Jornalistas protestam contra demissão em jornal de PE

Ato realizado em Recife criticou direção do principal jornal da capital do Estado por ter demitido o editor Cícero Belmar, que autorizou a publicação de reportagem denunciando trabalho escravo. Na semana passada, o radialista Jota Cândido também foi morto em PE
Por Rosário de Pompéia e Rafael Sampaio
 04/07/2005

No dia 21 de junho, o jornalista e editor executivo do Jornal do Commercio Cícero Belmar foi demitido por ter autorizado a publicação de uma reportagem acerca da libertação de 1.200 trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravos na Destilaria Gameleira, no município de Confresa, em Mato Grosso. A destilaria pertence ao empresário pernambucano Eduardo Queiroz Monteiro, também proprietário do jornal Folha de Pernambuco (leia matéria “Jornalista é demitido por matéria sobre trabalho escravo”). Nesta sexta-feira (01), jornalistas, representantes de organizações não governamentais e de movimentos sociais, advogados e estudantes foram às ruas da capital pernambucana numa manifestação pela liberdade de imprensa no estado. O ato, organizado pelo Fórum Pernambucano de Comunicação e pelo Sindicato dos Jornalistas, aconteceu em frente ao Jornal do Commercio. A direção do veículo assistiu ao protesto pela câmera de vídeo localizada na portaria do jornal, o que inibiu a participação no ato dos repórteres da redação. Poucos se juntaram aos manifestantes e nenhum aceitou comentar a demissão de Belmar.

“Entendo porque os jornalistas da redação não estão presentes. É muita pressão. É uma ameaça permanente de perda do emprego. Sei que de coração todos eles são solidários à causa, mas a sobrevivência fala mais alto”, explica Ayrton Maciel, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco. Para ele, o caso da demissão de Belmar teria mais repercussão se a proposta de criação Conselho Federal de Jornalismo tivesse sido aprovada no Congresso. Na avaliação do Fórum Pernambucano de Comunicação, a demissão do editor executivo do Jornal do Commercio é apenas a ponta do icerberg do que acontece hoje no Brasil em relação à liberdade de imprensa. “É o momento de mostrar para a população que ainda existe censura no país, só que agora ela está privatizada”, argumenta Mariana Martins do Fopecom.

Quando era editor da Folha de Pernambuco, o jornalista Beto Rezende foi demitido por Eduardo Queiroz Monteiro por retaliação. “Na época, eu lutava pelo pagamento das horas extras e discutia como a entrega dos contras-cheques era feita, apenas cinco minutos antes do banco fechar. Depois de um mês, fui demitido por não me enquadrar na política do jornal”, explica Rezende, que tem 18 anos de profissão e passou pelas principais redações de Pernambuco.

Durante o ato, foi feita a leitura de uma nota de repúdio, assinada por diversas entidades da sociedade civil (leia íntegra abaixo). O texto critica os "donos da mídia de Pernambuco, que, numa ação conjunta, violaram o direito humano à comunicação, atacando a liberdade de imprensa e o direito à informação". Entre as entidades que aassinaram a carta, está o o Centro de Cultura Luiz Freire, que através do blogger Ombuds PE, faz a leitura crítica da mídia pernambucana. O Ombuds PE foi o primeiro veículo a divulgar a demissão de Belmar. “Esse tema foi recorde em comentários. As pessoas se sentem mais livres para expressar suas opiniões, principalmente os que trabalham nas redações, porque não precisam se identificar no blogger”, comenta Ivan Moraes, coordenador do Programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire.

Voz calada
Natural do município de Carpina, a 49 km de Recife, José Cândido de Amorim Filho, conhecido como Jota Cândido, produzia, há 19 anos, um programa policial para a Rádio Alternativa. Também era vereador (em seu segundo mandato) pelo PDT, e autor de um projeto de lei municipal contra o nepotismo. Na última quinta-feira (30), Cândido foi encontrado morto, alvejado por dezoito disparos quando entrava no prédio da Rádio Alternativa. Os disparos foram feitos por um rapaz, em uma moto. No dia 22 de maio, o radialista sofreu um primeiro atentado, quando seis tiros foram disparados contra ele. Um atingiu Cândido de raspão embaixo da axila esquerda. Ele já havia solicitado proteção policial, mas não foi atendido.

O prefeito de Carpina, Manoel Botafogo (PSDB), é acusado pelo Sindicato dos Radialistas de Pernambuco e pelo deputado estadual Carlos Lapa (PSB) de ter interesse na morte de Cândido. Lapa é enfático em apontar que Manoel Botafogo tem mais de vinte parentes empregados na prefeitura e por isso vetou a lei contra o nepotismo do vereador do PDT. Seu filho, Josafá Botafogo, é Secretário de Turismo da cidade. Marta Botafogo, sua filha, é chefe do departamento pessoal da prefeitura. Rinaldo Botafogo, também seu filho, é diretor de Transportes da cidade. Eunice Botafogo, outra filha, é Secretária Adjunta da Prefeitura. Júnior Botafogo, seu sobrinho, é Secretário Adjunto. Raquel Botafogo, outra filha, é tesoureira da Prefeitura. E Jacilene Botafogo é diretora de unidade mista das Secretarias.

