstâncias também não é permitido. Por que a necessidade de um decreto que exige que a lei seja cumprida?

Magri – São ilegais do ponto de vista da sua incidência objetiva. Mas nas relações de mercado essa ilegalidade tem que ser construída historicamente, quer dizer, é recente no Brasil a decisão de não financiar e de proibir financiamentos públicos a empresas que estejam envolvidas no trabalho escravo e na lista de desmatamento. Isso é uma possibilidade que tem que se estender a outras práticas de mercados, e nas relações, especialmente nas relações do público-privado.

É importante reforçar que a lei 866, que é a lei que regula as compras públicas, não é clara com relação a esta questão. Ela é, objetivamente, uma lei que exige que o poder público compre o que for o menor preço e não a qualidade desse produto. Então nós temos que qualificar essa compra para além do menor preço. Claro que o menor preço já é uma vantagem para a sociedade, porque o Estado está comprando aquilo que é necessário e gastando o menos possível. Mas, às vezes, o menos possível não é de fato aquilo que a sociedade precisa do ponto de vista da sustentabilidade. Então tem ai um paradoxo que precisa ser resolvido com o aperfeiçoamento da legislação.

Amazônia.org.br – Porque é necessário que São Paulo assuma esse compromisso com o desmatamento da Amazônia? Outros Estados também não são consumidores?

Magri – São Paulo é o maior consumidor. Se nós queremos, através dessa estratégia de pressionar o mercado, que ele tenha um comportamento socialmente responsável, São Paulo tem dar o exemplo, porque a forma como as relações de mercado se decidir em São Paulo certamente influenciarão todo o Brasil.

Amazônia.org.br – Ou seja, o Estado pode influenciar outras regiões para que façam o mesmo.

Magri – Com certeza. Como mercado consumidor primeiro, tanto em quantidade, quanto em diversidade de produtos, o mercado de São Paulo pode fazer a diferença reorientando os mercados de todo o país.

Amazônia.org.br – Diz o texto do decreto que "os documentos põem como obrigação dos signatários o financiamento, a distribuição e a comercialização de produtos com certificação (ou que estejam em processo de regularização)". Como funcionará essa certificação?

Magri – O projeto de lei fala que tem que ter comprovação da procedência e que essa procedência tem que ser ambientalmente sustentável. O mercado vai ter que construir um mecanismo de certificação, ou pelo menos que ateste a procedência. Se você for às gôndolas dos supermercados das principais redes, já encontra carne bovina, carne suína, carne de aves com procedência controlada e certificada.

Não sei se haverá um selo único, provavelmente não… Existe também um grupo de trabalho, criado no âmbito das empresas, no âmbito das organizações, que é o GT da Pecuária Sustentável, que está trabalhando quase um ano, com a perspectiva de conseguir fazer um controle de origem sobre a produção da carne bovina no Brasil.

Amazônia.org.br – Especialistas costumam dizer que o que mantém a lucratividade do mercado da pecuária é a ilegalidade. É possível existir uma pecuária sustentável?

Magri – Se não fosse possível, não teríamos nas gôndolas de supermercados produtos com certificação, o mercado não seria viável para produtos certificados. Mas ele cada vez mais se mostra um mercado viável. Então é possível produzir carne, com qualidade, respeito às leis ambientais, trabalhistas e a legislação fiscal. Senão poderíamos dizer que seria um produto impossível de ser produzido no Brasil.

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