Saúde piorou com Serra, dizem movimento popular e sindicatos

Promessas feitas pelo prefeito de SP de melhorar os serviços de saúde não estão sendo cumpridas, dizem representantes da sociedade civil. Para eles, projetos como o das Organizações Sociais tentam transferir para a iniciativa privada a responsabilidade de cumprir as promessas de campanha
Por Fernanda Sucupira
 09/01/2006

Na campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo, em 2004, a questão da saúde ocupou espaço central nos debates entre os candidatos. Diversas críticas foram feitas à administração da então prefeita e candidata à reeleição, Marta Suplicy (PT), e sobraram promessas para melhorar a situação da saúde na mais populosa cidade do país. Com a vitória de José Serra (PSDB), ex-ministro da Saúde durante o governo FHC, esperava-se uma melhora significativa nessa área, mas isso não ocorreu. Na avaliação de representantes de movimentos populares e de sindicatos ligados à saúde, após um ano do início da administração tucana, não houve praticamente nenhum avanço em relação à gestão anterior e, em muitos casos, as condições se agravaram.

Um exemplo dessa piora é a aposta da prefeitura, como a principal medida para superar os problemas existentes, na parceria com entidades privadas e sem fins lucrativos, as organizações sociais (OSs). O Projeto de Lei 318/2005, que permite passar para elas a administração de serviços públicos na área da saúde, enviado pelo prefeito José Serra e aprovado na Câmara Municipal na semana passada, é alvo de severas críticas daqueles que defendem a valorização do Sistema Único de Saúde (SUS). A ausência de concursos públicos na contratação de novos funcionários e de licitação na compra de materiais admitida pela nova lei é considerada inconstitucional.

Para Celina Maria José de Oliveira, membro da Coordenação da União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo e representante do Movimento Popular de Saúde da Zona Leste no Conselho Municipal de Saúde até meados de janeiro, é muito preocupante essa medida porque o poder público está transferindo para a iniciativa privada sua responsabilidade de cumprir as promessas de campanha. “Elas não têm capacidade para montar essas equipes e vêm para ganhar dinheiro e tapar buraco. Sem licitações nem concursos públicos, elas podem contratar serviços de empresas nas quais essas organizações tenham interesse”, diz.

“Por mais que essas organizações não tenham fins lucrativos, os diretores e aqueles que ocupam cargos de confiança são remunerados e escolhidos à mercê das OSs. Isso nos faz supor que haja conveniência eleitoreira”, completa Cid Carvalhaes, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). “É a repetição do PAS do Maluf e do Pitta, é um PAS de casaca”, acrescenta Carvalhaes, comparando a nova parceria ao Plano de Atendimento à Saúde, programa que criou cooperativas privadas na gestão de equipamentos públicos e sucateou a saúde na cidade de São Paulo durante duas administrações consecutivas, além de sofrer acusações de corrupção.

A primeira regulamentação de OSs no Brasil foi feita em 1998 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e esse tipo de convênio também existe no governo estadual. Um dos aspectos mais graves dessa parceria, notado nessas experiências anteriores, é que as OSs acabam “escolhendo” seus pacientes. Tornam-se serviços públicos de portas fechadas, que selecionam os casos a serem atendidos, e só entra quem for encaminhado, enquanto outras unidades básicas de saúde (UBSs) e pronto-socorros têm que atender toda a população.

Os defensores das OSs afirmam que os equipamentos públicos geridos por elas realizam mais atendimentos com os mesmos recursos. Em contraposição a isso, argumenta-se que não pode medir a saúde por números, mas por eficiência. “Elas não fazem procedimentos de alta complexidade, como transplante de coração ou atendimento de queimaduras de grande extensão. Só atendem doentes escolhidos, por isso, ficam numericamente mais eficientes, mas será que elas atendem às necessidades da população?”, questiona Carvalhaes.

O próprio Conselho Municipal de Saúde – órgão de controle social previsto no SUS, com caráter deliberativo – se pronunciou contrário ao projeto, mas o prefeito Serra desrespeitou essa posição. Para o Conselho, ao invés de firmar parceria com as OSs, deveria haver uma valorização e ampliação do SUS, que se propõe a ser universal, oferecer atendimento integral e com equidade e controle social constante.

Ações singelas
A falta de médicos e de outros profissionais de saúde e a conseqüente dificuldade para agendar consultas enfrentada pela população paulistana são alguns dos principais problemas apontados na atual gestão. “Antes já havia uma demora para conseguir consultas de três ou quatro meses, mas hoje não tem mais especialistas. O usuário procura e quem trabalha na rede não tem para quem encaminhar muitos casos. Nesse aspecto piorou”, afirma Celina.

