A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) lançou nesta terça-feira (24) um estudo com dados que podem ser considerados uma luz no fim do túnel da violência e do medo que crescem cotidianamente no país. O relatório “Mapa da Violência de São Paulo”, que apresenta um levantamento sobre homicídios, suicídios e acidentes de transporte em 645 municípios, mostrou que, de 1999 a 2003, os indicadores de violência diminuíram significativamente no estado, numa taxa média de 5% ao ano. De 1993 a 2003, o número de homicídios cresceu 50,8% – de 93 a 98 o aumento da violência homicida cresceu na ordem de 8% ao ano, enquanto o Brasil apresentava índices inferiores. De 99 em diante, ao contrário do Brasil, que seguiu apresentando elevações no setor, São Paulo reverteu o cenário. Esta é a primeira vez que o Mapa da Violência, a mais longa série publicada pela Unesco no Brasil – é feito especificamente para um Estado.
“Como vimos um quadro sistemático de redução, decidimos estudar São Paulo. Para nós, era importante ter um exemplo, porque a sociedade não tem um comportamento pró-ativo de enfrentamento da violência; dá isso como natural e aceita esta situação. Queríamos mostrar para outros estados que eles podiam fazer a mesma coisa”, explicou um dos autores do estudo, o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador regional da Unesco em Pernambuco.
A boa fórmula para lidar com o problema, segundo a análise da organização internacional, combina um maior investimento do governo na segurança pública com ações conjuntas entre instituições públicas e privadas sustentadas por uma grande mobilização da sociedade para o tema. Para a Unesco, ficou evidente que São Paulo não realizou nenhum projeto central, ao estilo “Operação Mãos Limpas” da Itália, ou o “Tolerância Zero” de Nova York, ou o Policiamento Comunitário de Boston, que explicasse as quedas sistemáticas dos níveis de criminalidade do Estado. O declínio dos índices de violência resulta de uma série de fatores que, isolados, não conseguiriam explicar o fenômeno, mas que, articulados, evidenciam que o conjunto é superior às partes que o compõem.
Como o reaparelhamento material e intelectual da estrutura de segurança pública do Estado, embora robusto, não seria suficiente para explicar isoladamente à queda de violência registrada a partir de 1999, a conscientização e organização da sociedade civil paulista aparece como um dos principais fatores. Outros estados também criaram fóruns de segurança ou comitês de combate à violência. A diferença é que, nos outros locais, quase sem exceção, houve um chamamento do poder público. “Em São Paulo, a iniciativa partiu de uma base social com forte capacidade de pressão e iniciativa. No Estado, a classe média formadora de opinião e um setor detentor de boa parte do Produto Interno Bruto estadual, passou a pressionar o poder público em todas as suas instâncias, visando à redução da violência”, diz o relatório.
O exemplo do Instituto São Paulo Contra a Violência
O estudo cita o exemplo do Instituto São Paulo Contra a Violência (SPCV), que surgiu no final de 1997 para promover a colaboração entre poder público e sociedade civil no desenvolvimento de ações visando à redução da violência. Uma de suas principais ações foi a criação do Fórum Metropolitano de Segurança Pública, que conta com a participação de 39 prefeitos da Região Metropolitana de São Paulo filiados a oito partidos diferentes. Fazem parte do Fórum as seguintes legendas: PMDB, PSDB, PT, PSB, PL, PTB, PV, PFL e PPS. Relatórios de impacto e dados da própria Secretaria de Estado da Segurança Pública demonstram a participação efetiva do Fórum na redução das taxas de violência da capital e de sua Região Metropolitana. Os municípios que participam do grupo apresentaram redução na taxa de homicídio de 6,3% ao ano, entre 1999 e 2003; o resto do Estado ficou em 1,6%.
“Há um movimento mundial para os municípios atuarem decisivamente no campo da segurança pública, de forma, claro, complementar à atuação dos governos estaduais. Aqui, só disputamos que os índices de violência continuem caindo”, explicou o prefeito de Guarulhos, Eloi Pietá, presidente do Fórum. “Temos desenvolvido medidas preventivas de ação junto à juventude e a outros setores sociais. São conquistas importantes. As guardas municipais, por exemplo, criaram uma presença ostensiva do poder público nas cidades, diminuindo as taxas de criminalidade”, disse Pietá.
Os efeitos da “Lei Seca”
Uma das principais vitórias do Fórum foi ter levado 16 municípios da Região Metropolitana de São Paulo a adotar a lei que regulamenta o horário de funcionamento dos estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas. A medida, que ficou conhecida como Lei Seca, contribuiu diretamente para a redução dos homicídios. A taxa média de homicídios dolosos anterior à adoção da Lei Seca nessas cidades era de 55,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Após a implantação da lei, a taxa caiu para 39,3 para cada 100 mil – uma queda de 28,8%. Os municípios que não adotaram a Lei Seca apresentaram redução de 19,8%.
“Às vezes a sociedade fica acuada diante de tanta violência, mas não foi o que aconteceu em São Paulo. São resultados que começam a salvar vidas. Mas não podemos sentar nesses dados. A mobilização tem que continuar para que índices aceitáveis voltem. Mas a boa notícia é que estamos no caminho certo”, acredita Denis Mizne, diretor executivo do Instituto Sou da Paz. Desde 1997, a organização desenvolve uma campanha pelo desarmamento no país.
Programa Escola da Família
Outra iniciativa citada no estudo como fundamental no combate à violência no Estado foi o programa Escola da Família, executado pela Secretaria da Educação e por prefeituras municipais em parceria com a própria Unesco e com outras organizações não-governamentais. O programa, iniciado em agosto de 2003, abre 5.306 escolas públicas nos finais de semana, em 645 municípios, oferecendo atividades de cultura, esporte, lazer e educação para o trabalho. O projeto proporcionou um aumento da participação comunitária e a redução das ocorrências de violência registradas no entorno das escolas e no seu interior.
Em agosto de 2003, foram registradas 2,1 milhões de participações. Em agosto de 2004, esse número cresceu para 7,7 milhões – um aumento de 352%. Uma comparação entre o período de setembro de 2002 a fevereiro de 2003 (quando o programa ainda não havia sido implantado), com setembro de 2004 a fevereiro de 2005 (quando as escolas já estavam abertas), indica uma redução de 36% no total das ocorrências policiais registradas das dentro da escola e no seu entorno. Se considerarmos que as principais vítimas da violência em São Paulo são jovens de 18 a 25 anos de idade, o alvo não poderia ter sido melhor escolhido.
“O grande problema da violência é a inclusão social. No Brasil, temos 34 milhões de jovens; 7 milhões estão fora da escola e do mercado de trabalho. Falta democratizar o acesso à educação, porque a política repressiva é mais cara. Um jovem no ensino médio custa R$ 1.200,00 ao governo, contra os R$ 4 mil que um adolescente custa na Febem”, conclui o representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein.
Da Agência Carta Maior