´Estudos de impactos de obras ignoram trabalhador´

 10/04/2011

Adotar uma governança institucional com ajuda de ferramentas da tecnologia da informação e da comunicação, treinamento e desenvolvimento. É dessa forma que José Maria Quadros de Alencar, 57 anos, desembargador federal e novo presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, pretende conduzir o tribunal nos próximos dois anos. "Pessoas que seguem essa tríade produzem mais e têm melhor qualidade de vida no trabalho", assegura.

Alencar iniciou sua carreira jurídica como advogado sindical, onde militou por 15 anos, inclusive assessorando a maioria dos sindicatos da terra no início da década de 80. Antes, na década de 70, tinha sido securitário e bancário do Banco do Brasil.

De 1983 a 1995 também atuou como servidor público na Secretaria de Planejamento. Nos anos de 1989 e 1990 foi cedido para a OAB-PA para fazer o acompanhamento da relatoria da Constituinte Estadual e da elaboração da Lei Orgânica do Município de Belém.

Ingressou no TRT-8ª em 1995, onde entrou pelo Quinto Constitucional da advocacia, onde já ocupou os cargos de presidente de turma e corregedor. O desembargador, que assumiu a presidência do TRT em dezembro do ano passado, é ainda membro do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), onde representa a região Norte. Confira entrevista concedida pelo desembargador ao DIÁRIO:

P: Havia uma demanda antiga pelo desmembramento dos Tribunais do Pará e Amapá. Esse movimento continua forte?

R: Está inviabilizada. A Constituição de 1988 determinou que deveria existir em cada Estado um TRT e essa regra foi mudada, caindo essa exigência, o que inviabilizou o desmembramento da 8ª Região. Mas é uma aspiração dos advogados do Amapá, já que existem quatro varas em Macapá, com possibilidade de criação de mais duas. Há um anteprojeto de Lei tramitando no CSJ e podem ser criadas novas varas em Macapá. O Pará e o Amapá têm cobertura total de jurisdição. Não há um só município que não tenha jurisdição trabalhista. Temos 45 varas no Pará e Amapá, sendo quatro no Amapá. Das 41 varas do Pará, 16 estão em Belém e quatro em Ananindeua e uma em Santa Izabel. As demais 20 varas estão espalhadas pelo Estado em Castanhal, Capanema, Paragominas, duas varas em Abaetetuba e duas em Tucuruí, duas varas em Marabá, duas em Parauapebas, uma em Xinguara, uma em Redenção, uma em Altamira, duas em Santarém, uma em Itaituba e outra em Óbidos. Com isso cobrimos todos os municípios da Amazônia Oriental.

P: Essa estrutura é suficiente para suportar a demanda que virá com os grandes projetos que serão erguidos no Estado nos próximos anos?
R: Temos um anteprojeto de criação de varas sendo examinado no CSJT onde pleiteamos. São 20 varas com 40 juízes, sendo um titular e um substituto, além dos servidores necessários. Uma delas é específica para Altamira, onde prevemos que a demanda aumentará por conta de Belo Monte. Altamira não possui demanda que justifique a criação de uma segunda vara. Como o CSJT não trabalha com projeções e sim com dados reais, a demanda do município não atende à demanda do Conselho e o parecer interno do Conselho não contempla a vara de Altamira, mas estamos ponderando esse caso com o relator por conta de Belo Monte. Critico o fato de que os estudos de impacto que fazem acerca de uma obra do porte de Belo Monte não levar em conta o impacto em relação aos trabalhadores. Sempre que compareço às audiências públicas ressalto isso. Precisamos adotar mecanismos extrajudiciais que reduzam as demandas judiciais partindo das empresas, realizando um trabalho preventivo. Isso evitaria a enxurrada de processos nas varas como ocorreu em Parauapebas, onde cada vara recebe quatro mil processos por ano. Durante dois anos estas varas estiveram entre as cinco varas mais movimentadas do país e continuam. Não queremos isso para Belo Monte. Existe uma resolução do CSJT que estabelece padrões de quantitativos de servidores por vara e por Tribunal. A 8ª Região estava abaixo desses parâmetros e fizemos um outro anteprojeto, complementar ao de criação das varas para chegar a esse patamar máximo de resolução e que estão sob a relatoria do Conselheiros Gilmar Cavallieri, já considerando as 20 varas. Das 158 vagas disponibilizadas no último concurso feito no ano passado já chamamos 66 e chamaremos 92 esse ano, de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira.