De acordo com Ana Rosa Garcia da Costa, diretora do departamento de saúde do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (Sindsep), não houve investimento adequado nessa área e, sem a contratação necessária de novos profissionais, atualmente, há auxiliares de enfermagem que respondem por 15 a 20 leitos ao mesmo tempo, em plantões de doze horas. “As pessoas estão trabalhando no limite e não há reposição de funcionários quando se aposentam, se demitem ou morrem”, denuncia. Segundo ela, é necessário investir mais nos funcionários, na formação e capacitação permanentes, na melhoria dos salários e em planos de cargos e carreira. Além dos baixos salários, outros fatores contribuem para as más condições de trabalho: a falta de insumos básicos, de medicamentos e de manutenção dos equipamentos de trabalho estão entre as reclamações mais freqüentes desses profissionais.

“A secretaria disse que só contrataria após a aprovação das OSs. Esperamos que agora pelo menos isso ocorra porque o déficit de especialistas é muito grande”, acrescenta Ailton Alves da Silva, do Fórum de Saúde do M‘Boi Mirim e representante do Movimento Popular de Saúde da Zona Sul no Conselho Municipal de Saúde, que termina seu mandato ainda na primeira quinzena de janeiro.

As Unidades de Atendimento Médico Ambulatorial criadas em 2005, batizadas de AMAs, que a atual prefeitura apresenta como uma de suas mais importantes realizações na área da saúde, não são bem vistas por sindicatos e movimentos populares, por ser um “projeto de fachada”, que não traz nenhuma nova contribuição para os problemas enfrentados diariamente pela população. “O prefeito maquiou alguns postos de saúde, mudou a porta de lugar, pintou e deu um nome novo e só por isso disse que é uma coisa nova”, diz Carvalhaes.

A prevenção, que deveria ser o principal papel do sistema de saúde, é outro ponto fraco da atual gestão. Na avaliação dos movimentos populares de saúde de São Paulo, ela deve ser feita, principalmente, por meio do Programa de Saúde da Família (PSF) e de programas específicos, como o Programa de Saúde da Mulher. No entanto, o número de equipes do PSF, que o prefeito prometeu duplicar em seu mandato, ainda não teve crescimento significativo. As 680 existentes em 2004, subiram para 811 em 2005, de acordo com dados fornecidos pela secretaria.

O Programa de Saúde da Mulher, por sua vez, de acordo com Celina, está totalmente parado na cidade de São Paulo. “Temos casos e casos de mulheres que não conseguem fazer o exame Papa Nicolau, o que é muito grave. Os casos de câncer de útero aumentaram e vão continuar aumentando se não tiver um investimento mais sério nisso”. Os mutirões feitos nessa área, como o de mamografia e o de ultra-sonografia, são considerados insuficientes para atender à demanda da população, e mesmo as mulheres que conseguiram ser atendidas não receberam o retorno com a agilidade devida. Nesse sentido, a própria política dos mutirões tem sido duramente criticada porque eles não garantem a continuidade, como deveria ocorrer nas ações de prevenção. São feitos exames, mas não há acompanhamento posterior, nem encaminhamento para especialista.

“Do ponto de vista da campanha feita, as ações até agora foram bastante singelas”, avalia o representante do Movimento Popular de Saúde da Zona Sul. Ele critica também a centralização da gestão da saúde em São Paulo por parte da prefeitura, que retirou as coordenadorias das 31 subprefeituras na cidade e reuniu-as em apenas cinco coordenadorias. “Isso vai contra o princípio do SUS de que o sistema deve ser descentralizado e ainda dificulta o controle social, já que muitos dos integrantes do Conselho Municipal de Saúde são pessoas humildes, que têm dificuldades de se locomover por grandes distâncias. Há também uma má vontade para facilitar o acesso às informações para o movimento popular de saúde”, afirma.

“Até agora não foi divulgado o modelo de saúde pensado para a cidade de São Paulo. Quando reclamamos da falta de médicos, de remédios, de funcionários, eles dizem que tudo vai ser resolvido com as OSs, mas é ilusório porque esse projeto não vai conseguir resolver esses problemas”, acredita Ana Rosa. “O prefeito veio para São Paulo como o homem da saúde, mas eu diria que, lamentavelmente, a saúde da cidade de está muito doente”, resume o presidente do sindicato dos médicos, Cid Carvalhaes.

A secretária municipal da Saúde, Maria Cristina Cury, foi procurada desde quinta-feira (05) para responder às críticas de movimentos populares e sindicatos, mas até o fechamento desta matéria ela não concedeu entrevista à Carta Maior.

Da Agência Carta Maior

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