O ano de 2005 registrou avanços no combate ao trabalho escravo no Brasil. A erradicação dessa chaga, inadmissível em pleno século 21, continua a ser um objetivo perseguido por todos os que lutam contra a violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho no país. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançar hoje a campanha de prevenção ao trabalho
escravo, mais uma etapa dessa luta será cumprida.
Avançamos, mas há um longo caminho a ser percorrido. É necessário um engajamento
maior de toda a sociedade.
Desde maio deste ano, o Brasil é considerado um exemplo mundial no combate ao trabalho escravo. Não por coincidência, pela primeira vez na história da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um relatório global da instituição, lançado anualmente como parte do monitoramento da Declaração dos Direitos e
Princípios Fundamentais no Trabalho, foi divulgado simultaneamente em Brasília e
Genebra.
O estudo "Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado" destaca os expressivos resultados alcançados pelo país no combate à escravidão contemporânea. O Brasil é citado oito vezes no relatório como exemplo bem-sucedido de que a combinação de uma política efetiva de repressão a esse crime e a indignação da sociedade
pode produzir resultados compensadores.
Essa luta começou há dez anos, quando o governo federal criou o Grupo Móvel de Fiscalização -formado por auditores e procuradores do Trabalho e da República, além de policiais federais-, que investiga as denúncias de trabalho escravo. De
1995 até agora, quase 18 mil brasileiros foram resgatados e, nos três últimos anos, o número de trabalhadores libertos superou a soma de todos os anos anteriores.
Em outubro de 2003, a OIT e o governo lançaram uma campanha para alertar a sociedade para a importância de combater o trabalho escravo. A campanha, concebida e produzida de maneira voluntária, obteve mais de US$ 10 milhões em
doações espontâneas de espaços publicitários. No período 2003-2004, o número de notícias sobre mão-de-obra escrava publicadas na mídia impressa aumentou 1.900%, demonstrando que o tema definitivamente entrou na agenda nacional.
O relatório global da OIT ainda aponta que são necessárias medidas de prevenção e de reinserção dos trabalhadores resgatados. Hoje será lançada uma nova etapa da campanha, desta vez dirigida aos trabalhadores, para que não se deixem
enganar por falsas promessas e acabem caindo nas mãos dos aliciadores. Denunciar as tentativas de aliciamento é o caminho mais rápido para que os mecanismos de fiscalização sejam acionados.
Todas as ações no combate ao trabalho escravo têm obtido êxito porque existe maior integração entre os atores envolvidos nessa luta. Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Programa de Combate ao Trabalho Escravo, em
março de 2003, os esforços caminham para o aperfeiçoamento dos mecanismos de repressão e, principalmente, para a punição dos responsáveis. O relatório global da OIT mostra que, no Brasil, como em todo o mundo, a impunidade ainda é a
principal causa da ocorrência de trabalho forçado.
Entretanto, enquanto a legislação não for aperfeiçoada, não conseguiremos pôr fim a essa prática. Por esse motivo, toda a sociedade observou atentamente o esforço da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), formada por mais de 20 entidades, para a aprovação, em 2004, da proposta de
emenda constitucional prevendo a expropriação de terras de proprietários que reconhecidamente utilizem mão-de-obra escrava.
Apesar de todos os esforços, a proposta ainda enfrenta forte resistência na Câmara dos Deputados. Entretanto houve avanços importantes nessa luta. O governo tornou público o cadastro dos empresários que foram flagrados praticando esse crime. A chamada "lista suja" é publicada semestralmente para que a sociedade seja informada dos nomes daqueles que estão proibidos de recorrer a crédito de organismos financeiros oficiais e a recursos dos fundos constitucionais por manterem trabalhadores em regime análogo à escravidão.
Com base na "lista suja", foi possível identificar a cadeia produtiva do trabalho escravo, mostrando que, infelizmente, dela constam importantes ramos da economia nacional.
Conhecida a cadeia produtiva em um estudo encomendado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e realizado pela ONG Repórter Brasil, foi possível dar um enorme passo no sentido de normalizar as relações trabalhistas.
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social intermediou a assinatura do Pacto Nacional contra o Trabalho Escravo, divulgado em 19 de maio deste ano.
Mais de 70 empresas e entidades já aderiram ao pacto, pelo qual se recusam a comprar produtos de empresas cujos nomes constam da "lista suja", mostrando que a iniciativa privada comprometida com o respeito às leis desempenha um papel
importante e estratégico para a erradicação do trabalho escravo.
Hoje, importantes medidas serão anunciadas, como o corte de crédito dos bancos privados aos escravagistas, além da inclusão dos trabalhadores libertados nos benefícios do Bolsa-Família.
Estamos avançando, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. É necessário um engajamento maior de toda a sociedade para que possamos proclamar que o trabalho escravo será, enfim, erradicado do país. Quem sabe, em breve, possamos
deixar de ser vanguarda no combate ao trabalho escravo porque esta chaga não mais existirá no país.
Laís Abramo, 51, socióloga, é diretora do Escritório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil. Luiz Marinho, 46, bacharel em direito, é o ministro do Trabalho e Emprego.
Publicada originalmente no jornal Folha de S. Paulo