Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Batista, o Eduardo, pistoleiros acusados de executar a freira americana Dorothy Stang em fevereiro deste ano em Anapu, no Pará, foram condenados sábado (10) a 27 e 17 anos de prisão em regime fechado, respectivamente. A tese defendida pela defesa de que a morte de Dorothy, que há mais de 30 anos trabalhava na região com pequenos agricultores e trabalhadores rurais sem-terra, foi fruto de uma desavença pessoal entre a religiosa e o assassino, foi derrubada pelas contradições nos depoimentos dos réus.
Para a acusação, no entanto, a principal vitória no processo foi o reconhecimento, por parte do tribunal do júri, de que os pistoleiros agiram sob promessa de pagamento. Este fator, acredita o advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, José Batista Afonso, é fundamental para reforçar a acusação de mandantes do crime contra os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão, o Taradão, e também contra Amair Feijoli da Cunha, o Tato, que teria intermediado o crime.
Os três estão presos e devem ser julgados até março do ano que vem. No início do julgamento de Rayfran e Clodoaldo, tanto a defesa quanto os réus procuraram inocentar os fazendeiros Bida e Taradão, negando a encomenda da morte e a promessa de R$ 50 mil pelo assassinato da religiosa.
Alívio, mas não solução
A condenação de Rayfran e Clodoaldo foi recebida com alívio pelos movimentos sociais e ONGs que acompanharam o processo e que trabalham no Pará com questões fundiárias, ambientais e de direitos humanos. Não há dúvidas de que a presença dos irmãos de Dorothy e de Hina Jilani, representante especial do Secretário-Geral da ONU para a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos, além do secretário Especial interino dos Direitos Humanos, Mario Mamede, do presidente do Incra, Rolf Hackbart, e de centenas de trabalhadores rurais em Anapu durante o julgamento fortaleceram a cobrança por justiça; bem como não há dúvidas de que a pressão nacional e internacional, num estagio anterior, fizeram com que o assassinato de Dorothy fosse julgado em tempo recorde, em se tratando da justiça do Pará.
Por outro lado, a situação dos trabalhadores rurais sem terra, dos conflitos agrários, das ameaças de morte contra lideranças sociais e o próprio desordenamento fundiário no estado continuam sem solução, se não mais graves desde a morte de Dorothy, denunciam as organizações sociais.
Sobre os casos envolvendo pessoas, 25 organizações, como o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos (CMDDH) de Belém, o Fórum da Amazônia Oriental, o Greenpeace, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a Justiça Global, a Terra de Direitos e a OAB do Pará, entre outros, entregaram à relatora da ONU um documento listando seis dos 18 casos de assassinatos ocorridos no Pará em 2005. Os crimes destacados, cometidos todos após o assassinato da religiosa, vitimaram lideranças importantes de movimentos sociais, sindicais e de comunidades de assentados e sem-terra.
O documento também fala das ameaças que vêm sofrendo as lideranças sociais, sem que o estado tenha tomado providências concretas contra os intimidadores. “Mais de 50 pessoas estão hoje sob ameaça de morte no Estado do Pará. Dentre elas, destacam-se algumas das lideranças ligadas a irmã Dorothy, no município de Anapu, onde os conflitos pela posse de terras voltaram a se intensificar após a retirada das tropas do Exército, em setembro. Também nos causa indignação o fato de que líderes de trabalhadores rurais de Anapu e inclusive testemunhas do Caso Dorothy estejam sendo acusadas pela polícia de crimes que não cometeram”, afirma o documento.
Segundo o advogado José Batista, o andamento do caso Dorothy pode ser considerado uma vitória para as organizações sociais, mas o tratamento diferenciado que recebeu da Justiça do Pará em relação aos outros casos cria também um mal-estar.
“A agilidade com que se encaminhou o processo de Dorothy, por conta das pressões políticas e pela tentativa de federalizar o caso, não se vê em relação aos outros casos de assassinato. Apenas de casos que a CPT acompanha e que ainda têm possibilidade de punição dos culpados, sabemos de 38, com ‘idade’ entre seis meses e 28 anos, que tramitam sem solução na justiça do Pará. Por outro lado, os ameaçados de morte, em casos extremos, até recebe proteção policial, mas a maioria das denuncias não é considerada, muito menos a justiça busca investigar as origens das ameaças para coibi-las”, explica Batista.
Desordem fundiária
A morte de 18 pessoas no Pará este ano também é reflexo, segundo a CPT, da falta de ações concretas do governo em termos de regulamentação da posse da terra no estado; inclusive em Anapu; inclusive na área do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, onde a religiosa foi morta.
Ainda em fevereiro, logo após a morte de Dorothy, o Governo Federal anunciou uma série de medidas de ordenamento fundiário, entre criação de unidades de conservação, regularização de lotes e georreferenciamento das terras, promovidas em parceria pelo Incra, Exercito e Ministério Público, mas até o momento apenas quatro áreas em Anapu foram regularizadas, segundo Pedro Aquino, superintendente do Incra em Santarém.
Por outro lado, garante Aquino, até o próximo dia 20, o Exército deve entregar ao Incra os últimos dados do georreferenciamento de 800 hectares na região de Anapu, incluindo a demarcação das parcelas nos PDSs Esperança e Virola Jatobá.
“Devemos regulamentar todas as glebas dos PDS até no máximo fim do primeiro semestre do ano que vem. Até dia 20 de dezembro, receberemos os levantamentos do Exército. A partir daí, teremos apenas que lidar com alguns resquícios, como a retirada de pessoas que não são clientes da reforma agrária das ares de assentamentos e PDS”, diz Aquino.
Da Agência Carta Maior