A população assume poder institucional e decide o próprio caminho
Os conselhos são um espaço em que governo e sociedade civil discutem políticas públicas e sua implantação, e estão presentes desde o âmbito local – na escola, no posto de saúde –, até o municipal, onde reúnem representantes de vários distritos. Alguns são obrigatórios, exigidos por leis federais, mas cada município pode criar os que julgar necessários. Em São Paulo, há conselhos em áreas como, por exemplo, segurança urbana, moradores de rua, parques, idosos, etc. E, na Câmara dos Vereadores, há projetos para implementação de vários outros, como os das creches e dos Centros Educacionais Unificados (CEUs).
O Orçamento Participativo (OP) também é uma espécie de conselho. Porém, em vez de debater intervenções em áreas específicas, discute qual será o destino das verbas do município – no caso de São Paulo, não há representantes do governo com direito a voto.
Mas quem são os participantes desses conselhos que deliberam sobre o futuro da cidade? Em sua maioria, entidades civis e organizações não-governamentais (ONGs) e, em menor número, indivíduos com atuação independente. De acordo com Adrián Lavalle, professor de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), essas organizações são atores com capacidade de agregação de interesses e de representação. Em outras palavras, são porta-vozes de grupos de pessoas que compartilham as mesmas opiniões. Um bom exemplo é a rede de organizações que atuam no combate à Aids e ajudaram a transformar o Brasil em modelo mundial em saúde pública nessa área.
Lavalle é responsável por uma extensa pesquisa do Cebrap a respeito do papel da sociedade civil nas decisões políticas em São Paulo. Uma das conclusões do estudo refere-se ao fato de que os integrantes dos conselhos e do OP têm importantes ligações com partidos políticos e com o Estado. Vale lembrar que as lutas pelo direito de participação popular surgiram no interior dos movimentos de esquerda, mas esse vínculo não implica perda de independência na tomada de decisões. Isso é comprovado pelos enormes embates entre esses atores e o Partido dos Trabalhadores (PT), amplamente retratados pela mídia desde que o partido assumiu o governo federal.
Futuro
Com a crescente influência da população no processo decisório, o sistema de representação, com parlamentares eleitos pelo voto, chega a uma encruzilhada. "Quando surge um espaço em que a figura de um mediador, que é o político, torna-se dispensável, as pessoas passam a dizer: ‘Eu tenho poder, também posso tomar parte nas decisões’ ", afirma Ana Cláudia Chaves Teixeira, coordenadora de projetos do Instituto Pólis, ONG que atua no setor de participação popular.
O conflito entre esse poder que emerge e o convencional já apresenta reflexos na própria Câmara dos Vereadores. O compromisso da prefeita Marta Suplicy de instituir conselhos de representantes em cada subprefeitura, com poder decisório e membros eleitos pelo povo, até agora não pôde ser cumprido. Há vereadores que acreditam que perderão influência com essa mudança e pressionam o governo para que haja um esvaziamento do projeto, ou seja, nada de eleições diretas ou conselhos com poder deliberativo. Alguns temem ficar sem o instrumento clientelista de poder asfaltar uma determinada rua e não outra, empregar conhecidos e correligionários…
A aprovação do projeto de lei 1/2001, que institui esses conselhos, depende de 28 dos 55 votos da Câmara, mas enfrenta muita resistência – inclusive na base governista. Vale lembrar que, historicamente, a indicação por vereadores de subprefeitos (no passado, de administradores regionais) tem funcionado como moeda de troca, usada para garantir apoio político à prefeitura.
"Esse conflito é um problema para as instituições políticas tradicionais, que obviamente se recusam a ceder poder. Mas, se tudo der certo, talvez consigamos cristalizar novas formas de representação de interesses que ampliem a participação popular", afirma Lavalle. "Essas novas modalidades de atuação surgiram após a promulgação da Constituição de 1988. É pouco tempo para uma história de 500 anos de um Estado que foi se formando com perfil autoritário, permeado de corrupção e com uma máquina pública que opera de maneira não transparente", conclui Ana Cláudia. Ela aposta que a experiência dos conselhos e do Orçamento Participativo poderá resultar em uma efetiva partilha de poder no futuro.