Lapa ainda acusa a Prefeitura de superfaturar eventos na cidade. A festa junina de Carpina, por exemplo, para cujo orçamento estava previsto um gasto de R$ 150 mil, custou R$ 600 mil para o poder público. “Acredito que o crime tem origens políticas. O deputado Antônio Morais (PSDB) chegou a mentir em programa de rádio, à época do primeiro atentado. Disse que Jota Cândido não havia sido alvejado coisa alguma. Que estava fingindo”, disse. Segundo o sindicato, ao assumir o mandato, em janeiro de 2005, Botafogo teria diminuído o salário dos garis e servidores de saúde e aumentado em 90% o salário de cargos comissionados.

Na próxima quarta-feira (6), o Fórum Pernambuco de Comunicação e o Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco continuam o debate sobre a liberdade de imprensa no estado no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, às 9h.

Nota de Repúdio

As entidades, movimentos e redes abaixo assinados vêm a público repudiar a atitude dos donos da mídia de Pernambuco, que, numa ação conjunta, violaram o direito humano à comunicação, atacando a liberdade de imprensa e o direito à informação.

A Agência Carta Maior, dia 17 de junho, noticiou com exclusividade a realização de uma operação do Ministério do Trabalho, onde foram libertadas mais de 1.200 pessoas da Destilaria Gameleira, no município de Confresa (MT). No último dia 18, a Agência Folha, de São Paulo, distribuiu material sobre esse fato que em Pernambuco foi publicado exclusivamente pelo Jornal do Commercio. O texto acrescentava que "segundo os fiscais do Ministério Público do Trabalho que investigaram as irregularidades, existem indícios de que o grupo estava sendo submetido a trabalho escravo em uma lavoura de cana-de-açúcar de uma destilaria. As terras são de propriedade de Eduardo Queiroz Monteiro" (sic).

A publicação da matéria foi autorizada pelo jornalista e então editor executivo do jornal C&ia
cute;cero Belmar e registrou que o empresário Eduardo Queiroz Monteiro, dono do Grupo EQM, ao qual pertence também a Folha de Pernambuco e a Rádio Folha, não deu retorno às ligações da reportagem.

Publicada a matéria, o empresário João Carlos Paes Mendonça, dono do Sistema JC de Comunicação, determinou a demissão sumária do jornalista Cícero Belmar. A justificativa da demissão foi de que ele não devia ter sido publicado, pois isso estremecera a relação de "amizade" entre o dono do JC e o dono da Folha de Pernambuco.

Durante esse processo, os três maiores jornais pernambucanos violaram a liberdade de imprensa e quebraram pelo menos quatro itens dos dez que formam o código de ética da própria ANJ (Associação Nacional dos Jornais).

O Jornal do Commercio, ao demitir o jornalista, não prezou pela própria independência e deixou que interesses de terceiros influíssem nas decisões internas do periódico.

A Folha de Pernambuco, de propriedade do próprio Eduardo Queiroz Monteiro, omitiu a informação divulgada pela agência de notícias, não por considerar o fato sem importância. Mas única e exclusivamente porque a matéria poderia prejudicar os negócios de seu dono.

Aparentemente alheio à seqüência de eventos, o Diário de Pernambuco também errou, ao se omitir durante o processo. O DP restringiu-se de divulgar a matéria para não prejudicar interesses do Grupo EQM.

Embora os jornais sejam empresas privadas, é fato que praticam um serviço público, que é a apuração e distribuição de informações. Para isso, o mínimo que se espera é o cumprimento e um código de ética por eles mesmos criados. Esperamos que essas violações sejam devidamente apuradas e que medidas sejam tomadas para que a população não seja mais uma vez prejudicada em nome dos abusos dessa "liberdade de empresa" inconstitucional vigente no país.

Fórum Pernambucano de Comunicação
Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco
Cris Brasil – Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação
Centro de Cultura Luiz Freire
Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social – Cendhec
Ação em Rede pela Criança e o Adolescente
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – Abong
Centro Nordestino de Animação Popular – Cenap
Centro Josué de Castro
ONG Novo Mundo
Observatório Negro
Grupo Gay de Pernambuco
Sinos
Comissão Pastoral da Terra
Dignitatis
Escola de Formação Quilombo dos Palmares – Equip
Gestos
Ventilador Cultural
Instituto Paulo Freire
Coletivo Mulher Vida
Graúna – Juventude, Arte e Desenvolvimento
Associação de Entidades na Zona da Mata
Oficina de Notícias
Grupo Origem
Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares – Gajop
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST
Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões – Sempri
Agência de Notícias Esperança – Anote
Movimento Cearense pela Democratização da Comunicação – MCDC
Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj
Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – Enecos
Núcleo Piratininga de Comunicação

Da Agência Carta Maior

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