P: E as demais varas?
R: Também pleiteamos varas para a região Sul do Pará, onde está a província Mineral de Carajás, mais especificamente para Parauapebas e Marabá. Queremos uma vara específica para São Félix do Xingu, onde a demanda é pequena, mas que está localizada no arco de desmatamento e que precisa da presença civilizatória do Estado. Essa região é hoje atendida pela vara de Xinguara e nesta época do ano temos muitas dificuldades. Hoje atendemos essa área pelo sistema de itinerância. O anteprojeto está sendo relatado pelo conselheiro Cavallieri. Em seguida segue para o CNJ e, de lá, para o Congresso. Onde há maior população economicamente ativa e maior demanda criam-se as varas. No nosso caso, aqui na 8ª Região, só poderemos instalar a vara quando tivermos recursos. Não recorremos a servidores públicos de Estados e municípios e nem temporários para montar essas varas. Só com efetivos. Essa é uma tradição no TRT-8ª.

P: O senhor implementou um novo modelo de gestão no TRT-8ª, inclusive reunindo diariamente com seus subordinados antes do expediente. Qual a meta a atingir?
R: Um dos pilares do planejamento estratégico do Tribunal é a sua governança institucional, juntamente com a tecnologia da informação e da comunicação e treinamento e desenvolvimento. Pessoas que seguem essa tríade produzem mais e têm melhor qualidade de vida no trabalho. Todas as organizações têm dificuldades para executar estratégias e para superar isso estamos executando o plano estratégico tendo como referência um modelo criado por um banqueiro chamado Amador Aguiar que, ainda na década de 70, resolveu reunir seus diretores ao redor de uma mesa em uma sala onde era atendido por várias secretárias. Esse modelo foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos pelas organizações. Tendo como base uma sala de gestão estratégica. O que fazemos diariamente é reunir com os gestores estratégicos, pegando o planejamento estratégico e bater metas, como a execução orçamentária, por exemplo.

P: O Pará ainda é um dos campeões nacionais de trabalho escravo. Mesmo com a atuação da DRT e de outros órgãos esse problema persiste. A que se deve isso?
R: Esse é um problema para a civilização brasileira. A Justiça do Trabalho, como guardiã da promessa de um mundo mais justo e igualitário, está comprometida com a construção de um p
rocesso que leve à erradicação do trabalho forçado como as demais instituições. As atuações dos grupos móveis são maiores nos Estados onde há expansão da fronteira econômica capitalista. Há uma clara subnotificação dos casos de trabalho forçado em Estados como São Paulo, por exemplo, onde há ateliês de confecções dominados por máfias de confecções controladas por chineses, colombianos, paraguaios que mantêm com certeza uma enorme quantidade de pessoas na condição análoga a de escravo. Só que lá isso se dilui e não aparece tanto quanto aqui. Como há essa subnotificação nos caso em nível nacional, acaba havendo mais mídia nos Estados onde há fronteira agrícola, desmatamento, etc… Crimes ambientais e trabalho forçado andam de mãos dadas. A Justiça do Trabalho precisa ser demandada para agir. Hoje temos as varas itinerantes que deslocam rapidamente um juiz e um oficial de justiça para o local onde o grupo móvel atua quando somos demandados pelo Ministério Público. O Estado tem um Plano de Erradicação do Trabalho Escravo e atuamos na retaguarda.

P: Como anda a implantação do processo judicial eletrônico?
R: Hoje está havendo a convergência para o Processo Judicial Eletrônico (PJE), que está sendo liderado pelo Conselho Nacional de Justiça e será obrigatório. Há uma resistência à mudança, grande, dos advogados, sobre esse processo, que terá que ser diminuída à medida que se tornar realidade. Vamos aderir a uma iniciativa nacional e vamos participar do desenvolvimento desse modelo, que acaba com o papel e os atos todos terão que ser praticados na plataforma tecnológica, desde a petição inicial até o arquivamento. A informatização vai começar pela área de execução, que concentra dois terços das rotinas. Acredito que até o final do ano essa plataforma esteja concluída, mas isso não quer dizer que o processo eletrônico seja implantado de imediato. Grupos de servidores de todo o país foram a Brasília para formatar isso. Estamos chamando juízes, advogados, membros do MP e servidores para nos auxiliar na criação dessa plataforma e temos uma servidora aqui que foi cedida para o CSJT que está participando desse esforço, dando um toque regional ao processo. Acredito que em 2012 estaremos com a fase de conhecimento e de execução já nessa plataforma, possivelmente até o 2º grau de jurisdição. A Justiça finalmente num outro patamar tecnológico, com a informática ajudando os juízes a decidir.

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