A Medida Provisória 239, editada pelo presidente Lula em 18 de fevereiro deste ano como parte do “Pacote Verde” contra a violência na Amazônia logo após o assassinato da missionária Dorothy Stang em Anapu (PA), foi aprovada na Câmara dos Deputados na noite desta terça-feira (31) após intensas negociações entre a Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o PSDB, que detinha a relatoria do texto. A nova lei, que ainda passará por apreciação no Senado, permite ao governo “interditar” áreas de floresta por sete meses através do mecanismo de limitação administrativa provisória, evitando qualquer intervenção de desmatamento sobre a mata nativa enquanto duram estudos para a criação de Unidades de Conservação.
À época de sua edição, o principal objetivo da MP foi a intervenção em 8,2 milhões de hectares às margens da rodovia BR 163, no Pará, principal foco da ação de grileiros e de conflitos por disputas de terra. O decreto, que impedia todo e qualquer desmatamento da mata primária da área por seis meses (prorrogáveis por mais seis) enquanto durassem os estudos sócio-ambientais do MMA, não criou unidades de conservação, como parte da imprensa divulgou, mas previu a paralisação do desmatamento.
Vitória governista
Considerada uma importante medida do governo no combate à violência no Pará, estado recorde de assassinatos de lideranças sociais e violência contra pequenos agricultores, a MP 239 por pouco não naufragou nas mãos do PSDB, partido do relator Nicias Ribeiro (PSDB-PA).
Alegando inconstitucionalidade da matéria, que não se caracterizaria de urgência para ter sido transformada em medida provisória, Ribeiro em um primeiro momento rejeitou o texto em seu parecer, o que, segundo ONGs ambientalistas como o Instituto Socioambiental (ISA), seria mais uma elemento do perrengue político das últimas semanas entre governo e oposição. Para os ambientalistas, que iniciaram uma forte campanha pela aprovação da MP junto aos parlamentares assim que foi divulgada a decisão de Ribeiro, a sua rejeição, no momento em que foram divulgados os números recordes do desmatamento no Brasil, seria uma legitimação do Congresso das práticas de grilagem e degradação ambiental.
“Se o Legislativo tivesse optado pela rejeição da MP, de certa forma estaria afirmando sua conivência com a violência e o assassinato da irmã Dorothy”, também avaliou o secretário geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Adilson Vieira.
A decisão de rever o parecer original, no entanto, se deu através de um longo processo de negociação entre o relator, técnicos do PSDB e o MMA. Havia uma série de pressões de mineradoras, que temiam a paralisação de suas atividades durante a vigência da limitação administrativa provisória, bem como agropecuaristas já estabelecidos na área interditada no Pará.
“O que aconteceu, na verdade, foi uma confusão na interpretação do texto original. A MP nunca previu a interrupção das atividades já estabelecidas nas áreas sob intervenção, apenas proíbe aumento do desmate e a instalação de novas atividades. Esclarecemos isso junto ao relator e ao novo texto da lei de conversão”, explica Marcio Mercadante, assessor do MMA. A maior modificação no texto original, após o acordo com o PSDB, é a vigência da interdição, que ficou estabelecida em sete meses sem prorrogação do prazo.
Impacto sócio-ambiental
Segundo o secretario de biodiversidade e florestas do MMA, João Paulo Capobianco, o principal impacto da nova lei deve ser a inibição da corrida desenfreada de grilagem e desmatamento sobre áreas em estudo para projetos de preservação, prática comum de grileiros e fazendeiros.
“A corrida do desmatamento é uma tática comum destes agentes, na perspectiva de criar um fato consumado de ocupação e desmatamento ilegais quando há uma iniciativa de criação de projetos de preservação. É entrar, derrubar a mata e requerer direito sobre a área. Com a nova lei de limitação administrativa provisória, este processo será brecado”, explica Capobianco.
Segundo ele, tanto o Incra como o Ibama devem trabalhar em parceria na coibição do desmatamento e da grilagem. Apenas este ano, o Ibama aprendeu 54 mil metros cúbicos de madeira ilegal, dos quais grande parte era proveniente dos 8,2 milhões de hectares agora interditados no Pará. “Esse volume se deve ao fato do aumento das operações do Ibama. Já foi possível constatar, no entanto, uma grande diminuição das atividades de desmatamento. Sobre a questão fundiária, 95% da área é da União e foi grilada ou cedida para uso de fazendeiros. Regulamentar a sua ocupação é trabalho do Incra”.
Em relação à área interditada, Capobianco explica que o MMA terminou os estudos e levantamentos de informações necessários para iniciar os projetos de destinação e de Unidades de Conservação, que devem ser, em grande parte, Florestas Nacionais (passíveis de exploração de forma sustentável para extração de madeira). Parte da área deverá ser destinada à preservação integral da biodiversidade, e parte poderá ser transformada em reservas extrativistas.
Sobre o impacto social da medida, o secretário acredita que, ao facilitar a criação das Unidades de Conservação, a grilagem e a violência na disputa de terras diminuirá, uma vez que se extinguem as expectativas de titulação. “A criação de unidades de conservação em áreas de conflito tem sido uma estratégia do governo para combater a violência. Antes, estes projetos eram criados apenas em zonas periféricas. O que vemos hoje em Porto de Moz, por exemplo, onde criamos a reserva extrativista Verde para Sempre, de 1 milhão de hectares, é que, após um acirramento imediato das ameaças de madeireiros contra líderes comunitários, a situação acalmou muito. Toda vez que há uma intervenção drástica do Estado, se acirra o processo de violência. Mas a simples destinação das áreas já impede que particulares façam seus planos para elas”.
Da Agência Carta Maior