Senador faz ofensiva na Justiça para evitar punição por trabalho escravo

Estratégia de João Ribeiro, em cuja fazenda no Pará foram encontrados 38 trabalhadores reduzidos à condição de escravos, é desqualificar ação do grupo móvel responsável pelo flagrante e, por conseguinte, o processo contra ele em tramitação do STF, que pode resultar na perda da imunidade do parlamentar
Por Leonardo Sakamoto
 14/04/2005

O senador João Ribeiro está utilizando todas as armas de que dispõe para tentar se livrar das punições por aliciar e reduzir à condição de escravos 38 trabalhadores em sua na sua fazenda Ouro Verde, no município de Piçarra, Sul do Pará, em fevereiro do ano passado. Um dos fundadores do PFL no Estado do Tocantins, desde o dia 31 de março engrossa as fileiras do PL, trocando um partido de clara oposição por outro que faz parte da base governista.

Os trabalhadores foram libertados em ação do grupo móvel de fiscalização, envolvendo o Ministério do Trabalha e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal. Estavam em alojamentos precários feitos com folhas de palmeiras e sem acesso a sanitários. Como a fazenda é distante da zona urbana, os trabalhadores eram obrigados a comprar alimentação na cantina do “gato” (contratador de mão-de-obra) da fazenda, com preços bem acima da média, ficando presos a uma dívida fraudulenta. Também eram cobrados pela utilização de equipamentos de proteção individuais (EPIs), cuja distribuição deve ser garantida sem custos pelo empregador.

Condenado pela juíza titular da Vara do Trabalho de Redenção, também Sul do Pará, no dia 22 de fevereiro, o congressista terá que pagar R$ 760 mil ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. A sentença, proferida por Léa Helena Pessoa Sarmento, prevê, além da indenização por danos morais coletivos, o cumprimento de obrigações, como a adequação da fazenda às normas trabalhistas. Durante o processo, aberto por uma ação civil do Ministério Público do Trabalho, a Justiça havia decretado a indisponibilidade de alguns bens do senador, entre eles a própria fazenda, bem como o gado nela criado.

Este é o maior valor já aplicado em uma sentença condenatória por trabalho escravo no país. Um valor maior de indenização (R$1.350.440,00) já foi obtido, porém através de um acordo, entre o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e a empresa Jorge Mutran por escravidão na fazenda Cabaceiras, em Marabá (PA).

Ao se referir, em discurso na tribuna do Senado, a um outro caso de proprietário autuado por trabalho escravo no Tocantins, Ribeiro apelou: “Senhores fiscais do trabalho, complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”.

No plano criminal, João Ribeiro foi denunciado pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal pelo mesmo motivo. Ele também denunciou Osvaldo Brito Filho, administrador da fazenda. De acordo com o procurador-geral, os acusados incorreram nas penas dos artigos 207, § 1º; 203, § 1º, I e 149 [que trata da redução de uma pessoa à condição análoga a de escravo] do Código Penal. Segundo Fonteles, “a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço”.

Um detalhe: Osvaldo Brito Filho trabalhou na Câmara dos Deputados para o então deputado federal, João Ribeiro, como assessor parlamentar, de 1995 a 2003.

Vale lembrar que outro conhecido congressista já foi condenado em primeira instância na Justiça do Trabalho por escravidão. Em março de 2002, 54 trabalhadores foram resgatados da fazenda Caraíbas, do deputado federal Inocêncio Gomes de Oliveira (também ex-PFL e atual PMDB-PE), localizada em Gonçalves Dias, no Maranhão. O deputado aguarda julgamento de recurso no Tribunal Regional do Trabalho de São Luís e também do julgamento da abertura de um processo contra ele no Supremo Tribunal Federal, pela mesma razão.

Guerrilha judicial
A decisão da Justiça do Trabalho não é a que mais preocupa o senador, mas sim a abertura no Supremo Tribunal Federal de um processo a partir da denúncia do procurador-geral da República. O inquérito número 2131 está nas mãos do relator, ministro Gilmar Mendes. Caso o STF decida por abrir um processo e caso se confirme a quebra de decoro parlamentar, o senador pode vir a perder o seu mandato (com término previsto em 2011). Além, é claro, que uma vez suspensa a sua imunidade parlamentar, ele pode responder penalmente ao crime – que prevê punição de dois a oito anos de prisão.

Além de já estar recorrendo contra a decisão da Justiça do Trabalho, o senador tenta desqualificar a ação do grupo móvel e, por conseguinte, o inquérito que está tramitando no Supremo.

Primeiro, ele conseguiu uma decisão da Vara do Trabalho de Araguaína (TO) em que a justiça aceita que não havia vínculo empregatício entre a fazenda e Osvaldo Brito, também indiciado no caso. A juíza Solyamar Dayse Neiva proferiu sentença no dia 26 de janeiro sem ter ouvido testemunhas, confiando na declaração dos envolvidos. E havia várias pessoas que poderiam atestar o contrário – de trabalhadores libertados, auditores fiscais, policiais, procuradores à própria vizinhança da propriedade rural. Além disso, juristas ouvidos pela reportagem afirmam que o foro correto para se julgar essa ação seria o Pará e não Tocantins como foi feito.

Uma decisão judicial afirmando que não havia vínculo bate de frente com a denúncia do procurador-geral da República que afirma exatamente o contrário, baseado nas informações do grupo móvel de fiscalização e também em investigações do próprio Ministério Público Federal. Após isso, João Ribeiro ajuizou ação cautelar contra a União Federal/Ministério do Trabalho e Emprego, diante da 1a Vara do Trabalho de Palmas, capital do Tocantins, devido à ação do grupo móvel de fiscalização. Pede a suspensão dos autos de infração, negando a existência de vínculo empregatício entre ele e os trabalhadores. Alega que os agentes públicos não cumpriram corretamente com o seu dever.

Reinaldo Martini, então juiz da referida Vara, negou a liminar e marcou audiência entre os lados envolvidos para o dia 25 de abril. A advocacia da União deverá representar o Ministério do Trabalho e Emprego/Delegacia Regional do Trabalho. A ação pode ser julgada em Palmas, ser transferida para o Pará (a fazenda onde ocorreu a fiscalização fica naquele estado) ou para Brasília – sede da Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, responsável pelo grupo móvel. A última opção é a melhor por configurar-se "território neutro" para uma decisão.

Mudança de partido
“É um partido que se identifica mais comigo neste momento, com minha doutrina, com minha maneira de pensar e agir”, afirmou Ribeiro em discurso no Senado no dia d
e sua filiação ao PL, em 31 de março. Considera que é um partido em grande evolução e que lhe dará maior interlocução com o governo federal.

O vice-presidente da República, José Alencar, também do PL, disse na cerimônia de filiação que a entrada do senador no partido é de grande importância para o Tocantins e principalmente para o país: “Estamos diante de um senador que representa o Tocantins e uma força nova na política. Ele vem para enriquecer o nosso partido e tem mérito para ser um dos mais importantes de representantes no Senado”. A imagem do senador com o vice-presidente está sendo veiculada pelos canais de TV do Tocantins.

A reportagem falou com a assessoria de imprensa do senador em Brasília, mas não obteve retorno até a veiculação desta matéria.

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