A Unidade de Internação 5 da Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor), localizada no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, é uma das mais problemáticas do sistema em todo o país. Alvo constante de denúncias de tortura e espancamento, de todas as rebeliões que aconteceram na Febem este ano, 13 (CHECAR) foram no Complexo Tatuapé. De lá, saíram os 541 jovens com idade entre 18 e 21 anos enviados pelos governo do estado para o presídio de segurança máxima de Tupi Paulista, no interior de São Paulo. Na cadeia, os adolescentes continuam sofrendo agressões e o diretor do presídio declarou recentemente que os guardas têm ordem para atirar nos jovens se necessário. Os que ficaram na capital, não tiveram alterada sua situação. As condições de funcionamento da UI-5 seguem insuficientes há anos. Em maio de 2003, a unidade foi palco de incêndio no dia 29 de maio de 2003, que terminou com a morte do adolescente Nilton da Silva Lopes Júnior no dia 9 de julho daquele ano.
Nesta segunda-feira (4), a Febem foi condenada, pela 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, a pagar indenização por danos materiais e morais a Ana Claudia Dantas Lopes, mãe de Nilton. É a segunda condenação da fundação este ano pela morte de um interno. Ana Cláudia vai receber uma pensão de um salário mínimo retroativa à data em que o jovem morreu até o dia em que completaria 65 anos, em 2051, como indenização por danos materiais. Pela dor e sofrimento advindos da morte de seu filho, ela receberá R$ 80.000,00 da Febem. Na opinião dos advogados da Conectas Direitos Humanos, uma das organizações que propôs a ação contra a fundação, este valor é considerado ínfimo para o caráter punitivo e educativo da condenação.
“Responsabilizar a Febem pelas violações de direitos humanos que pratica é muito importante para toda a sociedade. Entretanto, para que esta responsabilização possa transformar a Febem, é preciso estipular um valor maior de indenização, que torne inviável violar os direitos humanos dos internos. R$ 80 mil não é um valor pequeno, mas não é algo que possa modificar a instituição. Eles gastam mais de 30 mil por ano com cada adolescente. Este valor, portanto, não é nada além do que seria já gasto com a execução das medidas cumpridas pelos jovens”, explica a advogada Eloísa Machado. “Se trata de uma vida e da vida de um adolescente. As indenizações pagas a artistas e juízes por danos em suas imagens chegam a 2 mil salários mínimos, e tratam de sofrimentos reparáveis. Nós pedimos 500 salários, porque é o máximo que se tem pago no caso da morte de presos. E o juiz concedeu 250 salários neste caso. O dano a imagem de artistas por reportagens caluniosas publicadas pela imprensa tem rendido muito mais do que a vida de um ente querido”, pondera Eloísa.
Desde abril de 2003, 18 adolescentes morreram nas dependências da Febem. A Conectas, em parceria com a Amar, a Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco, está movendo mais quatro ações contra o governo do estado, por morte praticada por outros internos, por suicídio e por condições não esclarecidas. Os pedidos de indenizações nesses processos foram estipulados em 2 mil salários mínimos.
A Febem já disse que vai recorrer da decisão. Enquanto não houver uma resposta definitiva do Tribunal de Justiça, a mãe de Nilton não receberá um centavo da Justiça. Ajudante operacional, moradora de Santo André, na Grande São Paulo, Ana Cláudia acaba de ganhar uma filha. Além do bebê de seis dias, ela tem outro filho adolescente, de 14 anos. Nilton era o mais velho. Tinha 17 anos. Foi levado para Febem em Franco da Rocha por ter participado de uma tentativa de assalto. No início de 2002, foi transferido para a UI-5, no Tatuapé, depois de passar pelo complexo da Vila Maria.
“O Nilton passou por um processo de tortura. Ele contava que recebia muita agressão. Viver aquilo tudo foi muito complicado. Fizeram tanta coisa hedionda com ele que qualquer justiça se fazia justa nesta causa”, disse, emocionada, Ana Cláudia. “Fiquei muito feliz com a decisão que foi dada porque, como eu, todo mundo neste país que não credita muito na Justiça. Uma hora se faz Justiça e outra hora não; isso deixa a gente incrédulo. Mas a gente buscou uma série de provas e apostamos nas testemunhas. O depoimento da promotora e da juíza que acompanhavam o caso do Nilton foi muito forte. Fiquei surpresa porque o processo foi rápido. Esperava que demorasse cinco, dez anos. Mas esta condenação é importante. A Febem é um lugar em que qualquer pessoa que entra, se ainda existe um pouco de inocência, ela é violentada lá dentro. Eu não conhecia nada a respeito da Febem. Acreditava no que o Estatuto [da Criança e do Adolescente] falava, que ele era aplicado. Mas a Febem não recupera ninguém. Absolutamente não. A gente até gostaria que isso acontecesse, como esse fosse uma esperança. Mas ali já é o fim”, acredita.
Reforma urgente
Após o incêndio que causou a morte de Nilton na UI-5 do Complexo Tatuapé da Febem, o Corpo de Bombeiros caracterizou como urgentes reformas na unidade para eliminar a situação de total risco à vida e à integridade dos internos. Um relatório da Vigilância Sanitária da Secretaria da Saúde de São Paulo também concluiu que a situação da unidade era insatisfatória, apresentando risco para a saúde pública. Conectas e Amar moveram então uma ação civil pública contra a Febem, que resultou numa liminar que determinou a reforma da unidade. A Fundação recorreu e a liminar encontra-se agora suspensa.
Caso a suspensão caia, a Febem tem 90 dias pra reformar a UI-5. E, caso não cumpra a ordem da Justiça, a liminar determina o afastamento provisório do presidente da entidade e a cobrança de uma multa no valor de R$ 1.000, de seu patrimônio pessoal, por dia de atraso. De acordo com a liminar, se a situação atual não for alterada, é inevitável a ocorrência de novos acidentes que colocariam em risco a vida e a integridade de internos, funcionários, familiares e demais profissionais. As entidades recorreram da suspensão e a discussão agora está em Brasília, no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
“De lá pra cá não houve mudança significativa na estrutura da unidade. Falta um sistema de hidrantes, de extintores, mangueiras, de alarme e de um projeto estrutural de segurança contra incêndio. Nada disso foi feito. Há também problemas de higiene e salubridade. O esgoto é destampado e é grande a quantidade de ratos e insetos. Tudo isso continua, porque o máximo que a Febem fez foi responder à liminar com uma proposta de orçamento de reforma. Mas a reforma em si não foi realizada”, conta Eloísa.
Como o governo de São Paulo não adotou as devidas medidas, no ano passado as duas organizações enviaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) um pedido de providências para a interdição da unidade. As entidades pediram que a CIDH concedesse medidas cautelares em favor dos adolescentes internados e funcionários da UI-5. As medidas foram concedidas. Mas a UI-5 continua da mesma forma.
“Precisamos utilizar todo os instrumentos que estão a mão, ainda que num tempo imediato eles não façam muita diferença. Não sabe o que pode acontecer. Essa ação em primeira instância (de indenização à mãe de Nilton) foi bem sucedida. Mas a Justiça pode demorar para julgar o recurso da Febem. Neste caso, com o apoio da comunidade internacional, podemos pedir a federalização do caso”, conclui a advogada da Conectas.
Da Agência Carta Maior