Pernambuco é conhecido como um dos estados onde a luta pela reforma agrária acontece de forma mais intensa. Segundo dados da Ouvidoria Agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário, foi o estado com o maior número de ocupações (31 do total de 164 registradas) no levantamento feito de janeiro a agosto deste ano. No entanto, apesar da tensão pelo grande número de acampamentos, assentamentos e ocupações, Pernambuco não costuma figurar na lista dos estados com maior número de mortes por conta de conflitos agrários. Este cenário parece estar mudando, pois de quinta-feira a domingo, sem-terra e trabalhadores rurais ligados aos movimentos campesinos foram alvo de uma onda de ataques que resultou em três assassinatos e uma emboscada contra famílias acampadas.
A primeira vítima foi Hanilton da Silva, dirigente do MLST (Movimento pela Libertação dos Sem Terra). Constantemente ameaçado pelos fazendeiros da região por sua atuação nos movimentos campesinos, Hanilton foi assassinado na quinta-feira em Itaíba com 18 tiros no rosto. No dia seguinte, informações do MST registram que cerca de 10 pistoleiros teriam cercado um acampamento do movimento, na cidade de Altinho. Os integrantes do movimento tiveram de se esconder na sede da fazenda e acompanhar o tiroteio durante toda a madrugada, recebendo o auxílio da polícia solicitado horas mais tarde, quando já amanhecia.
No sábado, novo assassinato foi registrado, desta vez em Itacaimbó, no agreste pernambucano. Segundo relato do MST, o acampado Antônio José dos Santos estava entre 43 famílias que comemoravam a emissão de posse de uma área que ocupam há cinco anos quando teria deixado a fazenda “para comprar cigarro”. Foi encontrado mais tarde morto com marcas de espancamento, tortura e 14 facadas. No domingo, seguindo uma regularidade macabra de uma ocorrência diária, foi a vez do vereador e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Taquaritinga do Norte, Luiz Manoel, encontrado assassinado em sua casa com dois tiros.
Apesar da afirmação das entidades ligadas à luta pela reforma agrária de que os crimes fariam parte de uma onda de ataques ligados à tensão no campo, as autoridades que investigam o caso vêm preferindo aderir a outras teses. No caso de Luiz Manoel, morto no domingo, a polícia já divulgou que as investigações têm apontado para crime passional. “A possibilidade de o crime ter sido político ou ter relação com a questão agrária foi praticamente descartada”, assegurou ao jornal Folha de Pernambuco o delegado de Santa Cruz do Capibaribe, Edílson Alves de Oliveira. No caso de Antônio José dos Santos, a polícia informou que a morte teria sido causada por um desentendimento quando a vítima tentava promover uma conciliação entre dois amigos na disputa por uma herança.
O único caso em que a polícia ainda não descartou a possibilidade de motivações relativas a conflitos do campo foi a de Hanilton da Silva. No entanto, integrantes do MST dizem que já há uma operação para creditar a integrantes de sua família, alguns envolvidos com o crime, a responsabilidade pelo assassinato. No entanto, para integrantes dos movimentos e pessoas ligadas à área de direitos humanos, seria coincidência demais mortes e ataques diários terem sido motivados por razões diversas que não à pressão e coação de fazendeiros contra as vítimas e os movimentos campesinos. “Não existe caso a não ser chacina de três lideranças agrárias mortas em tão pouco espaço de tempo”, comenta Cláudio Carraly, secretário de direitos humanos do estado de Pernambuco.
Para Carraly, é muito provável que os crimes tenham sido cometidos por razões de disputa no campo. “Tem todas as possibilidades já que se trata de lideranças visadas e envolvidas em conflitos por áreas rurais”, completa Carraly. O secretário também não descarta que haja motivação política, uma vez que duas das três vítimas, Hanilton Martins e Luiz Manoel, eram ligadas ao Partido Popular Socialista (PPS) e pretendiam se lançar ou indicar candidatos a cargos eletivos nas próximas eleições. Ainda segundo o integrante do governo, a secretaria de direitos humanos do estado já havia sido contatada pelas lideranças e teria sido informada de constantes ameaças. Carraly teria tentado um contato com o programa de proteção a defensores de direitos humanos do governo federal mas não teria obtido sucesso.
Causas
Para Plácido Júnior, da Comissão Pastoral da Terra, a onda de ataques é resultado da situação tensão no meio rural causada pela situação de concentração de terra e resistência à reforma agrária e pela precária situação da segurança no país. “A violência no campo tem dois pilares básicos: o latifúndio e a impunidade”. “A responsabilidade pela violência no campo é o não cumprimento da reforma agrária. Mesmo com a lentidão, os crimes acabam sendo uma reação do latifúndio ao que existe de realização da reforma agrária”, continua Jaime Amorim, da direção nacional do MST.
Amorim analisa que o final do ano tem sido o período com maior ocorrência de incidentes, como mortes e ataques, pois é quando o Incra solta mais emissões de posse (liberação das terras) já que apressa a execução das regularizações para cumprir a meta do ano. Para Maria de Oliveira, superintendente do Incra em Pernambuco, a violência no campo poderia ser diminuída se o órgão estivesse melhor instrumentalizado para efetivar as ações de reforma agrária. “Se a gente conseguisse dar resposta a esta situação com a reforma agrária, com o tempo os crimes diminuiriam. Nós temos uma estrutura arcaica, nós sobra disposição mas nos faltam condições e os meios são insuficientes”, diz.
Providências
Na segunda-feira foi realizada uma reunião em Recife para discutir o problema. Estiveram presentes representantes do Incra, Ministério Público de Pernambuco, MST, MLST (Movimento de Libertação dos Sem-Terra), CPT e OAB. Foi criado um comitê chamado provisoriamente de “combate ao crime organizado e defesa da reforma agrária” que irá realizar dois movimentos: (1) irá atuar junto ao governo federal para envolver o Ministério da Justiça e a Sub-secretaria de Direitos Humanos; (2) e vai promover uma audiência com o governo do estado para cobrar posição sobre o caso, principalmente no que se refere à atuação da polícia. Como forma de dar visibilidade ao caso e à reação dos movimentos sociais, será realizado um ato público na missa de 7a dia da morte de Hanilton Martins, que acontece no próximo sábado. Os movimentos tentarão levar o sub-secretário de direitos humanos, Mário Mamede, ao evento.
Violência
Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra divulgado em setembro deste ano, foram registrados 28 assassinatos no campo entre janeiro e agosto deste ano, um a mais do que no mesmo período em 2004, quando foram contabilizados 27 crimes desta natureza em conflitos rurais. Apesar da estabilidade no número de homicídios, houve aumento em outras formas de violência e mortes decorrentes de conflitos agrários. Segundo os dados coletados, houve 27 tentativas de assassinato, 114 ameaças de morte, duas pessoas torturadas, 52 agredidas fisicamente, 144 presas e 80 feridas.
Da Agência Carta Maior