Carta da CPT ao presidente Lula

 23/02/2007

Ao
Exmo. Senhor
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
Palácio do Planalto
BRASÍLIA – DF

Excelentíssimo Senhor.

A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, por meio deste, vem solicitar de V. Excia. o veto ao art. 9º do Projeto de Lei n. 6.272/2005, que cria a Receita Federal do Brasil, na parte que inclui o § 4º no art. 6º da Lei n. 10.593/2002 (Emenda Aditiva n° 3). O texto da emenda propõe condicionar a atuação fiscalizadora do Ministério do Trabalho, quando constatada relação de trabalho fraudulenta, ao prévio exame da situação pela Justiça do Trabalho, introduzindo o seguinte parágrafo no art. 6º da Lei n. 10.593/2002:
"§ 4º. No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida de decisão judicial."

Este parágrafo coloca em xeque todo o edifício da fiscalização do trabalho, especificamente a fiscalização do trabalho escravo. Invertendo a responsabilidade da prova, tradicional em matérias trabalhistas, está dando preferência à argumentação do empregador contra a da parte reputada ‘mais fraca'. O empregador poderá alegar que contratou tão somente empreendedores individuais, livres por lei de vender seus serviços e se livrar do ônus trabalhista da contratação.

Com a aprovação desta emenda, os deputados acabam de pôr no chão um dos pilares do combate ao trabalho escravo, que mereceu inclusive ao Brasil menção honrosa nos sucessivos relatórios da OIT, desde 1995. A fiscalização não tem por si só o poder de erradicar o trabalho escravo. É certo, porém, que sem ela, não se poderá fazer mais nada. Estarão assim desperdiçados anos de investimentos fundamentais do Estado, da sociedade civil, da OIT. Com isto pode-se abandonar a meta presidencial da erradicação do trabalho escravo, solenemente proclamada quatro anos atrás, quando do lançamento do Plano Nacional de Erradicação.

Sancionar tamanho recuo legal seria incompreensível. Seria uma afronta à dignidade dos milhares de brasileiros que neste século 21 ainda continuam submetidos a condições degradantes e escravas. Seria uma afronta também aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, entre eles o Termo de Solução Amistosa no Caso José Pereira. Cento e dezenove anos depois da lei Áurea, seria estabelecer de novo em lei o direito de lucrar e sangrar sem limites o trabalho de milhares de pessoas humanas.

Aproveitamos para solicitar o empenho pessoal do Presidente da República para a aprovação da PEC 438, de 2001, que prevê o confisco de terras onde for constatada a exploração de trabalho escravo. Nem a comoção nacional causada pelo massacre dos auditores fiscais em Unaí, três anos atrás, foi suficiente para sensibilizar a Câmara dos Deputados para sua aprovação.

Esperando não ficar decepcionados, subscrevemo-nos

Atenciosamente,

Pe. Dirceu Luiz Fumagalli
Pela Coordenação Nacional
da Comissão Pastoral da Terra

Goiânia, 16 de fevereiro de 2007.

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