O governo federal autorizou o aumento das diárias a serem pagas aos seus servidores civis e militares durante viagens decorrentes de suas funções. O decreto número 5554, que passa a valer a partir desta quarta-feira (5), data de sua publicação no Diário Oficial da União, ameniza, mas não resolve a situação de muitos funcionários – que ainda vão ter que tirar dinheiro do bolso para cumprir suas tarefas. Entre eles, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e agentes e delegados da Polícia Federal que trabalham nos grupos móveis de fiscalização, responsáveis pela libertação de trabalhadores reduzidos à condição de escravos. A demora do Poder Executivo em tomar essa decisão quase levou à paralisação de atividades dos grupos móveis nos últimos meses.
Além dos auditores fiscais do MTE e dos agentes e delegados da Polícia Federal, os grupos móveis são integrados por procuradores do Ministério Público do Trabalho. Os funcionários das duas primeiras instituições recebiam cerca de R$ 60,00 por dia durante as fiscalizações – valor insuficiente para cobrir gastos com hospedagem e alimentação. Com isso, eram obrigados a optar por pensões mais baratas, em locais com pouca segurança e privacidade, o que colocava em risco tanto sua integridade física quanto o andamento da operação. Nos últimos dois anos, muitos auditores e policiais federais pediram para não mais serem convidados para as ações dos grupos móveis – a participação nessas equipes é voluntária.
A falta de recursos humanos levou ao cancelamento de algumas operações no primeiro semestre deste ano e trabalhadores deixaram de ser libertados das fazendas. Paralisações foram ensaiadas algumas vezes para protestar contra essa situação, mas acabaram não se concretizando. Dar estrutura para as inspeções é meta prevista desde 2003 no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado pelo próprio presidente da República no primeiro ano de seu governo.
De acordo com Ruth Vilela, secretária nacional de inspeção do trabalho, os auditores e policiais federais receberão, a partir de agora, R$ 103,08 de diária durante as ações dos grupos móveis de fiscalização. O valor ainda está abaixo do mínimo recomendado pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) em março deste ano (R$ 120,00). A dos motoristas foi reajustada para R$ 85,92. Um procurador recebe do Ministério Público do Trabalho uma diária de pouco menos de R$ 600,00 para todos os gastos durante a fiscalização.
“Não diria que é suficiente. As despesas, principalmente de hospedagem, subiram muito nos últimos anos. Mas, sem dúvida, é um grande alívio. Vai fazer com que os auditores e policiais não tirem tanto dinheiro do próprio bolso nas operações”, afirma Ruth.
“Foi uma luta bem longa. Mas o valor ainda é muito baixo, o aumento poderia ter sido maior, no mínimo R$ 130,00”, lembra Virna Damasceno, coordenadora de um dos grupos móveis de fiscalização.
Longa batalha
Durante o 5o Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em janeiro, houve protestos sobre o valor das diárias. O Ministério Público do Trabalho declarou durante o evento que se a Polícia Federal não participasse mais das operações, a instituição deixaria de enviar procuradores devido à falta de segurança. Vale lembrar que em janeiro de 2004 quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados a mando da família Mânica durante fiscalização em janeiro de 2004 em Unaí (MG).
Segundo Luis Antônio Camargo, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a diária dos auditores e policiais não era suficiente para pagar uma pensão de quinta categoria. “O policial não dorme neste lugar porque o pistoleiro, a mando do fazendeiro, entra lá e o mata. Eles estão tirando dinheiro do bolso para libertar os trabalhadores. É preciso que o governo tenha sensibilidade para isso e determine o pagamento de uma diária que lhes permita cumprir com sua obrigação. O conforto já foi abandonado há muito tempo. Agora trata-se de cumprir com a obrigação”, disse Camargo à Agência Carta Maior na ocasião do Fórum.
No dia 30 de março deste ano, uma carta da Conatrae – órgão governamental formado por representantes de ministérios e secretarias do Executivo e também da sociedade civil – endereçada ao presidente Lula, exigiu um aumento no valor das diárias dos funcionários envolvidos nas fiscalizações, sob o risco de problemas sérios à fiscalização (leia matéria "Sem recursos, fiscalizações devem parar em abril").
Na visão da Conatrae, que discute este problema desde a instalação da comissão há dois anos sem que uma solução para a questão ultrapassasse as declarações de boas intenções, o gasto com um aumento nas diárias é pequeno se comparado com o alcance social do trabalho dos grupos móveis e mesmo com o aumento na arrecadação de impostos trazido pela legalização das relações trabalhistas. “Dezenas de denúncias estão na fila para serem verificadas, o que representam centenas de trabalhadores em condição de escravidão que não conquistarão sua liberdade tão cedo, nem terão sua dignidade respeitada”, afirmava a carta.
Da mesma forma, seminários, palestras e congressos abordando a escravidão contemporânea que foram realizados no país, nos últimos dois anos, colocavam o reajuste como um dos centrais para a manutenção da estrutura montada para o combate a esse crime. A mobilização da sociedade e dos órgãos envolvidos foi fundamental para que o aumento saísse do papel.
A liberação do aumento das diárias depende do Ministério do Planejamento, que veio a assinar o reajuste apenas nesta terça (4) junto com o presidente Lula. Com isso, um novo reajuste deve demorar. O grupo móvel terá que torcer para a inflação ficar em níveis razoáveis e fazer as contas a cada fiscalização.