Senador João Ribeiro é condenado, mas valor da pena é reduzido em 90%

Decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Pará condena pelas condições a que estavam sujeitos os trabalhadores em sua fazenda, mas baixa a indenização a ser paga de R$ 760 mil para R$ 76 mil. O relator do processo questionou a atuação do governo federal e das ONGs no combate ao trabalho escravo
Por Iberê Thenório
 10/02/2006

O senador João Ribeiro (PL-TO) foi condenado pelos desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho do Pará a pagar uma indenização de R$ 76 mil por danos morais coletivos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). De acordo com a denúncia do Ministério Público do Trabalho, Ribeiro teria mantido 38 trabalhadores em condições análogas à de escravo em sua fazenda Ouro Verde, no município de Piçarra, no Sul do Pará. Em acórdão publicado no dia 20 de janeiro, os desembargadores diminuíram a indenização de R$ 760 mil (decidido na primeira instância) para R$ 76 mil. O senador já entrou com recurso contra a decisão.

No acórdão, os desembargadores não caracterizaram a existência de trabalho escravo na fazenda do senador e listam uma série de condições que configurariam trabalho degradante. Na lógica do relator, o desembargador Lúcio Castiglioni, “as condições da fazenda eram semelhantes às condições do restante do distrito, não podendo caracterizar a intenção do empregador em submeter os seus empregados à condição análoga à de escravo”. E completa que: “é que existiam diversas infrações à lei trabalhista, mas para o saneamento de tais infrações foram expedidos os competentes autos e aplicadas as multas prevista”.

O Ministério Público do Trabalho também vai entrar com recurso contra a decisão. “Para efeitos penais, as condições degradantes de trabalho hoje se equiparam a trabalho em condições análogas a de escravo, conforme o artigo 149 do código penal. Às vezes, as situações degradantes são até mais ofensivas aos direitos humanos do que o próprio cerceamento de liberdade”, afirma o procurador do Ministério Público do Trabalho, Lóris Rocha Pereira.

Para o advogado e membro da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Afonso, o valor da indenização é baixo. “As próprias rescisões contratuais realizadas pelos grupos móveis acabam passando esse valor, e o pagamento delas nunca foi suficiente para coibir a prática. Prova disso é reincidência, que é constante na região”.

Além do processo trabalhista, João Ribeiro foi denunciado, em junho de 2004, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga a de escravo, negação de direitos trabalhistas e aliciamento de trabalhadores. Juntas, as penas por esses crimes podem somar de quatro a treze anos de prisão. Há também a possibilidade de cassação do senador por quebra de decoro parlamentar. Na sua denúncia Fonteles afirmou que, “a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço”.

Em fiscalização realizada pelo grupo móvel em fevereiro de 2004, 38 trabalhadores foram encontrados em alojamentos precários feitos com folhas de palmeira e sem acesso a sanitários. De acordo com Humberto Célio Pereira, coordenador da ação, “os barracos eram de chão batido, sem água potável, em situação extremamente degradante. Os trabalhadores eram obrigados a comprar na própria fazenda equipamentos de trabalho e proteção, como botina, chapéu e luva [que pela lei devem ser fornecidos sem custo pelo empregador], além de terem seus documentos retidos, caracterizando condições análogas a de escravidão”.

Usando a tribuna do Senado para se defender, João Ribeiro afirmou na época que carteira assinada e abrigo moderno seriam incompatíveis com a região, porque, segundo ele, isso não há nem na cidade. “A grande maioria da população pobre vive em situação de miséria e de abandono.” No mesmo discurso, Ribeiro se dirige aos fiscais do trabalho pedindo “complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”.

Apesar do processo a que respondia na Justiça do Trabalho, o senador foi designado, em outubro de 2005, como relator do orçamento para as áreas de Trabalho, Previdência e Assistência Social, onde são definidos os gastos do governo no combate ao trabalho escravo, inclusive a manutenção dos grupos móveis que fiscalizaram sua fazenda. O senador manteve a proposta inicial, sem sugerir aumento de recursos para a área de combate ao trabalho escravo. Vale lembrar que o valor destinado ao combate ao trabalho escravo será menor em 2006 do que foi em 2005 por conta do próprio Poder Executivo.

