O Grupo André Maggi, um dos maiores produtores e exportadores de soja do mundo, pertencente à família do governador do Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), comprometeu-se a assinar o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. A decisão foi tomada após um relatório com críticas às ações socioambientais do grupo ter sido enviado ao Banco Mundial, o que pode levar a uma revisão nas suas condições de financiamento por agências internacionais. Com o pacto, a empresa se compromete a cortar relações com fazendas e empregadores que figurem na “lista suja” do trabalho escravo.
A Amaggi, subsidiária do grupo responsável por exportação e importação, comercializava soja de, pelo menos, duas fazendas da “lista suja” do governo federal (a Barão e a Vó Gercy, ambas no Mato Grosso), que relaciona empregadores que foram comprovadamente flagrados utilizando mão-de-obra escrava. Em maio, após o lançamento do Pacto, organizado pelo Instituto Ethos e a Organização Internacional do Trabalho e que envolve a iniciativa privada, a empresa declarou à revista Época que continuaria fazendo negócios com as fazendas enquanto elas estivessem se defendendo de processos trabalhistas.
Ana Bustamante, do departamento de comunicação do Grupo Maggi, nega que a assinatura do pacto neste momento seja oportunista. Ao contrário da declaração de meses atrás, agora a empresa afirma que, a partir da divulgação da “lista suja” do trabalho escravo, novos negócios com as duas fazendas foram bloqueados, restringindo as relações a acertos de inadimplências. Segundo ela, a demora para a assinatura se deveu ao fato de a empresa ter recebido o convite para um encontro com o Instituto Ethos e a OIT sobre o assunto após a data marcada para a realização da reunião. O Ethos, por outro lado, afirma que os convites foram enviados no prazo correto.
As mudanças nas regras de financiamento podem ocorrer por causa da pressão de organizações ambientalistas brasileiras e européias. Elas contestam os empréstimos feitos pelo IFC – o braço financeiro privado do Banco Mundial – à Amaggi, acusando o grupo de contribuir para a violação dos direitos humanos e a degradação do meio ambiente. O financiamento do Banco Mundial abre portas para que os bancos privados sintam-se livres para emprestar dinheiro a uma empresa. Desde 1999, o grupo recebeu US$ 663 milhões em financiamentos, sendo US$ 60 milhões do Banco Mundial, US$ 30 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o restante de consórcios de bancos internacionais privados.
Em relatório enviado no dia 9 de novembro ao Banco Mundial, a ONG alemã Misereor traz um estudo do impacto da produção da soja no Brasil. Com ele, pede que futuros empréstimos fossem negados. No documento, a ONG cita o estudo da cadeia produtiva do trabalho escravo realizado pela ONG Repórter Brasil em 2004, a pedido do governo federal, em que a Amaggi aparece como compradora das fazendas Barão, que teve 69 trabalhadores escravos libertados, e da Vó Gercy, com 15 libertações. Para a Misereor, o plantio de soja em larga escala é o principal vetor de desmatamento e da concentração de terras, sendo responsável pela destruição de 770 mil hectares de floresta na região da fronteira agrícola da Amazônia em 2002.
A revista Época, na edição que foi às bancas no dia 3 de dezembro, veiculou uma reportagem que trata do boicote ao crédito nacional e internacional às empresas da “lista suja” e cita o relatório. Na semana seguinte, a assessoria de comunicação da empresa contestou a informação de que ainda comercializa produtos das suas fazendas. Mas se comprometeu publicamente a assinar o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Com a adesão, a Amaggi poderá ser monitorada por observadores externos para verificar se está cumprindo o prometido.
A empresa contestou ponto a ponto o relatório. Afirma que o objetivo do documento foi exclusivamente atacar o Grupo Maggi e que as organizações responsáveis por sua divulgação deveriam sugerir soluções concretas para os problemas socioambientais.
Reinado da soja
O governador Blairo Maggi era também conhecido como o “rei da soja”, quando se dedicava ao negócio. Segundo o Grupo Maggi, ele está afastado dos negócios para cuidar do comando do Estado. Em 2003, o grupo faturou US$ 550 milhões com a produção, comercialização e processamento de mais de 2 milhões de toneladas de soja, a maioria exportada para produção de ração na Europa e Ásia. Suas fazendas somam 269 mil hectares, dos quais 139 mil são destinados à soja.
Enquanto os negócios da família vão bem, a imagem de Maggi não desfruta do mesmo sucesso. No período entre 2003 e 2004, primeiros anos do seu governo, o Estado transformou-se no campeão de desmatamento da Amazônia, sendo responsável por 48,1% do total, o que representa a destruição de 10,4 mil quilômetros quadrados de floresta. Reunido com a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o governador chegou a dizer que ela não deveria se impressionar com os números, pois não representariam nada diante da Amazônia.
As operações de libertação de trabalhadores dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal também não trazem boa imagem para o Mato Grosso. O Estado que vinha ano a ano se mantendo como o segundo colocado em libertações (ficando atrás apenas do Pará) vai terminar 2005 com um triste primeiro lugar.
Em junho deste ano, a Operação Curupira da Polícia Federal prendeu o secretário estadual do Meio Ambiente, Moacir Pires, acusado de envolvimento num esquema de extração ilegal de madeira na Amazônia. A descoberta do esquema levou à extinção da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema), órgão que fiscalizava a derrubada de matas no Mato Grosso. A seqüência de denúncias de agressões ao meio ambiente fez com que Maggi recebesse em junho da Greenpeace o prêmio “Motosserra de Ouro”.
Medidas concretas
Um estudo realizado pela ONG Repórter Brasil, a pedido da Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo federal, mostra os itens que foram produzidos em fazendas da “lista suja” que são comercializados no mercado interno ou exportados. A pesquisa serviu de embasamento para que fosse firmado o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – iniciativa do Instituto Ethos de Responsabilidade Social e da Organização Internacional do Trabalho. O Pacto, assinado no dia 19 de maio em Brasília, já conta com cerca de 80 signatários, incluindo grandes empresas como Coteminas, Votorantim, Petrobras, Ipiranga, Shell, Banco do Brasil, Carrefour e Pão d
e Açúcar.
As 60 empresas que já assinaram o documento se comprometeram, entre outros pontos, a:
– definir metas específicas para a regularização das relações de trabalho nestas cadeias produtivas, o que implica na formalização das relações de emprego pelos produtores e fornecedores, no cumprimento de todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias e em ações preventivas referentes à saúde e a segurança dos trabalhadores;
– definir restrições comerciais àquelas empresas e/ou pessoas identificadas na cadeia produtiva que se utilizem de condições degradantes de trabalho associadas a práticas que caracterizam escravidão;
– apoiar ações de reintegração social e produtiva dos trabalhadores que ainda se encontrem em relações de trabalho degradantes ou indignas, garantindo a eles oportunidades de superação da sua situação de exclusão social, em parceria com as diferentes esferas de governo e organizações sem fins lucrativos;
– apoiar ações de informação aos trabalhadores vulneráveis ao aliciamento de mão de obra escrava, assim como campanhas destinadas à sociedade de prevenção contra a escravidão;
– apoiar e debater propostas que subsidiem e demandem a implementação pelo Poder Público das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo;
– monitorar a implementação das ações descritas acima e o alcance das metas propostas, tornando públicos os resultados deste esforço conjunto.
Colaboram com esta reportagem Leonardo Sakamoto e Marcel Gomes.