É enorme a quantidade de serrarias espalhadas pelos pequenos distritos que margeiam a BR-364, no extremo oeste de Rondônia. Da rodovia, ramais de terra batida sobem em direção ao município de Lábrea, já no Amazonas, onde transitam caminhões carregados de toras. Clareiras gigantes, crivadas de rastros de maquinário pesado, evidenciam a intensa – e onerosa – atividade de extração ilegal de madeira que vara as madrugadas. Do alto, as derradeiras sumaúmas e castanheiras reinam solitárias, mostrando que a madeira mais valiosa já foi retirada.
Este município no extremo sul do estado do Amazonas, na fronteira com o Acre e Rondônia, é hoje a quarta área mais desmatada na Amazônia. E também a quarta com mais focos de incêndio, atrás de Altamira (PA), Porto Velho (RO) e São Félix do Xingu (PA), segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – cidades que também lideram os rankings de desmatamento no país.
Mergulhada no caos fundiário e na violência, Lábrea é um símbolo de como o fogo na Amazônia, que catapultou o Brasil ao centro de uma crise internacional de diplomacia ambiental, tem relação direta com o desmatamento.
Com o início da estação seca, o município viu os focos de queimada dispararem de 10, em junho, para 119, em julho, e 1.512 até o dia 26 de agosto. “Incendiou muito mesmo, tanto em área de pasto como de desmatamento”, declarou João Nunes, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Acrelândia, cidade acreana próxima do limite sul do Lábrea, onde estão localizados a esmagadora maioria dos polígonos desmatados e dos focos de incêndio.
A Repórter Brasil esteve em Lábrea em junho – mais precisamente no turbulento sul do município, onde as instituições não chegam. Um olhar mais aproximado sobre a dinâmica da exploração da floresta naquela área adiciona outras variáveis à equação que explica a devastação galopante da maior floresta tropical do mundo.
A ausência de autoridades no sul da cidade dá carta branca para todos os tipos de crimes. Movida pela extração ilegal de madeira, a região vive também um caos fundiário e uma sucessão de assassinatos não resolvidos.
Após um homicídio recente, apenas um entre os recorrentes na região, amigos e familiares se viram obrigados a remover o corpo da vítima com as próprias mãos — 36 horas depois da morte. Eles haviam chamado a Polícia Militar do Amazonas, que nunca apareceu. Os policiais de Acre e de Rondônia não poderiam atender a demanda, já que o crime aconteceu em solo amazonense.
Corrupção, milícia e queda nas multas
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) era das poucas lembranças do Estado brasileiro que chegava à região. O destacamento pertencia à Superintendência do órgão no Acre.
No entanto, a Operação Ojuara, da Polícia Federal e da Força-Tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal, deflagrada em maio deste ano, constatou irregularidades na atuação do órgão. As denúncias de corrupção, constituição de milícia privada, divulgação de informações sigilosas, lavagem de dinheiro e associação criminosa envolvem 22 acusados. Entre eles, o Superintendente do Ibama no Acre, Carlos Francisco Augusto Gadelha, preso por facilitar crimes ambientais justamente no sul do Amazonas, entre os municípios de Boca do Acre e Lábrea.
Desde a operação, a chefia do órgão ambiental no Acre está vaga – assim como a do Amazonas, segundo informações do site do Ibama.
A fiscalização ambiental acéfala se manifesta na redução significativa das multas ambientais emitidas na região. De janeiro a agosto de 2018, o Ibama do Amazonas havia emitido 642 autos de infração relativos a crimes contra a flora – caso de desmatamento ilegal e queimadas. Neste ano, no mesmo período, foram 388 – queda de 60,4%. Em Lábrea, não é diferente: o número de infrações autuadas diminuiu quase 60% entre 2018 e 2019.
Caos fundiário
Essa combinação de apagão ambiental com o discurso permissivo emitido por várias instâncias do executivo federal – seja pelas pastas do Meio Ambiente, como da Agricultura, como pela própria Presidência da República – torna o sul de Lábrea uma das regiões mais inflamáveis do campo brasileiro. Queimadas e desmatamento são apenas a face identificável por imagens de satélite desse fenômeno. Mas o que os catalisa é o completo caos fundiário em que a área está mergulhada.
Ali, a colonização da Amazônia, em sua pior versão, ainda está em pleno curso. Por onde se anda, os relatos são de uma região conflagrada de conflitos fundiários, ocupada por grileiros de diversos calibres, todos alegando possuir um quinhão de terra sem um documento legal que o comprove.
Os colonos vieram do Sul, Sudeste, de Mato Grosso, Acre e Rondônia interessados na riqueza da madeira que ainda se encontra ali.
Títulos de propriedade de terra se sobrepõem uns aos outros, enquanto outros têm suas coordenadas completamente adulteradas. Há até uma série de propriedades que deriva de um título emitido pela Bolívia em 1899, antes mesmo da consolidação dos limites territoriais definitivos do Brasil. Na busca pela garantia da posse da terra, ameaças, pistolagem e mortes são frequentes. Os poucos posseiros tradicionais que ali estão – alguns descendentes de soldados da borracha que se estabeleceram na área – vivem sob pressão constante.
Na terra sem lei e cheia de donos do sul de Lábrea, a estação seca está só começando.