Pelo menos 142 candidatos receberam doações, no valor total de R$ 10,7 milhões, de escravagistas. Entre os políticos financiados por fazendeiros e sócios e administradores de empresas que já estiveram na “lista suja” do trabalho escravo, estão os aspirantes aos governos de São Paulo, Minas Gerais e Goiás: Paulo Skaf (MDB), Antonio Anastasia (PSDB) e Ronaldo Caiado (DEM), respectivamente.
Outros nomes de peso da disputa eleitoral estão entre os beneficiados: o presidenciável Álvaro Dias (Podemos) e o coordenador de campanha de Jair Bolsonaro (PSL), o deputado federal candidato à reeleição Onyx Lorenzoni (DEM-RS), cotado para ser o ministro-chefe da Casa Civil caso o capitão da reserva seja eleito.
Na lista, há outros 13 candidatos ao governo, alguns deles com chances de irem para o segundo turno, de acordo com as pesquisas eleitorais: Mauro Carlesse (PHS-TO) e Ratinho Júnior (PSD-PR). Também receberam doações de pessoas que cometeram graves infrações trabalhistas 16 candidatos ao Senado, 61 concorrentes a uma vaga na Câmara dos Deputados e 48 postulantes às assembleias estaduais. Veja os que mais receberam na arte e a lista completa aqui.
O levantamento foi feito a partir do Ruralômetro, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil, e considerou os doadores divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral até o dia 1º de outubro. A relação foi cruzada com todas as “listas sujas” do trabalho escravo, cadastro divulgado pelo Ministério do Trabalho desde 2003 com a relação das empresas e pessoas que foram flagradas cometendo o crime.
Essa é a primeira eleição em que as empresas são proibidas de fazerem doações. A doação empresarial foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2015. Desde então, as doações são feitas por pessoas físicas, o que torna menos explícita a ligação entre os interesses dos doadores e a atuação dos financiados.
Para investigar essa ligação, a Repórter Brasil consultou, na Receita Federal, os nomes dos sócios ou administradores das empresas flagradas com trabalho escravo, descobrindo quais fizeram doações como pessoa física.
Escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos mostram que o financiamento de campanha tem sido usado para empresários pressionarem políticos por medidas que possam beneficiá-los. O ex-diretor Ricardo Saud, da JBS, empresa que injetou quase meio bilhão de reais nas últimas eleições, chegou a dizer que as doações são um “reservatório de boa vontade”. Embora não haja impedimento legal para a doação por empregadores flagrados com trabalho escravo, as relações de interesse com políticos que têm projeção sobre questões trabalhistas deve ser monitorada.
Um exemplo de coincidência entre atuação e financiamento é o do ex-ministro do Trabalho do governo Michel Temer, Ronaldo Nogueira. Depois de se afastar do cargo para voltar à Câmara dos Deputados, hoje ele concorre à reeleição como deputado federal e sua campanha tem entre seus financiadores um doador flagrado com trabalho escravo. O ex-ministro recebeu R$ 100 mil de Rubens Ometto Silveira Mello, fundador e presidente do conselho de administração do Grupo Cosan, que entrou na “lista suja” em 2009 por ter submetido 42 trabalhadores a condições análogas à escravidão durante a colheita da cana-de-açúcar no interior de São Paulo.
Nogueira editou uma portaria que alterava o conceito de trabalho escravo quando era ministro. A mudança reduzia as situações que caracterizavam o crime e dificultava a sua fiscalização. Uma semana após ter sido publicada, a portaria foi suspensa pelo STF. Procurada, a assessoria de imprensa do deputado não retornou aos vários pedidos de entrevistas da Repórter Brasil.
Os executivos ligados à Cosan colocam o grupo empresarial no topo do ranking de doações entre os ligados às empresas que já estiveram na “lista suja”: eles já doaram R$ 5,6 milhões para 51 candidatos, sendo Rubens Ometto o maior doador individual desta campanha. Ele financiou com R$ 200 mil a campanha de Onyx Lorenzoni, com R$ 250 mil a de Paulo Skaf e com R$ 100 mil a de Ronaldo Caiado. Outro executivo da Cosan, Marcos Marinho Lutz, também está entre os doadores mais generosos.
Os executivos responderam, por meio da assessoria de imprensa da Cosan, que as doações são de caráter pessoal e seguem as regras do TSE. Questionada sobre a autuação por trabalho escravo, a empresa informou “que não permite qualquer irregularidade que desrespeite os direitos de seus funcionários”.
Depois da Cosan, os executivos que mais doaram são da MRV Engenharia, que já investiram R$ 2,5 milhões na campanha de 23 candidatos. A construtora foi flagrada com trabalho escravo cinco vezes, entre 2011 e 2014, somando 203 trabalhadores resgatados, como mostra matéria da Repórter Brasil.
