A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão judicial liminar favorável a uma comunidade quilombola no bairro Ilhas, no município de Barra do Turvo (a 322 km de São Paulo), que determina a reintegração de posse e a remoção de cercas instaladas pela dona de uma chácara vizinha, que bloqueiam a passagem da comunidade até um reservatório de água.
A decisão foi proferida pela Juíza Marcela Filus Coelho, da Comarca de Jacupiranga, no último dia 6/2. Ela acolheu o pedido feito pelos Defensores Andrew Toshio Hayama e Thiago de Luna Cury, que atuam em Registro, também no Vale do Ribeira.
A magistrada determinou que, se necessário, haja auxílio policial, e fixou multa de R$ 5.000 caso a passagem seja novamente obstruída.
A ação dos Defensores busca a proteção do território quilombola por meio de usucapião por servidão de passagem – já que a comunidade, para chegar à fonte de água, precisa passar pela chácara vizinha.
Segundo a ação, há mais de 20 anos a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) deixou de usar um rio próximo à comunidade quilombola para abastecer a cidade de Barra do Turvo, substituindo-o por outra fonte. A estrutura abandonada, porém, passou a ser usada pelos quilombolas para levar água à comunidade, por meio de reformas e canalização feitas por eles próprios.
A comunidade se responsabilizou por preservar a qualidade da água e manter transitável o caminho ao reservatório, de cerca de 1 km. Mas, de acordo com a ação, no último dia 21/1 os moradores encontraram o trajeto bloqueado por uma cerca colocada pela dona da chácara Grão-Pará, também conhecida como “Pedra Branca”, localizada em área originalmente quilombola. No dia 28/1, os quilombolas procuraram auxílio da Defensoria, levando um abaixo assinado.
Ação
Os Defensores fundamentam a ação no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que garante a propriedade definitiva aos remanescentes de comunidades quilombolas, mesmo que ainda não tenha sido feita a regularização fundiária.
Outro fundamento jurídico mencionado é o Decreto nº 4.887/2003, que em seu artigo 2º define como remanescentes das comunidades dos quilombos “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais, promulgada pelo Brasil em 2004, também embasa a ação, que aponta o compromisso assumido pelo governo a adotar “as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse”.
Quilombo
Com história ainda incerta, o quilombo do bairro Ilhas tem suas raízes provavelmente no início do século XX, formado a partir da compra de uma área por Raymunda Correa de Freitas, filha da escrava Izidora Correa de Freitas. Descendentes de escravos teriam deixado a cidade de Iguape por dificuldades de subsistência e migrado para Barra do Turvo.
Em um século de existência, segundo o Defensor Andrew Toshio, a comunidade originalmente instalada foi reduzida drasticamente, a 12 famílias e um território de 25 hectares, devido a grilagens, invasões, expulsões e até violência por parte de não quilombolas.
Recentemente os moradores constituíram uma associação e passam, agora, por um processo de reconstrução de sua história e reconhecimento como comunidade quilombola, segundo Toshio. Também será feito pedido à Fundação Cultural Palmares, pela Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), para que seja atestada a existência da comunidade.
Texto originalmente publicado na página da Defensoria Pública de São Paulo