Artigo – Consumidor responsável não se preocupa só com preço e marca

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lança guia em que defende o “consumo responsável” e prega o boicote à empresa que prejudica meio ambiente e não respeita direitos humanos e trabalhista.
Por Marcel Gomes/Agência Carta Maior
 09/08/2004

Na hora de pegar esse ou aquele produto na gôndola do supermercado, o que pesa em sua decisão? Preço mais baixo, melhor qualidade, tradição da marca, preferência familiar? Em geral, são esses os fatores que costumam ser levados em conta no instante da compra. Mas há um fenômeno novo que desafia esse padrão: são os consumidores preocupados com o comportamento da empresa que produziu determinado produto.

Já não são poucos os que fazem suas escolhas se perguntando se aquela companhia respeitou direitos humanos e trabalhistas. Se sua cadeia de produção segue normas de preservação ambiental e boas práticas empresariais. Se é ética quando faz publicidade. Ou até se está comprometida com a geração de empregos.

Essa mudança nos padrões de consumo, que ganhou força na segunda metade do século XX, quando os consumidores passaram a se organizar em grupos independentes para defender seus direitos, já gerou efeitos nas empresas. Não são poucas as que adotaram um ideal conhecido como “responsabilidade social”, que fundamenta práticas cujo fim não é apenas o lucro.

“O consumidor mais atento e informado já percebe as relações de seu nível de consumo e os efeitos disso no plano social, econômico e ambiental. Isso torna as empresas mais conscientes e preocupadas com os valores que ela propaga com seus produtos e marketing”, afirma Marilena Lazzarini, coordenadora institucional do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com 17 anos de trabalho e militância na área.

Foi pensando em estimular esse “consumo engajado” que o Idec acaba de lançar o Guia de Responsabilidade Social para o Consumidor, um livreto de 22 páginas com um painel sobre o movimento mundial de consumidores e sua articulação do Brasil. Também são apresentadas oito dicas de como um indivíduo pode exercer o chamado “consumo responsável”. Vale conferir:

1) Refletir sobre seus hábitos de consumo, reduzir quando possível, não desperdiçar e dar destinação correta ao resíduo ou ao produto pós-consumo

2) Escolher marcas de empresas reconhecidas por suas práticas responsáveis e éticas

3) Obter informações, por meio da média e das associações sociais, sobre os impactos sociais e ambientais da produção, do consumo e do pós-consumo de produtos e serviços

4) Entrar em contato com o SAC das empresas por telefone ou por escrito, para questionar sobre os impactos e pressionar pela adoção de práticas sustentáveis de produção e pós-consumo

5) Procurar saber se a empresa tem um balanço social e solicitar informações a respeito

6) Boicotar marcas de empresas envolvidas em casos de desrespeito à legislação trabalhista, ambiental e de consumo. Por exemplo, consulte a lista de reclamações fundamentadas do Procon, a fim de saber como determinada empresa se comporta em relação ao consumidor

7) Participar a apoiar associações de consumidores

8) Denunciar práticas contra o meio ambiente, contra as relações de consumo e de exploração do trabalho infantil às autoridades competentes

Segundo Marilena Lazzarini, um dos grandes desafios dos movimentos de consumidores é garantir seu direito a informação, ou seja, que as companhias sejam transparentes sobre como seus produtos foram produzidos e quais são e de onde vieram seus ingredientes. Dados que um simples rótulo não costuma trazer.

“Nós não podemos nos preocupar apenas se o Código de Defesa do Consumidor está sendo respeitado, precisamos extrapolar isso e discutir se nosso nível de consumo é sustentável. Onde foi feito aquele produto e que tipo de exploração foi utilizada são informações importantes, e não há mecanismos do direito que dêem conta dessa realidade”, diz ela.

No final de julho, a maior companhia do Brasil deu exemplo de como uma empresa pode ser socialmente responsável. Marcada nos últimos anos por vazamentos de combustíveis e tachada de poluidora do ambiente, a Petrobras saiu na frente e decidiu suspender a compra de álcool do Grupo José Pessoa, controlador da Usina Santa Cruz, em Campos dos Goytacazes, no litoral norte do Rio de Janeiro, que foi autuada por manter trabalhadores em situação de trabalho escravo.

A subsidiária Petrobras Distribuidora tomou essa decisão depois que a Santa Cruz começou a ser investiga pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por remunerar empregados com valores abaixo do salário mínimo e “presos” a dívidas com aluguel e alimentação. A estatal ainda encaminhou aos donos da usina uma carta pedindo esclarecimentos sobre a denúncia.

A iniciativa da Petrobras, de usar sua influência para dar um sinal de alerta a toda cadeia produtiva do álcool, integra as práticas de boa gestão alinhadas com o ideal da responsabilidade social. O raciocínio é simples: o combustível produzido pela usina Santa Cruz pode até ser mais barato, mas deve ser recusado pois a empresa não respeita direitos humanos e trabalhista.

Análise de cadeias produtivas
Não se deve confundir, porém, iniciativas como a da Petrobras com ações filantrópicas e patrocínios oriundos de departamentos de marketing, cujo único objetivo de agregar valor a sua imagem da companhia. “O que não faltam são empresas fazendo marketing social e, ao mesmo tempo, reprimindo seus trabalhadores quando eles pedem aumento de salários”, diz Juan Trimboli, diretor para a América Latina da Consumers International.

A entidade, que é uma das maiores organizações internacionais de defesa dos direitos dos consumidores, está realizando estudos sobre a produção de vinho, no Chile, e a cadeia Láctea, na Argentina e no Uruguai, com o objetivo de detectar infrações às práticas de responsabilidade social e pressionar as empresas a cumpri-las.

O Idec tentou executar neste ano trabalho semelhante com empresas de alimentos no país, mas esbarrou na má vontade das companhias. Técnicos do instituto elaboraram uma metodologia para estabelecer notas a práticas responsáveis. A idéia era trabalhar com a cadeia produtiva de achocolatados (Unilever, Nestlé, Pepsico e Novartis possuem marcas nesse segmento) e margarinas (Unilever, Bunger, Sadia e Vigor).

De todas essas empresas, apenas a Unilever entregou as respostas no prazo. Sadia e Novartis apenas enviaram relatórios e balanços com parte das informações solicitadas. Nestlé não enviou nada, a assessoria da Vigor disse que a companhia não participaria, a Bunge sequer respondeu ao contato, e a Pepsico, que produz o achocolatado Toddy, lançou com uma ameaça: responsabilizaria o Idec por quaisquer danos à imagem da empresa.

Quanto as respostas da Unilever, os técnicos do Idec chegaram a uma nota de 69,27
(entre 0 e 100) para as iniciativas da empresa. Constatou-se que ela trabalha bem na comunicação e na elaboração de políticas responsáveis, mas o resultado prático poderia ser melhor. Elaine Molina, gerente de Responsabilidade Social da Unilever, participou semana passada da divulgação da pesquisa, em São Paulo, e detalhou algumas iniciativas do grupo na área.

Um dos projetos considerado bem-sucedido por ela foi o combate ao trabalho infantil nos municípios goianos de Silvânia e Itaberaí. Cientes de que fornecedores de tomate estavam usando esse tipo de mão-de-obra, funcionários da empresa se articularam com as prefeituras desse município e com os conselhos tutelares. “Descobrimos que havia muitas crianças sem escola”, conta Elaine. A solução foi construir uma escola e uma creche, financiadas com recursos de incentivo fiscal.

Mais informações em www.idec.org.br

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