O principal doador da MRV é o fundador e presidente do conselho da empresa, Rubens Menin, que doou R$ 1,8 milhão até o dia 1º de outubro. Menin teve protagonismo nas tentativas do meio empresarial de barrarem a “lista suja”. No final de 2014, quando era presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a entidade conseguiu suspender no Supremo Tribunal Federal a publicação da lista.
Em um dos flagrantes, em outubro de 2014, os auditores relataram que fezes escorriam dos sanitários usados pelos trabalhadores e que eles tinham que tomar banho de botas, por causa da sujeira. O refeitório ficava em cima do banheiro. “O cheiro era insuportável. Ninguém consegue fazer sua refeição em um local cheirando a urina”, relata Márcia Albernaz, auditora-fiscal que comandou a fiscalização.
Além do fundador, outros sócios da construtora mineira também doaram para campanhas políticas. A sua filha, Maria Fernandes Menin, doou R$ 300 mil para o senador Antonio Anastasia (PSDB), que concorre ao governo mineiro e lidera as pesquisas.
Anastasia também recebeu doações de outros dois autuados por trabalho escravo. Luiz Otávio Fontes Junqueira, proprietário da Construtora Centro Minas, que colaborou com R$ 25 mil para a campanha do tucano, e Donisete Geraldo Leite, produtor rural, com doação de R$ 5 mil.
Junqueira entrou na “lista suja” do trabalho escravo em 2014, por ter submetido 14 funcionários em situação análoga à escravidão na Fazenda Caribe, no interior do Pará. Os funcionários dormiam em barracos feitos de troncos de madeira, sem paredes, com teto de lona e folhas de palmeira. Não havia banheiro e a água que eles bebiam vinha de “um córrego represado, barrento”, compartilhado com o rebanho bovino da fazenda. Os trabalhadores tinham que “implorar pelo pagamento, que era realizado na forma de míseros adiantamentos”, segundo relatório dos auditores-fiscais do trabalho.
Anastasia informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não responderia às questões enviadas pela Repórter Brasil por entender que elas deveriam ser feitas aos doadores. Procurada, a MRV afirmou que não se pronunciará sobre o assunto. Junqueira e Leite não se manifestaram.
Funcionários com dívidas
O presidenciável Álvaro Dias recebeu doação de R$ 50 mil de Gilson Mueller Berneck, que entrou na ‘lista suja’ em 2008 por ter mantido 47 trabalhadores em situação análoga à escravidão nas Fazendas Paraná e São Bernardo, no interior do Mato Grosso. Além dar o calote no pagamento dos seus funcionários, o fazendeiro cobrava pela comida, ferramentas de trabalho e produtos de higiene, fazendo com que todos os funcionários acumulassem dívidas com ele.
O senador Álvaro Dias informou, por meio de nota, que “não conhece ou tem relação pessoal com o doador de campanha mencionado pela reportagem”. A nota destaca ainda que “não há qualquer impedimento legal para a doação mencionada, uma vez que a mesma foi devidamente registrada junto ao TSE e cumpre a legislação eleitoral.”
Berneck também fez doações de campanha para o filho do apresentador de televisão Ratinho, Ratinho Júnior (PSD-PR), que é o primeiro colocado para a disputa pelo Governo do Paraná, segundo pesquisa do Ibope. Ratinho Junior, recebeu, ao todo, R$ 200 mil de flagrados com trabalho escravo, sendo R$ 50 mil de Berneck e R$ 150 mil do fundador da Cosan.
Procurado, Berneck informou, por email, que todas as suas doações eleitorais “ocorreram dentro da lei e foram efetivadas dentro das minhas preferências e convicções particulares”. Ratinho Júnior não respondeu. Paulo Skaf, financiado majoritariamente por Marinho Lutz da Cosan, informou que “todas as doações recebidas são públicas, transparentes e foram realizadas dentro dos parâmetros determinados pela legislação”. Onyx Lorenzoni, que recebeu R$ 200 mil do fundador da Cosan, não respondeu.
O atual governador de Tocantins, que pode ser reeleito no primeiro turno, Mauro Carlesse, financiou a própria campanha com R$ 700 mil e foi flagrado com 29 trabalhadores em situação análoga à escravidão em 2003 em uma de suas fazendas. Procurado, Carlesse não respondeu.
Ronaldo Caiado, um dos líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada “bancada ruralista”, recebeu R$ 100 mil do fundador da Cosan. Caiado informou, em nota, que “todas as regras eleitorais estão sendo rigorosamente cumpridas”.
As doações de fazendeiros e executivos flagrados com o crime foram distribuídas aos principais partidos. O DEM lidera a lista com R$ 2,2 milhões, seguido por PSDB (R$ 2 milhões), MDB (R$ 1,1 milhão), PP (R$ 1 milhão), PHS (R$ 715 mil) e PT, que aparece na 6ª posição no ranking com seus candidatos recebendo R$ 600 mil.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil