Supremo adia julgamento do deputado Inocêncio Oliveira

Recém-eleito primeiro-secretário da Câmara, deputado do PMDB é acusado pelo crime de redução de trabalhadores à condição de escravos em fazenda no Maranhão. Dois ministros do Supremo votaram pelo arquivamento do inquérito. Joaquim Barbosa, terceiro a votar, pediu vistas e adiou a decisão
Por Leonardo Sakamoto
 16/02/2005

Imperatriz (MA) – Foi adiado o julgamento de inquérito no Supremo Tribunal Federal contra o deputado federal Inocêncio Oliveira (PMDB-PE), eleito terça-feira (15) para o cargo de primeiro-secretário da Câmara dos Deputados. Ele foi denunciado pelo procurador-geral da República pelo crime de aliciamento de trabalhadores e redução deles à condição de escravos. A decisão, tomada pelo Plenário do STF na tarde de quarta-feira (16), é importante para que Inocêncio, que possui imunidade parlamentar, possa ser julgado.

Inocêncio era proprietário da fazenda Caraíbas, no Maranhão, quando, em março de 2002, foram libertadas 54 pessoas que eram mantidas como escravos. Meses depois, ele vendeu depois a propriedade, que fica no município de Gonçalves Dias, no Maranhão, mas isso não o livrou de constar na primeira “lista suja” do trabalho escravo. Com isso, está impedido de receber créditos rurais dos fundos constitucionais do governo.

O adiamento causado por um pedido de vistas dos autos pelo ministro Joaquim Barbosa adiou uma possível decisão favorável a Inocêncio, uma vez que o engavetamento da denúncia já contava com dois votos: o de Eros Grau e o da relatora Ellen Gracie. A ministra defende que não há novas provas para a reabertura de investigações contra Inocêncio. Um procedimento administrativo já havia sido arquivado anteriormente pelo então procurador-geral da República Geraldo Brindeiro, que afirmou que o deputado não teria agido com dolo. Em outras palavras, havia sido sem intenção a redução dos trabalhadores à condição de escravos.

Em outubro de 2003, uma denúncia foi instaurada pelo atual procurador-geral, Cláudio Fonteles, que, ao contrário de seu antecessor, considerou culpados tanto o deputado quanto o gerente da fazenda Caraíbas, Sebastião César de Andrade. De acordo com ele, os trabalhadores estavam em um “quadro claro de servidão por dívida”.

Outras testemunhas foram arroladas, entre elas auditores que participaram da libertação. Porém, a ministra Gracie considerou que uma nova tomada de depoimentos dos auditores não seria uma prova válida para a abertura de um processo.

Ela comunga da opinião de Brindeiro e disse em seu relatório que a inexistência de “algemas” seria um dos elementos que descaracterizaria o crime de trabalho escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal. O relatório da fiscalização aponta exatamente o oposto, mostrando que a fazenda Caraíbas possuía todas as características que definem a servidão por dívida.

Vale ressaltar que “algemas” não são utilizadas para manter um trabalhador em situação de escravidão contemporânea, como afirma a ministra Ellen Gracie. Pelo contrário, o cerceamento de liberdade pode se manter de maneiras que podem ser as mais sutis, como ameaças e tortura psicológicas, passando pelo confinamento em locais ermos e distantes, até espancamentos exemplares e mortes de trabalhadores que reclamam das condições a que estão sujeitos (Leia mais: “Verdades e mentiras sobre o trabalho escravo no Brasil”).

O deputado já foi condenado em primeira instância pela Justiça do Trabalho do Maranhão, em ação civil do Ministério Público do Trabalho originada da mesma libertação, e agora aguarda julgamento de recurso no Tribunal Regional do Trabalho de São Luís. Apesar da separação dos crimes (um é trabalhista, outro criminal), uma decisão do STF pode afetar outras. Ativistas pelos direitos humanos, advogados, juízes, procuradores ouvidos pela reportagem temem que membros do TRT-MA dêem ganho de caso ao deputado devido a fortes pressões políticas.

Além de livrar Inocêncio de prejuízos com indenizações, o arquivamento do processo também vai facilitar seus próximos vôos políticos. Ele deixou o PFL, legenda que ele colaborou a consolidar, e migrou para o PMDB, de olho na possibilidade de concorrer ao governo do Estado de Pernambuco em 2006.

Nessa empreitada, tem muitos amigos. Um deles é o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que o defendeu abertamente quando um dos periódicos da própria Câmara publicou um texto em que citava o caso da denúncia de escravidão.

Durante a fiscalização na fazenda Caraíbas, uma ordem – cuja origem e razão até hoje não foram bem explicadas – fez com que os policiais federais que acompanhavam o grupo móvel de fiscalização se retirassem, deixando os auditores sem segurança.

A libertação dos trabalhadores da fazenda Caraíbas não é a única mancha no currículo de Inocêncio de Oliveira – que já foi acusado de utilizar verbas públicas do então Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) para a construção de poços artesianos em suas fazendas. Mas é a pior, por envolver uma assunto que é execrado pela opinião pública nacional.

E, além de Inocêncio, outros fazendeiros se beneficiariam de uma decisão do Supremo. O primeiro da lista é o senador João Ribeiro (PFL-TO), que também foi denunciado por Cláudio Fonteles ao Supremo Tribunal Federal por aliciar 38 trabalhadores rurais e sujeitá-los à condição de escravos na fazenda Ouro Verde, de sua propriedade – município de Piçarra, no Pará. Os libertados em ação de fiscalização em fevereiro de 2004, estavam em alojamentos precários feitos com folhas de palmeiras e sem acesso a sanitários. Segundo Fonteles, “a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço”.

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