Carta de Guarantã: Justiça Social e Trabalho com Dignidade

 30/10/2007

Os participantes da Audiência Pública “Justiça Social e Trabalho com Dignidade”, promovida pelo Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo, do Trabalho Infantil e de Proteção ao Meio Ambiente do Trabalho do Portal da Amazônia e Região, nos dias 25 e 26 de outubro de 2007 em Guarantã do Norte/MT, organizada pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Estado do Mato Grosso, Prefeitura Municipal de Guarantã do Norte, Câmara de Vereadores de Guarantã do Norte, Conselho Tutelar e  Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guarantã do Norte, com a presença de de mais de 350 participantes inscritos, vêm a público apresentar as seguintes proposições, votadas e aprovadas em Plenário, que apontam providências fundamentais à melhoria das condições de trabalho na região norte do Mato Grosso:
   
PRIMEIRO PONTO – TRABALHO ESCRAVO:

Reconhecendo a existência, em índices ainda alarmantes, de trabalhadores mantidos em condições análogas à de escravo no Estado do Mato Grosso;

Reconhecendo, também, que as providências até hoje tomadas para a prevenção e repressão do trabalho escravo não têm se mostrado suficientes ante o elevado número de denúncias e de vítimas;

Constatando que em outros Estados nos quais o trabalho escravo também se faz agudamente presente, como Pará e Maranhão, vêm sendo adotadas pelos Poderes Públicos medidas concretas para a erradicação do problema, exemplos que não estão sendo seguidos, com a mesma rapidez ou firmeza, no Estado do Mato Grosso;

Considerando que o trabalho em condições análogas à de escravo constitui um atentado à dignidade da pessoa humana, além de gerar prejuízos à toda sociedade e à imagem do Mato Grosso, tanto no plano nacional quanto no internacional;

Reivindicam:

1. A aprovação e implantação, pelo Governo do Estado, do Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, até o final de 2007, após prévia revisão do projeto atualmente existente, mediante amplo debate com os órgãos e entidades públicas e privadas que se dedicam ao tema;

2. A inclusão, no Plano Plurianual e nas leis orçamentárias, de dotações suficientes para a execução do Plano de Erradicação referido no item anterior, incluindo a construção e manutenção de casas de abrigo a trabalhadores resgatados;

3. A implantação de uma Subdelegacia Regional do Trabalho na região norte do Mato Grosso, ainda no primeiro semestre de 2008;

4. A constituição de um Grupo Móvel de Fiscalização Rural de caráter permanente, no âmbito da Delegacia Regional do Trabalho do Mato Grosso, que realize mensalmente operações de inspeções, com o acompanhamento da Polícia Federal e Ministério Público do Trabalho;

5. A ampliação do número de Auditores-Fiscais do Trabalho lotados no Estado do Mato Grosso, eis que a quantidade atual mostra-se manifestamente inferior ao mínimo necessário;

6. O reconhecimento da competência criminal da Justiça do Trabalho;

7. Criação de uma Vara Móvel permanente no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª. Região, que acompanhe as ações do Grupo Móvel;

8. Maior integração entre os órgãos e agentes de fiscalização, com a realização de operações conjuntas periódicas envolvendo o Ministério do Trabalho e Emprego (DRT), Ministério Público do Trabalho, SEMA, IBAMA, Polícia Federal, Polícia Civil e Polícia Rodoviária Federal, entre outros;

9. A capacitação dos agentes de fiscalização referidos no item anterior em questões relacionadas ao trabalho em condições análogas à de escravo;

10. A exigência, pelas Polícias Rodoviárias Federal e Estadual, da Certidão Liberatória para veículos que estejam realizando transporte interestadual de trabalhadores;

11. A ampliação, em caráter de urgência, da Defensoria Pública da União, para que preste assistência jurídica aos trabalhadores matogrossenses, reconhecendo-se a possibilidade de, até que tal providência não seja efetivada, possa a Defensoria Pública Estadual atuar em questões trabalhistas;

12. A aprovação do Projeto de Emenda Constitucional n° 438/2001, que prevê a expropriação de imóveis nos quais se comprove o uso de mão-de-obra análoga à de escravo;

13. A manutenção, no Projeto de Lei n° 5016/2005, que modifica a redação do art. 149 do Código Penal, do trabalho degradante como modalidade de trabalho em condições análogas à de escravo;

14. Criação de qualificação para trabalhadores resgatados de situação de trabalho escravo.

SEGUNDO PONTO – TRABALHO INFANTO-JUVENIL

Reconhecendo que a satisfação dos direitos da criança e do adolescente, que incluem o direito de se dedicar apenas ao estudo e ao lazer durante a infância, constitui prioridade absoluta a ser observada pelo Estado, pela família e pela sociedade;