Denunciado criminalmente junto com João Ribeiro, o administrador da fazenda Ouro Verde, Osvaldo Brito Filho, recebia também salário do governo do Estado do Tocantins, onde era registrado como assessor especial da Secretaria de Governo. De acordo com reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 20 de junho de 2004, Brito Filho estava registrado como funcionário da fazenda do senador entre janeiro e março de 2004, e seu desligamento do governo de Tocantins se deu em fevereiro do mesmo ano, logo após a ação de fiscalização.

Sem acordo
Não foi fácil chegar à decisão de segunda instância sobre o caso João Ribeiro. Na primeira votação, da qual participaram cinco membros do TRT, o desembargador Lúcio Castiglioni julgou improcedente a acusação feita pelo Ministério Público, enquanto Sulamir de Almeida e Elizabeth Newman votaram pela redução da pena para R$ 100 mil. Vicente Fonseca e Herbert de Matos queriam a manutenção do valor em R$ 760 mil. Com o empate, o procedimento comum seria convidar um sexto desembargador para dar o voto de Minerva. Castiglioni, no entanto, não aceitou a entrada de um novo colega, querendo votar novamente para desempatar.

O caso acabou gerando uma reclamação correcional ao Tribunal Superior do Trabalho. Antes do julgamento da reclamação, contudo, os desembargadores se reuniram novamente e decidiram que Castiglioni poderia desempatar. Em vez de escolher entre as opções de R$ 100 mil e R$ 760 mil, o desembargador propôs o novo valor de R$ 76 mil. Sulamir e Elizabeth que voltaram atrás em suas decisões anteriores e também baixaram para R$ 76 mil, acompanhando o voto do relator.

Em seu discurso pela improcedência da acusação, Castiglioni aponta as péssimas condições de vida da região e culpa o Estado pela precariedade em que se encontravam os trabalhadores. “O que se observa é a grande preocupação com o superávit primário, muito discurso, caixa dois e atuação social zero. Na realidade, quem deveria pagar a indenização é o poder público.” O juiz também questiona o trabalho das organizações não-governamentais no combate ao trabalho escravo. “O m
inistério está divulgando ‘lista suja’ dos empregadores, e é incentivado pelas ONGs. Quem financia as ONGs? Lá em São Paulo tinha uma que era patrocinada pelo PCC [Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que atua no Estado de São Paulo]. Veio uma ONG fazer críticas ao tribunal de Justiça do estado. Quais são os interesses que essas ONGs defendem?”

O relator foi além. “Ressalte-se que o recorrido é, conforme consta dos autos, Senador da República, em partido de oposição àquele que está no poder central.” João Ribeiro era do PFL, mas hoje faz parte do PL, partido, pelo menos em tese, participante da base governista.

Castiglioni, por fim, questiona o papel do grupo móvel de fiscalização, formado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, nas ações de libertação de trabalhadores. “O grupo [móvel de fiscalização] de 13 pessoas saiu de Brasília com fim específico, de acordo com o relatório por eles elaborado para atender denúncia contra a fazenda do requerido, percorrendo em torno de 1.300 quilômetros (sem o retorno) e, apesar de não declarado, recebeu diárias etc. Portanto, precisaria, de qualquer forma, caracterizar a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo, fato que, conforme já demonstrado anteriormente, não restou comprovado pelos depoimentos dos trabalhadores envolvidos.”

De acordo com Marcelo Campos, coordenador do grupo especial móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, a afirmação do relator “demonstra o total desconhecimento dos procedimentos relacionados à inspeção do trabalho e, em especial à erradicação do trabalho escravo. Nenhum auditor necessita para o recebimento de seus salários e gratificações de constatar irregularidades em relação ao fiscalizado”. Criado em 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso e ampliado durante o governo Luís Inácio Lula da Silva, essas equipes já libertaram mais de 18 mil trabalhadores e são reconhecidos como o principal instrumento de combate à escravidão no país por organizações internacionais.

A reportagem tentou ouvir o senador João Ribeiro, mas, de acordo com sua assessoria de imprensa, ele estaria em viagem.

Colaborou Leonardo Sakamoto.

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