PGR defende recebimento de denúncia que relata condições degradantes de trabalho

 29/03/2012

Segundo Roberto Gurgel, mais de 50 trabalhadores eram submetidos a condições degradantes de trabalho na fazenda dos denunciados

Em julgamento realizado no Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira, 29 de março, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu o recebimento do inquérito (Inq 3412) instaurado para apurar a suposta prática do crime de redução à condição análoga de escravo, tipificado no artigo 149 do Código Penal, que envolve J. J. P. de L. e A. J. P. de L. De acordo com ele, está demonstrado que mais de 50 trabalhadores eram submetidos a condições degradantes de trabalho na fazenda de propriedade dos denunciados.

Gurgel afastou a alegação de que o processo é nulo por não ter sido precedido de inquérito policial, tendo por fundamento relatórios e autos de infração da equipe de fiscalização do trabalho, composta por auditores fiscais e procuradores do trabalho, além de delegados e agentes da Polícia Federal. "O inquérito não é elemento imprescindível ao oferecimento da denúncia e, havendo elementos probatórios que revelem a existência do crime e contenham indícios suficientes de autoria, a denúncia poderá ser oferecida sem a necessidade de instauração do inquérito policial", disse.

Ele também rechaçou a consideração da defesa de que a denúncia seria inepta por não descrever as condutas com todos os seus elementos. "Estou prestes a completar 30 anos de Ministério Público Federal e jamais vi uma denúncia a que não fosse atribuída a pecha de inépcia", lembrou. Conforme explicou, basta a leitura da denúncia para se ver que ela é extremamente minuciosa, baseada nos laudos e elementos colhidos pela equipe móvel da fiscalização do trabalho, descrevendo todos os fatos que foram apurados.

Segundo o PGR, o caso enquadra-se na situação de autoria mediata, que a doutrina denomina de "autoria de escritório", na qual os autores intelectuais do crime, que têm o domínio do fato, planejam a atividade de seus subordinados, os quais, contudo, não podem ser considerados meros instrumentos dos seus superiores hierárquicos. "Na verdade, subordinados, ao alegarem que estavam apenas obedecendo ordens, nem os dirigentes, ao afirmarem que desconheciam a ação de seus subordinados, podem furtar-se de sua responsabilidade penal pelas infrações cometidas", afirmou.

O procurador-geral esclareceu ainda que, nesta fase de apreciação do recebimento da denúncia, não se pode exigir do Ministério Público que tenha a mesma prova que é exigível para a condenação dos réus. "Isso não é, alem de tecnicamente sustentável, minimamente razoável; o que cabe ao Ministério Público neste momento é demonstrar que há indícios suficientes de materialidade e autoria que permitam a instauração da investigação", defendeu.

Condições degradantes – De acordo com ele, o relatório da equipe de fiscalização é suficiente para ter-se uma ideia da situação degradante a que estavam submetidos os trabalhadores na fazenda dos acusados: eles eram obrigados a trabalhar à exaustão, muitas vezes mais de 12 horas consecutivas por dia; e também trabalhavam à noite, em turno de revezamento, sem observância do descanso do domingo. Segundo afirmou, as condições de trabalho eram desumanas e sem a observância das condições mínimas de segurança. "Estamos falando de cortadores de cana-de-açúcar que, quando não utilizam dos equipamentos adequados, sofrem ferimentos de extrema gravidade."

O PGR disse ainda que os alojamentos onde os trabalhadores dormiam não ofereciam o mínimo de conforto: não havia colchões, mas pedaços de espuma sem qualquer revestimento, absolutamente imundos. Segundo explicou, a ventilação era extremamente precária, por meio de buracos na parede, e também as condições sanitárias eram péssimas. "A fazenda não tinha banheiros para os empregados, que eram obrigados a satisfazer suas necessidades em improvisados de lona sem fossa." Além disso, destacou que a água que os empregados bebiam não era filtrada e, de acordo com relatos, também não havia cantina próxima ou qualquer outro estabelecimento onde pudessem comprar comida, sendo alimentados por "quentinha" em péssimas condições.

Segundo Gurgel, o fato de a empresa ser um dos maiores empregadores dos estados de Alagoas e Minas Gerais só aumenta a reprovabilidade da conduta dos denunciados, pois o porte da empresa não deixa dúvida quanto à sua capacidade financeira de oferecer condições laborais dignas a todos os seus funcionários, inclusive aqueles que realizam o desgastante e perigoso trabalho nos canaviais.

Secretaria de Comunicação
Procuradoria Geral da República 

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