Autuado por trabalho escravo recebeu recursos de emendas parlamentares do Senado

Ex-senador Romero Jucá e Mecias de Jesus (Republicanos-RR), eleito em 2018, destinaram recursos à prefeitura de São Luiz (RR), que contratou, em 2018 e novamente em agosto, empresa autuada por trabalho escravo em novembro
Por Daniel Camargos
 21/12/2021

Um galinheiro da fazenda Ouro Preto, em Caracaraí, em Roraima, chamou a atenção da fiscalização trabalhista. “Sem nenhuma fresta e feito com material de qualidade”, descreve a auditora fiscal do trabalho, Bruna Quadros. Já os locais em que os trabalhadores dormiam eram feitos de lona. “Sujeitos a entrada de cobras, aranhas e escorpiões”, detalha Quadros, que participou da equipe que resgatou de condições análogas à escravidão sete pessoas, incluindo três indígenas do povo Macuxi e dois imigrantes venezuelanos.

O resgate foi realizado em novembro e o empresário responsável pela fazenda é Carlos Alberto de Salles Júnior. Sua empresa, a Invicta, é contratada pela prefeitura de São Luiz, cidade vizinha a Caracaraí, para obras em estradas vicinais. Parte do dinheiro que paga essas obras é fruto de emendas parlamentares destinadas pelo então senador Romero Jucá (MDB) até 2018.

A prefeitura de São Luiz também contratou a Invicta em agosto para plantar mudas de açaí que seriam destinadas a um projeto que atenderá 41 famílias. Os recursos (R$ 1,5 milhão) foram repassados pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) por meio de  emenda parlamentar.  

Um dos barracões de lona onde os trabalhadores dormiam. Entre os resgatados estavam dois imigrantes venezuelanos e três indígenas (Foto: Secretaria de Inspeção do Trabalho/Ministério do Trabalho)

Os sete trabalhadores que estavam preparando o plantio de mudas de açaí e também construindo a sede da fazenda, além do galinheiro, dormiam em barracões de lona e em uma casa em construção – ainda sem portas, janelas e acabamento. 

“Tem várias obras que ele [o empresário Carlos Alberto] está fazendo para a prefeitura. São verbas das emendas do [Romero] Jucá ainda. Vamos esperar terminar as obras, mas depois vamos pensar em fazer novos contratos, pois pega muito mal para nós [essa autuação]”, disse o secretário de obras da prefeitura de São Luiz, Ary Lunard, ao ser questionado pela Repórter Brasil sobre a contratação da Invicta  pelo poder público.  

Depois de ser deputado estadual por seis mandatos consecutivos, Mecias derrotou Jucá na última eleição para o Senado, por uma diferença de apenas 426 votos. O outro senador eleito por Roraima foi Chico Rodrigues (DEM), que no ano passado foi flagrado pela Polícia Federal tentando esconder R$ 33 mil na cueca.    

Romero Jucá foi senador por Roraima por três mandatos. Foi também governador do Estado e ministro nos governos de Lula e de Michel Temer. Atualmente sem cargo, atua nos bastidores da política de Brasília como um dos articuladores do Centrão, base de sustentação do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em Boa Vista, sua família detém o maior conglomerado de comunicação do Estado. 

Procurado, o ex-senador disse que não compactua com o trabalho escravo e que, na sua visão, a prefeitura deve ser a responsável pela aplicação do dinheiro e contratação da empresa. Ele confirmou o repasse de recursos, por meio de emendas, à cidade de São Luiz e defendeu “que práticas de avaliação de fornecedores e prestadores de serviço, como as que já são adotadas por algumas empresas e instituições brasileiras, virem norma também para os contratos firmados com a administração pública”. Jucá, que preside o MDB em Roraima, defendeu que “autores de atos tão deploráveis” sejam punidos pela legislação. Leia a íntegra da nota.  

Em seu site, Jucá lista as benfeitorias que levou para São Luiz. Em uma das fotos é possível ver uma placa com os detalhes da obra e o nome da empresa contratada: Invicta. A empresa recebeu pelo menos R$ 8 milhões em pagamentos da prefeitura nos últimos anos, segundo os dados disponíveis no canal de transparência do site do executivo municipal. 

A Invicta é a mesma empresa responsável pelo plantio de mudas de açaí na Fazenda Ouro Preto, onde os trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão. A ação fiscal começou em 16 de novembro e, além dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho, contou com a participação de policiais rodoviários federais, da Defensoria Pública da União, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal.  

A Repórter Brasil procurou o empresário Carlos Alberto de Salles Júnior, que não quis se manifestar. 

Além das obras nas estradas, a Invicta ganhou neste ano  um pregão eletrônico realizado pela prefeitura com valor total de R$ 1,5 milhão para o plantio de mudas de açaí. No site do senador Mecias de Jesus, o repasse de recursos é exaltado como uma oportunidade para pequenos agricultores. 

Questionado sobre a contratação da Invicta, o senador disse que não participa da escolha das empresas que vencem pregões realizados pelas prefeituras e que “repudia veementemente qualquer tipo de trabalho análogo às condições de escravidão”. Ele disse que acompanhará o andamento do plantio de açaí em São Luiz.

Banho no açude raso

Para tomar banho, os trabalhadores precisavam ir a um açude bem raso, conta a auditora fiscal Bruna Quadros. Além disso, não tinham carteira assinada e um deles, o cozinheiro, era submetido a jornadas exaustivas. 

Enquanto os trabalhadores tomavam banho em um açude raso, a empresa do empregador tem capital declarado de R$ 25 milhões (Foto: Secretaria de Inspeção do Trabalho/Ministério do Trabalho)

Dois trabalhadores eram imigrantes venezuelanos. A exploração ilegal e abusiva da mão de obra dessa nacionalidade em Roraima é um problema destacado pela Organização das Nações Unidas. Segundo relatório publicado em julho, esses imigrantes  que chegam ao Brasil se encontram em “em expressiva situação de vulnerabilidade econômica e social, com baixa profissionalização e escolaridade, e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho”. 

Outros três trabalhadores resgatados eram indígenas do povo Macuxi. Habitantes da região de fronteira, na bacia dos rios Branco, Orinoco e Rupununi, os Macuxi são vítimas da ocupação dos não-indígenas desde o século 18 sendo levados a migração forçada, situação agravada nos dias atuais com a presença de garimpeiros ilegais em suas terras, além de frentes extrativistas e pecuaristas.  

Criada em 1987, a Invicta tem capital social de R$ 25 milhões e é de propriedade exclusiva de Carlos Alberto. Segundo a Receita Federal, a atividade principal da empresa é a construção de edifícios, mas entre as atividades secundárias há o cultivo de açaí e eucalipto, coleta de látex, fabricação de conservas de frutas, serviços de terraplanagem e construção de rodovias e ferrovias.   


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