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O maior medo de Willian Rivero Zapata, quando chegou ao Brasil, não era ficar sem comida ou sem dinheiro. Essas angústias ele já havia encarado na Venezuela e também nos mil quilômetros que separam Maturín, sua cidade natal no país vizinho, de Boa Vista, onde vive hoje em Roraima. Seu maior medo era que lhe roubassem uma calça e uma camisa – seus únicos pertences além da roupa do corpo. Jovem, bem-humorado e cheio de energia, Willian sabia que, com sua experiência profissional, encontraria algum trabalho. Tem experiência como pedreiro, entende de elétrica e de hidráulica, sabe plantar, cuidar de gado e criar peixes. Porém, sem roupas, seria impossível.
Chegou sem um centavo no bolso à Pacaraima, na fronteira. De lá, caminhou durante seis dias até Boa Vista, dormiu na rua, tomou chuva, revirou lixo para se alimentar e dormiu por um tempo em um abrigo lotado e sem banheiro. Ao contrário do receio inicial, na rua ou no abrigo, Willian nunca foi roubado. Mas ele não poderia imaginar que, justamente ao conseguir trabalho, estaria ainda mais vulnerável a riscos que não conhecia.
Em um dos bicos, trabalhou por quinze dias e o empregador nunca lhe pagou. Depois, foi chamado para construir uma casa nos arredores de Boa Vista. Ele e dois amigos venezuelanos, Leonel del Jesus Meneses e José Leonardo Martinez Palma, trabalhavam “até o corpo aguentar”, sem descanso semanal. Eles dormiam a poucos passos da obra, em um barraco improvisado, construído por eles próprios com seis toras de madeira, chão de terra batido e um “teto” de lona. Dormiam em redes, sem água potável e sem banheiro. Ao lado da cama, uma lata servia como fogão. Quando chovia, dormiam úmidos por conta das goteiras. Desta vez, pelo menos Willian recebia o pagamento prometido, embora apenas parcialmente. O empregador descontava o valor das ferramentas de trabalho.
A situação em que viviam e trabalhavam era tão precária que o caso foi considerado como situação análoga à de escravos pelo Ministério do Trabalho. Após uma denúncia anônima, auditores fiscais foram à obra em abril deste ano e constataram condições degradantes. O responsável pela obra teria recebido, segundo os auditores, R$ 62 mil pela empreitada e subcontratou os três venezuelanos por apenas R$ 11 mil. Não houve nenhum tipo de contrato assinado, o acordo era apenas verbal, e o empreiteiro não ofereceu equipamentos de segurança.
Resgatados, os três venezuelanos tiveram a carteira assinada e rescindida, receberam as devidas indenizações trabalhistas, ganharam permanência no Brasil e terão direito a um seguro-desemprego por três meses caso não consigam emprego.
“Não queremos voltar para a rua ou para os abrigos”, diz Willian, preocupado com seu futuro depois da operação e ainda com a lembrança dos primeiros dias no Brasil, há nove meses. Ainda mais duras, porém, são suas memórias da vida na Venezuela. Ele conta que a fazenda em que vivia com sua família em Maturín foi roubada e saqueada diversas vezes. Quando as árvores davam frutas, as pessoas entravam no terreno e as colhiam. “É horrível quando sua filha te pede comida e você não tem o que dar. Estávamos passando fome”.
A exploração do trabalho de venezuelanos é uma preocupação frequente desde que o país mergulhou numa profunda crise econômica e social. No ano passado, de acordo com a Polícia Federal, mais de 70 mil venezuelanos entraram no Brasil apenas por Roraima. Cerca de 29 mil cruzaram a fronteira em sentido contrário, já que muitos vêm para comprar remédios e comida e outros retornam à Venezuela pelas dificuldades que enfrentam em Roraima. O fluxo está em crescimento, só nos dois primeiros meses deste ano, mais de 24 mil venezuelanos entraram no estado.
De acordo com a prefeitura de Boa Vista, há cerca de 40 mil venezuelanos na cidade – o equivalente a 10% da população total da capital. Muitos deles vivem em abrigos, na rua ou se concentram na praça Simón Bolívar, que ironicamente leva o nome do líder venezuelano responsável pela independência do país, em 1811.
A migração massiva fez com que o governo do estado entrasse com uma controversa ação no Supremo Tribunal Federal pedindo o fechamento da fronteira. A possibilidade foi considerada como “incogitável” presidente Michel Temer, em entrevista coletiva dada no mês passado, em que destacou que esperava que o Supremo também descartasse o fechamento temporário da fronteira.
“Se fechassem a fronteira, eu não poderia buscar minha família, como faço agora. Seria muito triste”, afirma Willian ao se aproximar do local. Alguns dias após ter sido resgatado, o pedreiro voltou à fronteira para buscar sua mulher e sua filha, que não via há nove meses. Dessa vez, ele tinha dinheiro no bolso.
Trabalho forçado em fazenda de gado
Além da operação que resgatou Willian e seus dois colegas conterrâneos, outra ação constatou trabalho escravo em situações ainda piores com venezuelanos em uma fazenda em Roraima em fevereiro. Eles trabalhavam cerca de 10 horas diárias, sem descanso semanal e com salário mensal de R$ 400. Além de ser inferior ao mínimo, os salários não eram pagos ao final do mês. “O empregador somente pagava os salários quando permitia que os empregados regressassem à Venezuela para visitar a família e levar alimentos”, diz o auto de infração. Um dos venezuelanos relatou aos auditores que pediu demissão, mas nem assim o empregador quitou os pagamentos, dizendo que ainda havia trabalho a ser feito.
Por conta da retenção salarial e do isolamento geográfico, os auditores consideram que eles estavam submetidos a trabalho forçado. O flagrante foi na fazenda Nova Estrela, que tem cerca de 550 cabeças de gado e fica na região da Serra da Lua, município de Bonfim. Além do Ministério do Trabalho, a operação foi realizada em conjunto com o Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública e teve apoio da Polícia Rodoviária. O grupo pretende intensificar as fiscalizações na região.
“Nós recebemos muitas denúncias de exploração do trabalho de venezuelanos. Infelizmente, esse número tem aumentado devido a essa situação do aumento no número de imigrantes venezuelanos”, afirma Andreia Gonin, coordenadora da operação de fiscalização.
A dois dias do aniversário de 130 anos da Lei Áurea, o crescimento da exploração de imigrantes vulneráveis não permite celebração. Desde 1995, foram resgatados 52.396 trabalhadores em trabalho análogo ao de escravo, o equivalente a 11 por dia.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil
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