ONGs entram na Justiça para manter direito de fiscalização

Organizações de direitos humanos protocolaram ação civil pública para que seja permitido o ingresso de entidades da sociedade civil nas unidades da Febem, proibido desde setembro. Um dos objetivo é apurar denúncias de tortura
Por Bia Barbosa
 11/10/2005

Uma ação civil pública para que seja permitido o ingresso de organizações da sociedade civil nas unidades de internação da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), em São Paulo, foi protocolada nesta quinta-feira (10) na Justiça da Infância e Juventude. A ação questiona a legalidade e a constitucionalidade da Portaria 90/05, editada pela Presidência da Fundação em setembro deste ano, que impede as organizações da sociedade civil de ingressar nas unidades de internação (UI) sem autorização prévia das unidades (leia matéria “Entidades se unem para poder entrar na Febem de novo”). Na opinião das entidades de defesa dos direitos humanos, a missão de promover denúncias e fiscalização referente aos direitos de crianças e adolescentes fica totalmente prejudicada se essa for a exigência a ser cumprida.

As organizações sustentam que, para cumprir os princípios do Estado Democrático de Direito, os órgãos públicos devem permitir que organizações da sociedade civil promovam a fiscalização de suas atividades. Ressaltam, ainda, que a própria Constituição Federal co-responsabiliza a sociedade civil na promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, assim como o faz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, a atuação das organizações não governamentais na fiscalização das unidades de internação da Febem é mais do que necessária diante do histórico de violações de direitos humanos por parte da Fundação.

Nos últimos dois anos, 23 adolescentes foram mortos e foram inúmeras as situações de tortura e maus-tratos denunciadas. O acesso das organizações da sociedade civil às unidades de internação foi o que possibilitou a fiscalização dessas unidades e a descoberta de diversas situações de violações aos direitos humanos dos internos. É o caso das denúncias realizadas na Unidade de Internação UI-41 de Vila Maria, na Unidade de Internação Tietê e na Unidade de Internação Emergencial de Tupi Paulista, todas provenientes de organizações não governamentais que, durante vistorias e fiscalizações, encontraram situações de violações de direitos humanos.

“A Febem está dificultando este trabalho, não só de fiscalização do cumprimento do ECA e de denúncia de possíveis violações de direitos humanos, que são atribuições das entidades, mas também o trabalho das entidades que muitas vezes prestam assistência e fazem atendimento aos internos”, explica do advogado Ariel de Castro Alves, da Fundação Projeto Travessia – uma das organizações que assina a ação civil pública – e membro Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). “De acordo com a portaria, as entidades precisam ter contratos e convênios assinados, e mesmo assim só entram nas unidades nos horários em que a Febem decidir. Isso é inadmissível”, afirma.

Os educadores do Projeto Travessia por exemplo, sempre atenderam e visitaram os adolescentes internos que eram meninos de rua e acabaram indo parar na Febem e suas famílias. “Isso agora está prejudicado. E é necessário que muitas entidades conveniadas com a Prefeitura de São Paulo e a Febem no atendimento aos processos de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade possam entrar nas unidades antes do adolescente sair, para que depois continuem a acompanhá-lo do lado de fora. Até isso está sendo impedido pela portaria”, critica Alves.

O objetivo da ação civil pública protocolada nesta quinta-feira é que a Febem seja condenada a promover, dentro de 10 dias, em caráter liminar, mecanismos que permitam que as organizações da sociedade civil fiscalizem as unidades de internação, sob pena de multa ao patrimônio pessoal da presidente da fundação, Berenice Giannella. As entidades não questionam o credenciamento prévio das organizações da sociedade civil que poderão entrar nas unidades, mas exigem que as então credenciadas tenham acesso irrestrito aos locais de internação.

Antes de proporem a ação civil pública, as entidades buscaram outras formas de negociação com a direção da Fundação e com o governo do Estado de São Paulo, mas não conseguiram sequer ser recebidas. “Partimos então para ações práticas. É mais uma ação civil pública que a Febem vai ter que responder. A Fundação já está acostumada a ser processada e sempre fica impune. Esperamos que neste caso haja uma decisão que contemple os Estado Democrático de Direto, para garantir não só o direito das entidades fiscalizarem a Febem, mas o direito de todos os cidadãos. Aqui vale o velho ditado: “quem não deve não teme”. Se a Febem teme tanto a entrada de entidades de direitos humanos é porque pretende violar os direitos humanos. Essa é a única explicação cabível. Se quiser mostrar o contrário, precisa nos autorizar a entrar”, conclui o advogado do Projeto Travessia.

Assinam a ação civil pública as seguintes organizações: Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (Amar), Centro de Direitos Humanos (CDH), Cedeca Sapopemba (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente), Cedeca Belém, Cedeca Interlagos, Cedeca Santo Amaro, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Conectas Direitos Humanos, Fundação Projeto Travessia e Instituto Pro Bono.

Da Agência Carta Maior

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