Reconhecendo, também, que o trabalho precoce mostra-se prejudicial ao pleno desenvolvimento físico e intelectual da pessoa humana, servindo à perpetuação da miséria e das desigualdades sociais;

Constatando que o trabalho infantil se faz presente na Região do Portal, inclusive em atividades insalubres e perigosas, como na aplicação de agrotóxicos, em madeireiras, serrarias e carvoarias, bem como na exploração sexual comercial de crianças e adolescentes;

Reivindicam:

15. O retorno à atividade dos Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e de Proteção do Trabalhador Adolescente, tanto nacionalmente quanto no Mato Grosso;

16. A destinação privilegiada de recursos públicos, nos Planos Plurianuais e leis orçamentárias, para o combate ao trabalho infantil, campanhas de conscientização sobre o problema, e qualificação profissional dos jovens;

17. A ampliação da oferta de vagas, nos municípios que compõem o Portal, para o trabalhador aprendiz através do Serviço Nacional de Aprendizagem;

18. A criação de uma “lista suja” dos exploradores da mão-de-obra infantil, à semelhança da lista do trabalho escravo, com o impedimento de acesso a financiamentos públicos e subsídios fiscais;

19. A aprovação de projeto de lei que inclua no Código Penal a figura típica da utilização de mão-de-obra de crianças e de adolescentes menores de 14 anos em qualquer atividade, bem como a utilização de menores de 18 anos em atividades perigosas, insalubres ou penosas.

TERCEIRO PONTO – SAÚDE DO TRABALHADOR

Reconhecendo a urgência
da efetiva implantação de restrições ao uso indevido de agrotóxicos no meio rural, que gera danos irreparáveis à saúde de milhares de trabalhadores, incluindo câncer, malformações congênitas e esterilidade, entre outras conseqüências;

Reconhecendo, ainda, a calamitosa situação do meio ambiente de trabalho encontrado em parte dos frigoríficos existentes na região, com a ausência de cuidados mínimos com a saúde e segurança do trabalhador, e a proliferação de acidentes graves e doenças laborais, incluindo a LER/DORT;

Destacando, também, os riscos a que estão expostos os trabalhadores em madeireiras e serrarias, em muitas das quais ainda se verifica, com assustadora freqüência, a ocorrência de graves acidentes de trabalho, por vezes fatais, resultado do não cumprimento das normas de segurança do trabalho;

Reivindicam:

20. A criação, pelo Estado e por todos os Municípios, da vigilância em saúde do trabalhador, incluindo, entre outros pontos, a Vigilância de Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos;

21. Que seja priorizado, inclusive com a destinação de dotações orçamentárias pelo Governo Estadual, o desenvolvimento e divulgação entre produtores rurais de práticas alternativas para o enfrentamento de pragas;

22. Maior integração entre os órgãos e agentes de fiscalização, inclusive com a realização de inspeções conjuntas e periódicas em frigoríficos, envolvendo a DRT, órgãos da vigilância sanitária e Ministério da Agricultura, com o acompanhamento do Ministério Público;

23. A recomendação às grandes redes supermercadistas que não adquiram carne proveniente de frigoríficos nos quais as condições de trabalho atinjam níveis degradantes, e que os consumidores evitem comprar tais produtos;

24. A realização de inspeções periódicas em madeireiras e serrarias da região, incluindo operações conjuntas da DRT e SEMA;

25. A manutenção, pelas Secretarias Estadual e Municipais de Saúde, de programas de tratamento ao alcoolismo e outras dependências químicas dirigidas ao trabalhador rural, além do desenvolvimento de pesquisas sobre o tema;

26. A interiorização do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), com a implantação de uma unidade na região do Portal da Amazônia;

27. Maior orientação ao trabalhador quanto à utilização de agrotóxicos e os riscos potenciais à saúde, incluindo apresentação de vídeos e palestras em escolas.

Reivindicam os participantes da Audiência, por fim:

28. Implantação de Conselhos Municipais do Trabalho em todos os municípios do Portal, devendo o cumprimento de tal providência ser objeto de cobrança pelo Ministério Público Estadual e Ministério Público do Trabalho;

29. Que a execução das políticas públicas mencionadas na presente Carta, as quais não possuem natureza discricionária, eis que impostas pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional, seja objeto de controle pelo Tribunal de Contas, Ministério Publico, através dos seus diversos ramos, e Poder Judiciário, inclusive com a responsabilização dos administradores públicos que se omitirem em implementá-las.

30. Instalação de um novo Ofício do Ministério Público do Trabalho na região, podendo ser no município de Juína, onde já há uma Vara do Trabalho;

31. Que a atuação da Justiça do Trabalho inclua em suas atividades a orientação às comunidades sobre os direitos dos trabalhadores.

Guarantã do Norte, 26 de outubro de 2007
 

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