Instituição exigiu do consórcio Energia Sustentável análise detalhada das causas e consequências da rebelião de operários que trabalham na construção da usina de Jirau.
Para o presidente do consórcio, Victor Paranhos, solução seria autorizar seguranças armados nos canteiros. Para o governo, poderia ter havido uma tragédia no local se guardas estivessem armados. Atraso no cronograma não compromete o sistema energético do país,mas resultará emprejuízo às empresas responsáveis pela obra.
Ricardo Rego Monteiro
Preocupado com os desdobramentos da rebelião de operários da hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho (RO), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) admite exigir contrapartidas sociais e trabalhistas mais rigorosas dos megaprojetos de infraestrutura que vierem a ser financiados pela instituição.
O alvo da preocupação são as obras da hidrelétrica de Belo Monte, tão gigantescas quanto as das usinas do Rio Madeira, que tanta dor de cabeça tem provocado nos últimos dias. Após duas horas de reunião na última segunda-feira, na sede do banco, no Rio, os executivos do consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enesa) se comprometeram a apresentar, na próxima semana, um diagnóstico com as causas e consequências da rebelião.
Além de um novo cronograma para o empreendimento – já parcialmente comprometido -, o diagnóstico deverá apresentar uma radiografia do que ocorreu no canteiro comandado pela Camargo Corrêa, sócia e principal responsável pelas obras da usina. Durante a reunião, executivos do banco foram taxativos em uma exigência: não vão permitir que o prejuízo seja transferido para a sociedade, por meio da tarifa já comprometida pelo consórcio durante o leilão, em maio de 2008. Na ocasião, o consórcio – que, além da Camargo Corrêa, inclui a geradora GDF Suez, da França, e as estatais brasileiras Chesf e Eletrosul – venceu a concorrência como preço de R$ 71,40 por megawatt/hora (MWh), valor 21,54% inferior ao preço-teto, de R$ 91/MWh. A proposta surpreendeu o mercado, que espera oferta entre R$ 80 e R$ 90/MWh.
Avaliações preliminares do BNDES dão conta da impossibilidade de cumprimento dos planos do consórcio, de antecipar em um ano o início da geração comercial de energia da usina. Prevista pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o início de 2013, a geração inicial da usina seria antecipada para março do próximo ano, como forma de capitalizar os sócios do projeto. A intenção era vender a energia gerada nos 12 meses iniciais no mercado de curto prazo, no qual a carga é comercializada por valores superiores aos do leilão da Aneel.
Ao assegurar a rentabilidade necessária aos investidores do consórcio, a manobra tornou possível, na prática, o valor ofertado no leilão. Sem a perspectiva de antecipação da geração, os sócios terão que assumir o prejuízo causado pela paralisação.
Apesar dos incidentes, Victor Paranhos, presidente da Enesa, assegura que a francesa GDF Suez mantém confiança no país como foco de investimentos. Ele diz que, apesar da urgência emretornar ao trabalho, a prioridade é a segurança dos funcionários. "A obra tem que ser retomada logo, mas, para isto, os trabalhadores precisam se sentir seguros".
Avaliações preliminares de executivos do BNDES atribuem à pressa em antecipar o cronograma de obras a responsabilidade pela rebelião dos operários. Não levam em consideração, porém, os atrasos provocados pela morosidade no licenciamento ambiental. Estão atrasadas também as linhas de transmissão que irão levar a energia produzida por Jirau e Santo Antônio para o Sudeste, o que também compromete o plano de antecipação do consórcio. "O cronograma firmado com a Aneel certamente não será comprometido, mas o de antecipação sim", diz um executivo do banco. "O problema é que, com prazos tão apertados, a obra precisa ser tocada em ritmo muito acelerado. Isso torna a seleção de funcionários menos rigorosa."
O mesmo executivo condiciona qualquer modificação na sistemática de financiamento à conclusão do diagnóstico pelo consórcio. Admite, no entanto, que o BNDES também deverá promover uma reflexão sobre as responsabilidades no episódio. "O que ocorreu leva a uma reflexão, sim, de todo os envolvidos. O banco certamente precisa fazer essa reflexão, para que sejam adotadas medidas e procedimentos nos próximos financiamentos", afirma.
O conflito no canteiro de obras de Jirau
As trágicas consequências do terremoto seguido de tsunami no Japão, o agravamento do conflito na Líbia e a visita do presidente americano, Barack Obama, ao Brasil ofuscaram a repercussão dos acontecimentos nas usinas de Jirau e Santo Antônio, duas das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em execução no rio Madeira, em Rondônia. Dia 16, um quebra-quebra, que durou nove horas no canteiro de obras de Jirau, envolvendo 20 mil trabalhadores resultou na destruição de 45 ônibus, o incêndio em 35 alojamentos e caixas eletrônicos saqueados. A paralisação das obras na usina se estendeu a Santo Antonio, onde os operários cruzaram os braços em solidariedade aos colegas de Jirau.
Diante da ameaça de uma marcha dos trabalhadores sobre Porto Velho, capital de Rondônia, considerada irreal por quem acompanhou os acontecimentos desde o início, o governo federal deslocou a Força Nacional de Segurança para a área. Nebulosas a princípio, as causas do conflito acabaram se direcionando para as condições de trabalho no local, agravadas pelas disputas entre dirigentes sindicais para assumir a representação dos trabalhadores.
Na avaliação de especialistas em energia, os acontecimentos dificilmente provocarão atraso significativo da obra, mas frustram os planos do consórcio construtor de Jirau de acionar as turbinas antes do prazo contratual para se capitalizar com a venda da energia no mercado livre. Pode estar aí a origem do primeiro impasse envolvendo o consórcio, caso tente uma revisão de tarifas para compensar esse prejuízo, e as autoridades da área energética.
Ontem, executivos do BNDES, o financiador da obra, foram taxativos no alerta de que não será aceito nenhum reajuste. Ao mesmo tempo, e já de olho em Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, o banco de fomento admite ser mais rigoroso com as empreiteiras nas contrapartidas sociais e trabalhistas. A greve em Santo Antônio foi encerrada ontem e tudo indica que a situação em Jirau também caminha para a normalidade. Fica a indagação se havia necessidade da intervenção da Força Nacional num conflito que acabou se revelando de cunho social e trabalhista.